Transtornos mentais atingem mais de 400 milhões de pessoas

2015-04-10_190211

Diagnóstico tardio de uma doença mental pode desencadear diferentes reações ao organismo

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) entre 75% e 85% das pessoas que sofrem desses males não têm acesso a tratamento adequado. No Brasil, a estimativa é de que mais de 25 milhões de pessoas passem por tais problemas, sendo ao menos 5 milhões em níveis de moderado a grave. O diagnóstico tardio de uma doença mental pode desencadear diferentes reações ao organismo. Nesta reportagem a Gazeta destaca cinco das principais doenças mentais, tais como: hipocondria, transtorno obsessivo- compulsivo (TOC), Síndrome do Pânico, Esquizofrenia e o Transtorno Bipolar.

Hipocondria
Um dos transtornos mais comuns, e que por atingir uma grande parcela da população brasileira é tratado por muitos de forma leviana, sem a devida atenção aos sinais. Nem mesmo os médicos conseguem convencer a pessoa de que ela é sadia. Uma palpitação no peito e a pessoa já acha que está infartando. Uma dor de cabeça e lá vem a ideia de que pode ter um aneurisma a qualquer momento. Essas são algumas das sensações que passam pela cabeça das pessoas que sofrem de transtorno de ansiedade, também conhecidas como hipocondríacas. Não existem estudos com dados sobre a incidência da hipocondria no Brasil. Estima-se, no entanto, que ela afete de 4% a 7% das pessoas que buscam auxílio médico. A doença pode ser debilitante e, embora especialistas de outras áreas da medicina estejam aptos para identificar traços da patologia nos pacientes, ela é diagnosticada com maior segurança por psiquiatras.
Para especialistas, o transtorno pode surgir a partir de uma carga genética e até mesmo desenvolvido a partir da convivência, especialmente se estiver cercada de pessoas que sempre aumentam os problemas e só falam de doenças.

Para especialistas, o transtorno pode surgir a partir de uma carga genética e até mesmo desenvolvido a partir da convivência, especialmente se estiver cercada de pessoas que sempre aumentam os problemas e só falam de doenças

Segundo a psiquiatra Fátima Vasconcellos, chefe da psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia, entre as características principais de um hipocondríaco está a preocupação exagerada de ter contraído uma doença, mesmo racionalmente sabendo que não está com o problema, manter preocupações intensas sobre aquilo e virar refém de um mal que não existe.
De acordo com Fátima, com a internet, surgiu um novo tipo de hipocondríacos, os chamados ciberhipocondríacos. São aqueles indivíduos que saem investigando por conta própria, na internet sintomas de determinadas doenças que acreditam ter ou que podem desenvolver. A psiquiatra alerta para o problema, já que eles acabam recebendo informações, na maioria das vezes, sem nehum respaldo científico e que só pioram o quadro mental do paciente.
Para a médica, há duas formas de tratamento para o problema. A primeira é deixar claro ao paciente que ele não tem nenhuma doença física, mesmo que ele alegue ao contrário. Isso tem que ser feito com orientação e informação sobre o caso do forma bem didática.

Transtorno Obsessivo-compulsivo (TOC)
A principal característica desse distúrbio é a presença de crises recorrentes de pensamentos obsessivos, intrusivos e em alguns casos comportamentos compulsivos e repetitivos. Pacientes com este transtorno sofrem com imagens e pensamentos que os invadem insistentemente e, muitas vezes, sem que consiga controlá-los ou bloqueá-los. Para essas pessoas, a única forma de controlar esses pensamentos e aliviar ansiedade que eles provocam é por meio de rituais repetitivos, que podem muitas vezes ocupar o dia inteiro e trazer consequências negativas na vida social, profissional e pessoal. Esse ritual é chamado de compulsão, um tipo de comportamento irracional e repetitivo que segue um padrão de regras e etapas extremamente rígido, geralmente pré-estabelecido pela própria pessoa.
É muito comum que pacientes com TOC acreditem que, se deixarem de cumprir o ritual, algo terrível poderá acontecer. Esse comportamento tende a agravar-se à medida em que a doença não é tratada ou diante de algum evento estressante ou traumático. Por isso, o diagnóstico e o tratamento precoces são muito importantes e essenciais para a recuperação.
Estudos epidemiológicos coordenados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que aproximadamente 1 a 2% da população mundial tenha TOC. No Brasil, são cerca de quatro milhões de pessoas sofrendo com este distúrbio psiquiátrico.
O engenheiro elétrico M.C.O, de 30 anos, diz sofrer da doença desde a infância. Rituais considerados inocentes na época não foram tratados, e com o passar dos anos evoluirão para outros distúrbios mentais. O profissional conta que nem mesmo o tratamento psiquiátrico foi suficiente para eliminar os sintomas.
“Meu dia a dia de trabalho está seriamente comprometido, já não consigo desenvolver minhas tarefas de forma diárias de forma correta. Virei um escravo de meus próprios pensamentos. Está difícil de suportar essa pressão”, desabafa. M.C.O voltou a se consultar com um psiquiatra após abandonar o tratamento há 11 anos. Após mais de uma década tentando vencer a doença, ele voltou a realizar o tratamento, porém, o agravante dos transtornos dificultam o tratamento, como ele mesmo diz.

A principal característica desse distúrbio é a presença de crises recorrentes de pensamentos obsessivos, intrusivos e em alguns casos comportamentos compulsivos e repetitivos

“Eu estou sendo medicado, mas sei que essa doença não tem cura, e sim tratamento para controlar os sintomas. O meu caso envolve pensamentos repetitivos, como sendo um filme que reprisa em minha mente. Posso estar de férias ou trabalhando, esses pensamentos repetitivos me atormentam”, conta. A doença descrita pelo engenheiro está em um nível considerado severo. Ainda de acordo com o M.C.O, a gravidade da situação o fez buscar ajuda.
“Não existe fórmula para vencer o TOC, mas posso dizer que a melhor receita é buscar ajuda, e aceitar que é uma doença e precisa de tratamento. Eu tenho convicção que terei de conviver com esses sintomas durante toda a minha vida, porém, com esse tratamento que realizo hoje tenho a esperança de voltar a realizar as minhas tarefas diárias, e poder aproveitar o meu dia de forma menos estressante”, acredita.

Causas
Alguns pesquisadores acreditam que o TOC pode ser resultado de alterações ocorridas no corpo ou no cérebro da pessoa. Outros estudos apontam o distúrbio para uma pré-disposição genética – muito embora os genes que estariam eventualmente envolvidos não tenham sido identificados até agora.
Fatores ambientais, como infecções, também parecem estar envolvidos. Pesquisas adicionais, no entanto, ainda precisam ser realizadas para corroborar essa hipótese.
O que já se sabe é que esta doença se manifesta por um conjunto de fatores sendo eles desde hereditários até o fatores relacionados ao estilo de vida, situações de estresse, estrutura familiar frágil.

Fatores de risco
Os principais fatores capazes de aumentar o risco de uma pessoa desenvolver o transtorno obsessivo-compulsiva incluem histórico familiar, como ter algum membro próximo da família com diagnóstico positivo de TOC ou outras doenças psiquiátricas, e acontecimentos traumáticos e estressantes que tenham ocorrido na vida da pessoa, como a morte de um ente querido ou um acidente grave.
TOC atinge a mulheres e homens na mesma proporção e, na maioria dos casos. A doença surge durante a infância ou nos primeiros anos da adolescência, mas também pode iniciar na vida adulta.

Síndrome do Pânico
O ar parece faltar, o coração fica acelerado, o suor empapa a roupa. Esses são apenas alguns sintomas de uma crise de síndrome do pânico, também caracterizada por boca seca, tremores, tonturas e um mal-estar geral, acompanhados pela sensação de que algo terrível irá acontecer. A pessoa sente que pode morrer ou enlouquecer nos minutos seguintes.

Síndrome é caracterizada por boca seca, tremores, tonturas e um mal-estar geral, acompanhados pela sensação de que algo terrível irá acontecer

Esse transtorno é causado pela chamada ansiedade patológica. De acordo com os psicólogos, a ansiedade é um estado emocional natural, e é completamente normal o sentimento de querer antecipar o futuro para evitar perigos ou tentar controlar danos. O problema fica caracterizado quando essa ansiedade começa a causar sofrimento demais para a pessoa. A preocupação culmina nas crises, e a pessoa fica ainda mais ansiosa porque não sabe quando a próxima irá acontecer.
Geralmente, a síndrome do pânico acontece no começo da vida adulta, e aparece em situações de estresse, como pressões no trabalho, no casamento ou na família, em que a pessoa se sente desamparada. O transtorno é de duas a quatro vezes mais freqüente nas mulheres, mas também pode ocorrer com sinais semelhantes nos homens. É claro que um único episódio de crise de ansiedade não caracteriza a síndrome do pânico, mas crises repetidas levam ao desenvolvimento do transtorno.
A maioria dos pacientes passa por vários médicos de especialidades diferentes em busca de uma resposta e do tratamento para tamanha ansiedade, sem saber ou, às vezes, aceitar, que tantos sintomas físicos sejam proveniente de problemas emocionais. Felizmente, o transtorno tem tratamento e, quanto mais precoce o diagnóstico, maiores são as chances de recuperação. Cada caso é especial, mas geralmente a pessoa é tratada com sessões de psicoterapia e medicamentos. Ela já começa a melhorar entre duas e quatro semanas, mas geralmente leva um ano para se recuperar. Raramente há cura espontânea e, apesar de muitas pessoas ainda colocarem em xeque a relevância de complicações psicológicas, a síndrome do pânico deve ser tratada como doença. Caso contrário, pode levar a complicações ainda maiores: depressão, desenvolvimento de outros transtornos de ansiedade, e abuso de álcool e/ou de sedativos, com prejuízos para a vida profissional, social e familiar.

Esquizofrenia
Escutar vozes, seguir ordens, perder a percepção da realidade. Esses são sintomas da esquizofrenia, doença que afeta mais de 1,6 milhão de brasileiros. O transtorno mental potencialmente grave decorre das alterações do funcionamento do cérebro e que provoca, entre outros sintomas, a mudança da percepção da realidade. Este número é de uma pesquisa da Deloitte Access Economics, feita em 2013. Desses 1,6 milhão de brasileiros diagnosticados, apenas 412.545 fazem tratamento (cerca de 25%).

O transtorno mental potencialmente grave decorre das alterações do funcionamento do cérebro e que provoca, entre outros sintomas, a mudança da percepção da realidade

Segundo uma pesquisa divulgada em 2015 pelo Ibope, apenas metade da população que tem esquizofrenia é diagnosticada. Foram entrevistadas 2002 pessoas na pesquisa. Destas, 68% concordam que a maioria das pessoas não deixaria uma criança aos cuidados de um indivíduo que tivesse o transtorno. Além disso, 20% da população brasileira desconhece a esquizofrenia e dos 80% que a conhecem, metade acredita que a doença incapacita uma vida normal.

Sintomas Múltiplos
Para desenvolver melhores tratamentos, os pesquisadores têm de compreender como se origina a esquizofrenia, considerando uma miríade de sintomas que se distribuem em categorias denominadas “positiva”, “negativa” e “cognitiva”.
O público está mais familiarizado com os sintomas positivos, particularmente a agitação, o delírio paranoide (quando o doente acredita que conspiram contra ele) e as alucinações, comumente o ouvir vozes. Alucinações de comando, onde vozes instigam a violência contra si mesmos e contra outros são um sinal extremamente grave: eles podem não resistir e atuar de forma violenta.
Os sintomas cognitivos e os negativos são menos graves, porém mais perniciosos. Podem incluir um agrupamento denominado os “4 A”: autismo (perda de interesse em pessoas e no ambiente), ambivalência (sentimentos opostos, como ódio e amor, expressos ao mesmo tempo), embotamento afetivo (manifestado por uma expressão facial suave e imperturbável), e perda de associação (no qual a pessoa encadeia pensamentos sem uma lógica evidente, freqüentemente misturando palavras sem sentido). Outros sintomas comuns incluem a falta de espontaneidade, discurso empobrecido, dificuldade de estabelecer uma relação e lentidão de movimento. A apatia e o desinteresse podem causar atritos entre os pacientes e seus familiares, que podem interpretar esses atributos como indolência em vez de uma das manifestações da doença.

Tratamento
A diminuição de consumo de medicamentos antipsicóticos aliada à ampliação das sessões de terapia, com apoio familiar, pode ajudar no tratamento de pacientes com esquizofrenia, indica uma pesquisa americana.
Os dados obtidos revelam que o tratamento com terapia, participação familiar e menos medicamentos tiveram mais sucesso no controle da doença nos dois primeiros anos do que os pacientes que continuaram o tratamento medicamentoso.
A divulgação dessa pesquisa acontece em um momento em que o Congresso americano analisa a reforma da saúde mental. O interesse na eficácia dos tratamentos cresce em meio ao debate sobre o possível papel da doença mental em assassinatos em massa nos EUA.
O principal tratamento para os cerca de 2 milhões de americanos diagnosticados com a doença é uma forte dose de medicamentos antipsicóticos, que bloqueiam alucinações e delírios. Esses remédios, contudo, podem também acarretar ganho de peso e tremores aos pacientes.
A nova descoberta, segundo especialistas, pode ajudar a estabelecer um novo padrão de atendimento no primeiro estágio psicótico.
Nessa fase, que acontece geralmente entre o final da adolescência e os vinte e poucos anos, o indivíduo sofre a primeira ruptura com a realidade e fica com medo e profundamente desconfiado.
Os antipsicóticos usados no combate da doença funcionam muito bem para uma parte das pessoas, que conseguem eliminar a psicose com baixos efeitos colaterais.
A maioria, contudo, sofre mais seus efeitos adversos. Estudos mostram que 75% das pessoas deixam de tomar a medicação em um intervalo de um ano e meio.

Transtorno Bipolar: da euforia à depressão
O transtorno bipolar é progressivo e leva à perda da função de neurônios, segundo novos estudos, liderados por pesquisadores brasileiros.
A doença, caracterizada pela alternância entre depressão e euforia (mania, como os médicos dizem), atinge 2,2% da população: são 4,2 milhões de brasileiros, segundo estimativa da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Crises bipolares não têm nada a ver com as mudanças de humor da pessoa “de lua”, que passa uma manhã agitada ou se irrita facilmente.

A doença, caracterizada pela alternância entre depressão e euforia (mania, como os médicos dizem), atinge 2,2% da população: são 4,2 milhões de brasileiros, segundo estimativa da Associação Brasileira de Psiquiatria

Um episódio de mania pode durar dias ou semanas e levar a alteração do sono, perda do senso crítico e comportamentos compulsivos como comprar demais ou consumir álcool e drogas.
Como tantos outros nomes de patologias, a expressão “bipolar” é usada fora do contexto médico. “Há um entendimento errado da bipolaridade. É uma doença muito grave, com uma série de sintomas. Mudar de humor rapidamente não faz o diagnóstico”, diz o psiquiatra Beny Lafer, coordenador do Programa de Transtorno Bipolar do Hospital das Clínicas de São Paulo.
A bipolaridade é a doença mental que mais mata por suicídio: cerca de 15% dos doentes se matam. Os pacientes têm um risco 28 vezes maior de apresentar comportamento suicida do que o resto da população e até metade dos doentes tenta se matar, mostram levantamentos.
“A expectativa de vida de homens bipolares é 13 anos menor e de mulheres bipolares é 12 anos menor do que a da população em geral, segundo um estudo dinamarquês. A expectativa de vida do bipolar é comparável à do esquizofrênico”, diz o psiquiatra Fábio Gomes de Matos e Souza, professor e também pesquisador da Universidade Federal do Ceará.
Considerando a gravidade, os médicos todos criticam a popularização do termo.
“É banalizar a doença. Estar triste é uma coisa, estar deprimido e não conseguir sair de casa é outra”, diz a psiquiatra Ângela Scippa, presidente da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar.
De acordo com as últimas descobertas científicas, as crises de euforia e depressão são tóxicas ao cérebro.