Vire a página, mulher… Uma análise sobre a lei de violência doméstica e familiar durante a pandemia

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Estamos vivendo um momento de incertezas, medos e altas doses de estresse. Nesse momento de isolamento, em que as famílias passam a ter uma convivência forçada, a tendência é exacerbar tensões. Um dos efeitos secundários do isolamento social, foi o aumento da violência contra as mulheres. O exemplo disso, vivenciamos na nossa não mais pacata cidadezinha, um jovem ameaçando a namorada com um taco de basebol. Em março, com a quarentena começando a partir da última semana do mês, o número de denúncias tinha avançado quase 18% e, em fevereiro, 13,5%, na mesma base de comparação. É preciso entender que a violência advém historicamente das relações desiguais entre homens e mulheres, que conduziram à discriminação e subordinação em relação aos homens. Mesmo diante do aumento no número de casos e da triste posição que o nosso país assume no ranking de violência doméstica, somente depois de quase 4 meses da imposição de medidas de distanciamento social, as quais, inclusive, vêm sendo relaxadas em todo o país, foi sancionada a Lei 14.022 que institui políticas públicas de combate à violência contra àqueles que vivem em condições de vulnerabilidade.

Ainda que tardia, que seja mais avanço legislativo, e mostra que o Brasil precisa aproveitar o momento atual, de pico de casos de covid-19, para reforçar os investimentos realizados no combate à violência contra a mulher. O atendimento às vítimas passa a ser considerado serviço essencial e não poderá ser interrompido enquanto durar o estado de calamidade pública causado pelo novo coronavírus. De acordo com a referida Lei, as denúncias recebidas nesse período pela Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (Ligue 180) ou pelo serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual (Disque 100) deverão ser encaminhadas às autoridades em até 48 horas.  Além de obrigar, em todos os casos, o atendimento ágil às demandas que impliquem risco à integridade da mulher, do idoso, da criança e do adolescente, o texto exige que os órgãos de segurança criem canais gratuitos de comunicação interativos para atendimento virtual, acessíveis por celulares e computadores.

O atendimento presencial será obrigatório para casos que possam envolver: feminicídio; lesão corporal grave ou gravíssima; lesão corporal seguida de morte; ameaça praticada com uso de arma de fogo; estupro; crimes sexuais contra menores de 14 anos ou vulneráveis; descumprimento de medidas protetivas; e crimes contra adolescentes e idosos. A lei exige, ainda, que os institutos médico-legais continuem realizando exames de corpo de delito, para isso os governos poderão criar equipes móveis para atender às vítimas de crimes sexuais. A sociedade também tem se organizado para ajudar esta mulher neste período usando todo tipo de estratégias: Um X vermelho de batom estampado na palma da mão, um botão de pânico num aplicativo de loja online de eletroeletrônicos e até um vídeo fake de automaquiagem que, na prática, orienta a fazer denúncias.

Precisamos debater, aqui em nossa cidade, se estamos preparados para auxiliar as vítimas. Desmontar o conceito ultrapassado de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Inclusive, no dia 8 de julho o Senado aprovou o substitutivo ao Projeto de Lei (PL) 2.510/2020, que obriga moradores e síndicos de condomínios a informarem casos de violência doméstica às autoridades competentes. O projeto, aprovado em votação simbólica, será encaminhado à Câmara dos Deputados. O texto aprovado modifica o Estatuto dos Condomínios (Lei 4.591, de 1964) e o Código Civil (Lei 10.406, de 2002) para punir quem omitir socorro a vítimas de violência doméstica e familiar em condomínios, tanto residenciais quanto comerciais, de prédios ou casas. (Fonte: Agência Senado). Será mais um avanço para evitar a omissão das pessoas que assistem a violência e nada fazem pelo medo de se envolver.

É preciso ter-se em mente que o problema não será solucionado uma vez que o Brasil deixe de estar em estado de emergência em saúde pública. Isto porque a pandemia certamente terá como consequência um grande número de mulheres em estado de vulnerabilidade econômica. Essa vulnerabilidade, como já dito, repercute em uma maior dependência por parte das vítimas de violência doméstica de seus agressores – e, consequentemente, maior dificuldade de rompimento do ciclo de violência. Certamente, o futuro exigirá mais políticas públicas, focalizadas não apenas no combate à violência, como também no estímulo ao empoderamento econômico e ao empreendedorismo femininos.