Brasileiro faz dívidas até para comprar comida

2015-04-10_190211

Segundo estudo, endividados usam o cartão de crédito na aquisição de itens essenciais

As famílias brasileiras continuam altamente endividadas e o quadro de inadimplência segue o mesmo ritmo. É o que aponta a mais recente pesquisa divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que traz novo recorde no número de endividados no mês de agosto, de 72,9%. O percentual corresponde a 11,89 milhões de famílias com alguma dívida em aberto.
A pesquisa de endividamento e inadimplência do consumidor (Peic) aponta que grande parte do endividamento das famílias, cerca de 83%, se concentra no cartão de crédito. Isso porque, nos lares de renda mais baixa, o crédito tem sido utilizado até para adquirir itens essenciais, como comida.
Com a alta inflação sobre itens essenciais na cesta de consumo das famílias de menor renda, elas acabam tirando espaço do orçamento e se endividando mais para consumir itens de primeira necessidade, como alimentos. O dinheiro não está chegando ao fim do mês e as pessoas estão usando o cartão de crédito para fazer essa cobertura.
Na análise da Peic, a CNC aponta como principais fatores para alta manutenção do endividamento das famílias a expansão do acesso ao crédito, o alto índice de desemprego e a inflação elevada. Na avaliação do presidente da entidade classista, José Roberto Tadros, grande parte das dívidas é de trabalhadores informais que recorrem ao crédito para investir em pequenos negócios.
Os dados da pesquisa apontam que o acesso ao crédito pelos consumidores atingiu 19,2% no primeiro semestre de 2021. A taxa é a maior desde o início de 2013. O crédito mais acessível, com taxas de juros mais baixas, contribuiu para o aumento gradual do endividamento, que foi acompanhado, também, pela alta na inflação. Os dados demonstram que, desde novembro, quando estava em 66%, o endividamento teve elevações consecutivas.
É considerada superendividada a pessoa que comprometeu mais de 50% de sua renda mensal com dívidas. Embora não exista um número oficial de superendividados no país, é provável que grande parte dessas pessoas estejam no Mapa da Inadimplência da Serasa, que registra 62,5 milhões de brasileiros com o CPF restrito.
A última Peic aponta que 25,6% do total das famílias endividadas em agosto estão inadimplentes. O número se manteve estável com relação a julho, mas apresentou uma leve queda de 1,1% em relação a agosto do ano passado.
A secretária nacional do Consumidor, Juliana Domingues, defende o acesso ao crédito. Na avaliação dela, além de movimentar a economia, o crédito concede poder de compra para parte dos consumidores que não teriam essa condição. “O problema não é o acesso ao crédito, mas o acesso ao crédito de uma forma não responsável”, aponta.
Para Roberto de Góes Ellery Júnior, professor da Universidade de Brasília (UNB), o principal problema do superendividamento está, sim, na concessão de crédito, muitas vezes bem acima da renda do consumidor. “O crédito é fundamental para o bom desempenho de uma economia, mas pode ser perigoso quando é concedido além da capacidade de pagamento do consumidor”, diz o professor.