Coluna | “Positividade tóxica”

2015-04-10_190211

Viviane Tremarin – Psicóloga e Pós-graduanda em Terapia Cognitivo-Comportamental

Mas ser positivo não é bom? Pensar positivo não é a melhor forma de pensar? Mentalizar o bem não atrai coisas boas? Por incrível que pareça, não é porque é “positivo” que deixa de ser destrutivo para a saúde mental.

A positividade também pode ser prejudicial, e às vezes pior do que a tristeza, quando incentiva que foquemos apenas nos aspectos positivos da vida e em emoções que consideramos boas, porque ela estimula que ignoremos a dor, que não enfrentemos situações difíceis e assim também não aprendemos a lidar com frustrações e derrotas.
Principalmente nesses tempos de pandemia temos visto a positividade como resposta ao sofrimento que temos enfrentado.

Na internet é muito fácil ver “influenciadores” dizendo que devemos olhar para a atual situação do país e ver a parte boa de tudo que vem acontecendo, o que incluiria o aprendizado que tivemos sobre valorizar mais as pessoas, os encontros e a vida em si, e sermos gratos pela oportunidade de nos tornarmos pessoas melhores diante do caos.

E tudo isso é muito bonito na fala, mas na prática é necessário ignorar as mais de 500 mil mortes que já tivemos, o aumento absurdo no preço de tudo que é essencial, as recentes descobertas de corrupção que custaram vidas, o número estatístico de violência doméstica que só tem crescido…

Enfim, esse não me parece o melhor cenário para sugerir que as pessoas sejam gratas. É a positividade na sua forma tóxica exigindo que sejamos felizes mesmo durante o fim do mundo.

Olhar para o caos e enxergar o caos não te torna pessimista ou ingrato(a), você só não foi consumido(a) pela pressão de ter que estar bem o tempo todo.

Negar o sofrimento apenas o intensifica
A positividade tóxica funciona mais ou menos assim: se você está triste apenas pense que tudo vai passar e que terá grandes aprendizados que farão com que você agradeça no futuro por estar se sentindo assim, apenas seja feliz na tristeza.

E essa forma de lidar com as situações pode trazer prejuízos a longo prazo deslegitimando preocupações e problemas reais, forçando as pessoas a pararem de buscar ajuda diante do sofrimento e causando um novo que já é observável na sociedade: pessoas que não suportam a dor e se cobram para estarem felizes em momentos de tristeza. É humano sentir raiva, tristeza ou medo. É humano sentir. É humano pedir ajuda. Apesar de

desagradáveis as emoções tem um papel essencial para a nossa sobrevivência, negá-las por meio da positividade pode fazer com que elas explodam em forma de adoecimento psicológico no futuro.

Um estudo publicado em um jornal de psicologia mostrou que pessoas que evitam entrar em contato com seus sentimentos negativos apresentam mais problemas de saúde mental do que aquelas que aceitam as emoções. As emoções não precisam ser resolvidas, elas precisam ser acolhidas.

A forma mais saudável de lidar com a realidade, por mais difícil que ela se apresente, é aceitando-a como ela é. Aceitar não é apenas deixar que a vida passe enquanto nos tornamos passivos, existe muito movimento na aceitação.

Dá para aceitar e ainda assim agir, porque a aceitação nos permite olhar para a realidade com os pés no chão e ter atitudes conscientes em direção ao bem estar. Com isso, não estou dizendo para nos tornarmos pessimistas e reclamões, ou que não devemos tentar levar a vida com mais leveza. Estou sugerindo que adotemos a positividade saudável, aquela que reconhece que é possível encontrar aprendizados e motivação diante de situações adversas – inclusive ser resiliente é uma habilidade importante na vida – mas que não nega a existência da parte negativa delas, e principalmente, respeita as fases naturais da vida, não exigindo bem-estar e felicidade vitalícios.

Validação e esperança Ter saúde mental não é ser feliz o tempo todo, ter o controle sobre todas as coisas, ou não ter mais sentimentos desagradáveis. Isso é impossível.
Todos temos dias de altos e baixos, e estranho seria se não fosse assim. Saúde mental tem a ver com equilíbrio. Entender que haverá dias bons e ruins, e saber lidar com eles, seja pedindo ajuda ou compreendendo os próprios sentimentos.

Ignorar as próprias emoções é como abandonar a si mesmo(a), já que essa atitude pouco acolhe e causa um afastamento de si mesmo(a). Acolher os sentimentos é um ato de amor próprio.

Quando eu explico aos pacientes na clínica sobre como a terapia cognitiva-comportamental funciona, eu menciono o modelo cognitivo, que muitas vezes é a base do nosso trabalho.

Nele, buscamos novas perspectivas para os pensamentos, já que normalmente eles surgem como regra e confiamos neles como se fossem verdades absolutas. Mas a modificação de pensamento que buscamos na clínica nada tem a ver com pensar positivo.

Claro que ter confiança e acreditar que as coisas irão funcionar é muito importante, mas não é apenas o pensamento positivo isolado de atitudes que nos garante sucesso. Pensar positivo é uma solução muito simples que não nos prepara para o mais importante: enfrentar a realidade.

E dependendo da situação em que nos encontramos, pode até́ ser uma ideia pouco inteligente. O pensamento positivo dificilmente vai te salvar de um leão que quer te devorar, por exemplo. O mais efetivo é avaliar todas as informações – positivas, negativas e neutras – e ter um plano para lidar com todos os resultados possíveis.

E colocar os pés no chão é um fator de felicidade, segundo uma pesquisa feita em 2014 no Reino Unido. Pesquisadores criaram um cálculo capaz de prever o quanto uma pessoa será feliz com base nas suas expectativas e na concretização delas na realidade.

O resultado mostrou que quanto menor a expectativa, maior é a felicidade. Podemos substituir a positividade tóxica por uma atitude mais saudável, humana e empática, que é a de validar e dar esperança.

Enquanto a positividade tóxica diz “mas você está bem, tem tanta gente passando por coisa pior, você deveria agradecer”, a validação e esperança diz “você realmente está passando por uma situação difícil, eu estou orgulhoso(a) pela forma como você tem encarado tudo, estou à disposição para ajuda-lo(a).”

Podemos enxergar o lado bom da vida sem negar os problemas reais. A felicidade não é uma meta a ser alcançada, mas sim o resultado de uma vida que vale a pena ser vivida na sua tristeza, no seu luto, na sua raiva, e em todas as suas fases e emoções.