Safra da uva inicia com estimativa de grandes perdas e inércia do poder público

2015-04-10_190211
"Precisamos de chuva, já neste final de semana de 100 a 150 milímetros para amenizar as perdas das variedades tardias" enfatiza o agricultor Agusti

Com o início da colheita das uvas precoces, as perdas são irreparáveis. Sindicatos estimam que colheita atual será 40% inferior ao do ano passado

Janeiro marca um dos períodos mais aguardados por Bento Gonçalves e região, que é o início da colheita da uva. As variedades mais precoces já estão sendo colhidas das videiras. E este momento de grande expectativa para a vitivinicultura e toda a cadeia de produtores que a cerca, no entanto, foi seriamente comprometido pela estiagem. Este fruto, que tem como característica seu processo rápido de brotação e amadurecimento, está vindo extremamente prejudicado em sua formação.
De acordo com o presidente do Sindicato Rural da Serra Gaúcha, Elson Schneider, a colheita das uvas bordô e violeta já demonstram que os produtores terão um grande prejuízo na Safra 2022. “Destas variedades, certamente haverá 50% de perdas. As viníferas estão com excelente qualidade, principalmente em algumas regiões que pegaram mais chuva. Porém, nos locais com pouca precipitação nas últimas semanas, o tamanho da baga reduziu e a expectativa é de uma colheita 20% menor que a habitual”, aponta.
Elson também levanta projeções com relação às outras variedades. A Isabel, que será colhida no início de fevereiro, se estima uma perda aproximada de 15% em algumas regiões, podendo elevar em pontos com menor quantidade de chuvas para as próximas semanas. “A videira é uma cultura que se recupera rápido. Mas a perda é inevitável. É difícil fazer um comparativo com a safra de 2021, pois aquela foi acima da média, mas em relação a uma safra normal, projetamos uma queda mínima de 25%”, calcula.

Uma das piores
estiagens dos
últimos anos
Já para o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves, Cedenir Postal, uma das principais marcas negativas da atual estiagem, em relação aos anos anteriores, foi a antecipação do período sem chuvas. “Pelo que acompanhamos nas propriedades, esta é a pior estiagem dos últimos anos. Porque a seca sempre ocorre nesta época do ano, mas não da forma como foi este ano. Porque em outras situações, estes períodos causaram menos prejuízo. E infelizmente, as projeções pluviométricas para o próximo trimestre não são favoráveis”, considerou.
O presidente comenta que no início da atual colheita, percebeu-se que o tamanho da uva é o equivalente ao que deveria estar há um mês, em períodos considerados normais, mesmo levando em consideração as poucas precipitações para a época do ano. “Ela não conseguiu completar a formação dos cachos, e isso dá uma quebra significativa na produção, pois virá com menos peso e pode ter a sua graduação afetada”, sinaliza Cedenir.

Um ano após a
supersafra, a queda

Todavia, a safra deste ano já vinha com uma expectativa de ser inferior a colheita do ano anterior. Apesar do Governo do Estado ainda não ter revelado os números oficiais, a região considera que em 2021 gerou cerca de 800 milhões de quilos de uva. A título de comparação, a média normal da colheita anual é de 650 milhões. Com relação a produção histórica, a projeção já indica uma perda aproximada de 40%, aquém dos 20% projetados inicialmente pelas autoridades rurais da região.

Perdas e auxílio
Elson Schneider e Cedenir Postal são unânimes em afirmar que as perdas vão muito além da vitivinicultura em Bento Gonçalves. “Não é possível quantificar isso em números, porque praticamente todas as culturas foram prejudicas. E não somente em termos de comercialização, mas também para o consumo próprio do produtor e para o trato animal, fundamental para a agricultura familiar. Como exemplo, mais de 50% da produção de milho foi perdida”, destaca Postal.
Schneider segue na mesma linha do colega, apontado que toda a cultura da subsistência foi prejudicada com a estiagem, e que este cenário também pode chegar à mesa do consumidor. “Quem conseguiu amenizar os efeitos da estiagem, com uso de irrigação por exemplo, aumentou substancialmente o uso da água. Que por sua vez, encareceu a sua produção. Ou seja, o gasto que este produtor teve, vai refletir no preço final para o consumidor”, assegura o presidente.
Por fim, em busca de amenizar a situação no campo, os sindicatos têm trabalhado para gerar benefícios e facilidades, através de auxílio técnico e burocrático.
Um exemplo disso, está no levantamento de perdas nas produções, para a formalização de documentação para aumentar prazos bancários, que custeiam o trabalho das famílias rurais.
Além disso, o Sindicato Rural da Serra já encaminhou a liberação para a construção de reservatórios de água, que não geram impacto ambiental e estimulam a fauna e a flora. “E por fim, outra questão institucional. Estamos em busca do seguro agrícola para a fruticultura, que por incrível que pareça, ainda não existe. Não temos cobertura para a estiagem, tal qual acontece para outras culturas”, finaliza Schneider.

Falta políticas
públicas

Igual aos demais agricultores de Bento Gonçalves, Renato Agusti, da comunidade de Santo Antônio, Distrito de São Pedro se ressente da falta de políticas públicas que favoreçam os agricultores a evitarem estas perdas.
Antes de falar explicitamente de sua propriedade, onde produz 6 hectares de uvas americanas e quatro hectares de caquis, juntamente com sua família, Agusti diz que estas perdas poderiam ter sido evitadas.
“A burocracia e o custo só para conseguir uma licença no unicípio para captação de água, seja de cisterna, barragem ou até poço artesiano é absurda”.
O agricultor diz que se fosse facilitado este procedimento, como acontece nos municípios vizinhos, onde a prefeituras têm um cronogramas para ceder maquinário para este fim, “nós poderíamos estar irrigando a nossa plantação e não sofreríamos perdas”.
“Nem estamos pedindo maquinário, mas que seja facilitado a autorização, sem custo, para que possamos evitar perdas”, se emociona o agricultor.
“Nós já temos riscos demais com granizos e outras intempéries. Isto poderíamos ter evitado”, destaca o agricultor que revela perdas em uvas precoces acima de 40%.
Se chover 40 a 50 milímetros quatro a cinco dias não vai fazer diferença, revela o agricultor.
“Precisamos de chuva, já neste final de semana de 100 a 150 milímetros para amenizar as perdas das variedades tardias”.
Como as uvas estão sendo forçadas a amadurecer, já que a planta está tirando os nutrientes e água do fruto para poder sobreviver, a polpa vai ficar com pouco mosto e açúcares, além do peso, já que o grão estará menor (seco), revela o agriultor.
“Hoje já perdemos 40% da safra, seja em volume ou qualidade. Não tem como reverter esta perda. O que pode acontecer é evitar mais perdas daqui para diante, se chover o necessário”, avalia.
Em safras normais, sem o estresse hídrico, a família Agusti colhe, em média entre 130 a 150 toneladas de uvas americanas.

Irrigação
Agusti avalia que “quanto mais represas (ou qualquer tipo de captação de água) tivermos mais umidade existirá”. O Agricultor compara com as barragens do Rio das Antas: “todos pensávamos que a construção das hidrelétricas iria prejudicar, mas ao contrário, melhorou em 30% o aparecimento de vertentes. Isto é uma prova que se bem administrado podemos contribuir para o meio ambiente e ainda ajudar a lavoura”.
“O que temos hoje é repressão, pois se fizermos um açúde temos multa, e a licença é absurdamente cara e difícil de conseguir. Então sofremos com perdas, enquanto poderíamos estar irrigando a nossa videira. Falta boa vontade e um olhar mais cuidadoso para nós que trabalhamos na terra”, comenta desolado o agricultor.
“O que temos hoje é repressão, pois se fizermos um açúde temos multa, e a licença é absurdamente cara. Então sofremos com perdas, enquanto poderíamos estar irrigando a nossa videira. Falta boa vontade e um olhar mais cuidadoso para nós que trabalhamos na terra”, comenta desolado o agricultor.