Estudo desnuda a omissão de escolas na inclusão no RS

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A female teacher sits a desk and helps several of her 4th grade students with their assignment. There are others working in the background.
Pesquisa revela que instituições da educação básica do ensino privado do Rio Grande do Sul não disponibilizam a estrutura nem pessoal de apoio necessários para a efetivação de uma educação inclusiva e sobregarrega professor

O acúmulo cada vez maior de trabalho extraclasse não remunerado, que vem sendo relatado pelos professores do ensino privado, é ainda maior para os docentes que atuam com a inclusão escolar.

Sem o comprometimento da escola, a educação inclusiva acaba sob a responsabilidade apenas dos professores, acarretando ainda mais trabalho para além da carga horária contratada.

Em muitos casos, os docentes arcam até com os custos de materiais e equipamentos. É o que mostra a pesquisa Realidade Docente do Ensino Básico 2022 – Trabalho Extraclasse, realizada pela consultoria FlamingoEDU para o Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), o Sindicato dos Professores do Ensino Privado de Caxias do Sul (Sinpro/Caxias) e o Sindicato dos Professores do Ensino Privado de Ijuí (Sinpro/Noroeste).

A pesquisa confirma uma realidade relatada reiteradamente pelos professores aos sindicatos nos últimos anos. De acordo com a diretora do Sinpro/RS Cecília Farias, o levantamento embasará uma campanha para que os professores que trabalham com alunos com deficiência tenham o necessário apoio material e humano com vistas à efetiva inclusão.

Realizada entre os dias 15 e 29 de agosto, a sondagem abrange 969 professores que responderam ao formulário com 26 questões objetivas sobre a escola, o professor e o aluno, e também fizeram relatos sobre sua realidade em resposta a uma questão aberta, dissertativa.

A maioria dos docentes que participou do estudo atua na educação básica (93,5%), cinco são de escolas de educação especial, oito de profissionalizantes e 49 enquadradas em outras categorias.

Condições de trabalho e estrutura

A inclusão de estudantes com deficiência na escola regular está alicerçada na estrutura legal, amparada na perspectiva de que os direitos humanos devem ser garantidos a todos e, no que diz respeito à escola, devem ser asseguradas as condições de acesso e permanência.

Para tornar a inclusão efetiva, cabe à escola o preparo do corpo docente, a adaptação do projeto pedagógico, a produção de materiais pedagógicos, a mediação do desempenho, a fomentação de um ambiente de cooperação e livre de preconceitos, entre outras medidas. Mas não é bem assim que vem ocorrendo. Com a omissão de muitas escolas, os professores vêm assumindo todas as demandas e, muitas vezes, custeando-as.

Sobre as condições de trabalho, somente 27,4% dos professores que participaram da pesquisa responderam que contam com ambientes adequados e bem equipados, enquanto 28,3% alegam não ter em suas escolas um espaço físico para o atendimento dos alunos com deficiência. Para 25,6%, o ambiente é pequeno, mas devidamente equipado, e 13,2% informaram que existe espaço, mas sem ferramentas e materiais para os alunos.

Em relação ao desenvolvimento dos alunos, 46% revelam que assumem a responsabilidade, 24% contam com materiais básicos, e apenas 9% têm condições adequadas.

Os docentes informaram que gastam, em média, anualmente, R$ 300,00 do seu próprio salário com a compra de materiais de apoio que não são disponibilizados pelas escolas.

Também falta pessoal de apoio para atender aos alunos com deficiência, como determina a legislação: 26% responderam que não contam com nenhum apoio, e 33,2% disseram que o apoio em sala de aula é prestado por uma pessoa sem formação.

Educação Inclusiva: falta de capacitação e apoio 

A maioria dos docentes (60,4%) recebeu alguma capacitação para atuar junto aos alunos com deficiência, mas os 307 que atendem a 1.677 alunos especiais, ou seja, média de 2,65 alunos com deficiência por turma, disseram que não contam com qualquer formação para essa atividade. A percepção dos docentes é que, além da falta de formação para fazer frente às demandas da educação inclusiva, não há carga horária para planejamento de atividades, materiais didáticos e avaliações.

Quase metade dos docentes que responderam à pesquisa desconhece o projeto político-pedagógico da escola e o regimento escolar, um dado alarmante, já que o documento deveria ter sido construído pelo coletivo escolar e cumprido pelo corpo docente.

Com relação ao engajamento das famílias para o atendimento desses alunos, 22,3% informaram que é baixo, o que dificulta ainda mais o trabalho docente.

A sobrecarga de trabalho não remunerado é demonstrada por 119 entrevistados, que disseram atender a mais de 10 alunos com deficiência. Outros 12 relataram que atendem a mais de 30 alunos com deficiência.

“Os estudantes são atendidos com toda atenção e carinho. Entretanto, nem sempre me sinto apto para atender a todos, principalmente os de inclusão, visto que nossa formação não previu esta necessidade. Precisamos aprender a diferenciar melhor os transtornos e as deficiências. Precisamos discutir, cada vez mais, os diagnósticos que nós, professores, ajudamos a produzir junto com os médicos”, desabafa um docente na resposta à questão dissertativa.

Para o pesquisador Heitor Strogulski, “a escola tem dificuldade em estabelecer objetivos claros a serem alcançados pelo aluno. Fica a cargo do professor adaptar o currículo, muitas vezes sem nenhuma referência”.

“Já havíamos constatado a exaustão dos docentes com o trabalho extraclasse ordinário, ou seja, aquele que o professor sempre fez. Há ainda mais trabalho do que o incorporado durante a pandemia e, agora, ainda, a dedicação necessária para planejamento, elaboração de materiais e avaliações adaptados para os estudantes com deficiência”, alerta Cecília. “A jornada de trabalho dos professores parece não ter fim. É preciso que as escolas entendam que estão ultrapassando os limites e que é necessário repensar a elasticidade do trabalho docente.”