Em tempos de discussões acaloradas sobre política nada mais adequado do que repensar reconhecer as próprias limitações
Antes de tudo este texto é uma síntese do efeito Dunning-Kruger é, pois se trata de um assunto, além de muito interessante, muito complexo e cheio de ramificações, como por exemplo a “Síndrome do impostor”.
Basicamente, pessoas que se apresentam extremamente confiantes sobre as suas habilidades ou conhecimentos, na maioria das vezes estão erradas quanto a avaliação que fazem de si mesmas. Porém, esse efeito também pode ser observado quando alguém que realmente possui uma habilidade ou conhecimento excepcional se questiona sobre se realmente é tão bom assim como dizem, ou como um dia pensou ser.
Embora esse texto em particular seja focado no estudo original dos pesquisadores David Dunning e Justin Kruger, e dos estudos e testes provenientes deles, a humanidade já tinha ciência desse fato há muito tempo. Charles Darwin por exemplo, já abordava a relação entre ignorância e confiança ao dizer que “A ignorância gera mais frequentemente confiança do que o conhecimento: são os que sabem pouco, e não aqueles que sabem muito, que afirmam de uma forma tão categórica que este ou aquele problema nunca será resolvido pela ciência”.
Além de Darwin, é fácil achar citações de outros filósofos, sociólogos e outros pensadores e pesquisadores que chegaram à mesma conclusão. Uma das mais famosas talvez seja “só sei que nada sei”, de Sócrates, que de maneira simples demonstra que quanto mais sabemos sobre um assunto, mais nos é revelado o quanto ainda devemos aprender sobre ele.
O assaltante de rosto invisível
Com toda razão, você deve estar se perguntando como um assalto a banco (mal sucedido) está relacionado ao efeito Dunning-Kruger. Pois bem, vamos começar dizendo que esse evento bizarro que aconteceu em 1995 em Pittsburgh (EUA), onde um homem chamado McArthur Wheeler assaltou dois bancos, sem nenhuma máscara e com a plena confiança de que não seria reconhecido.
Depois de checarem as câmeras de segurança e claramente identificarem o suspeito ele foi preso. Mas a parte interessante é que o assaltante se demonstrou incrédulo por ter sido reconhecido nas filmagens, dizendo “Não é possível! Eu estava usando o suco! É impossível que as câmeras tenham me reconhecido!”.
Depois de realizados testes para constatar que McArthur não estava sob a influência de substâncias, durante o interrogatório o assaltante confessou que havia feito com sua filha mais nova uma experiência escrevendo em um papel, utilizando suco de limão. A mensagem ficava invisível e só poderia ser vista quando exposta ao calor. Dada a completa ignorância de McArthur sobre sistemas de segurança ou química básica, ele pensou que poderia aplicar essa técnica para roubar bancos, espalhando suco de laranja pelo rosto e com a plena confiança de que o sistema de segurança não seria capaz de detectá-lo.
Esse caso, e outros aspectos como por exemplo, a crença das pessoas de que seriam totalmente incapazes de realizar determinada tarefa, quando na verdade poderiam, mesmo que não com tanta perícia, fez com que os pesquisadores Dunning e Kruger começassem a conduzir testes que comprovassem esse enviesamento relacionando a ignorância e a incapacidade de percebe-la.
Como chegaram a essa conclusão?
Os pesquisadores Justin Kruger e David Dunning conduziram vários estudos nos quais pediram que pessoas e grupos de pessoas avaliassem seu desempenho em determinada situação. A questão é que a maneira como esses indivíduos se avaliavam era matematicamente impossível.
Por exemplo:
Em um dos estudos, 88% dos motoristas norte-americanos entrevistados consideraram suas habilidades “acima da média”, ou seja, melhor que os outros 50% dos motoristas, sendo isso impossível. (Estudos realizados em outros países mostraram porcentagens diferentes, mostrando que cultura/região tem um impacto no superestimar)
Em outro estudo, engenheiros de duas empresas diferentes responderam se eles se achavam entre os 5% melhores da empresa. Na empresa “A”, 32% disseram que sim, e na empresa “B”, 42% disseram que sim. Novamente, matematicamente impossível.
Autoconhecer-se para poder crescer
Uma das conclusões das centenas de estudos conduzidos é que pessoas ignorantes não possuem o mínimo de conhecimento necessário para saber quão ignorantes são. A partir do momento em que pessoas começam a adquirir um pouco de conhecimento real sobre algo que desconheciam, elas passam a perceber o quanto o falso conhecimento enviesado que tinham previamente estava errado, e também começam a ter uma dimensão real da complexidade e vastidão das coisas.
Independente de como o efeito Dunning-Kruger nos afeta, é seguro dizer que somos imprecisos quando tentamos avaliar nosso próprio conhecimento/habilidade, e também que esse efeito afeta todos nós de maneira e nível diferente, em diversas áreas das nossas vidas.
Portanto, tenhamos em mente que da mesma maneira que esse efeito pode levar uma pessoa ignorante a achar que sabe muito sobre algo, ele também pode fazer com que uma pessoa cheia de potencial acabe se inibindo a ponto da supressão dessas habilidades, por pensar que não sabe nada, ou que não conseguirá realizar determinada tarefa.
Como se autoconhecer, sem autoengano
E qual é a melhor maneira para saber se estamos nos subestimando ou superestimando em aspectos da nossa vida?
Autoconhecimento, estabelecimento e checagem de parâmetros.
É fundamental saber quando e para quem pedir um feedback sincero sobre aspectos das nossas vidas ou então sobre nossa maneira de agir. E mais importante ainda é saber como ouvir essa retórica sem levar para o lado pessoal, pensando em estratégias para notar esses comportamentos e tentar não reproduzir os mesmos erros.
Muitas vezes estamos tão imersos na inércia do cotidiano, e tão acostumados com as pessoas à nossa volta, que os nossos parâmetros de conhecimento sobre algo, ou até mesmo a maneira como estamos acostumados a agir, ficam afetados, e sem perceber podemos acabar por enviesar nossa maneira de sentir e perceber o mundo. Uma das diversas vantagens da terapia é colocar em xeque todas aquelas verdades sedimentadas que carregamos, e através desse processo conhecer cada vez mais sobre nós mesmos, sobre o mundo e sobre as pessoas que nos cercam.
Investir em autoconhecimento é poder identificar suas potencialidades e falhas, e procurar uma estratégia para lidar com ambas de uma maneira realista, sob um ponto de vista técnico, livre de uma autoavaliação tendenciosa. Lembre-se, o primeiro passo a caminho da resolução de um problema, é a identificação desse problema. E como os estudos dos pesquisadores Dunning e Kruger, e tantos outros, apontam, muitas vezes é difícil perceber nossas próprias falhas e também as potencialidades.
É por isso que o profissional de terapia se mostra tão importante também nesse contexto. Podendo através da técnica, da escuta diferenciada e de uma visão analítica não enviesada levar o paciente a perceber aspectos sobre ele mesmo, tanto no âmbito negativo quanto no positivo.