Pronunciamentos anticiência tomam a tribuna da Câmara

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Em vários momentos da sessão plenária, na última segunda-feira (22), vereadores se manifestaram contrários as medidas de controle da disseminação da Covid-19

A quarta sessão legislativa de 2021, da Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves, realizada no Plenário Fernando Ferrari, foi um festival de pronunciamentos negacionistas, mostrando todo o obscurantismo, descrença na ciência e a falta de empatia com as mais de 250 mil vítimas do novo coronavírus – dessas, 167 famílias bento-gonçalvenses ainda choram por entes perdidos nesta pandemia.
Nem todos os vereadores seguiram essa dinâmica, porém em ampla maioria, falaram e se queixaram muito das normas impostas pelo programa de Distanciamento Controlado do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
A região da serra ficou classificada, nesta semana, na bandeira preta. Pelo modelo de cogestão, podendo utilizar regras da bandeira vermelha, mesmo assim, enrijecendo normas e protocolos sanitários. O principal embate, que deu rumo as discussões da sessão plenária se deu, justamente, pelo fato de o estado decretar a suspensão geral de atividades não essenciais, a partir da última terça-feira (23), ampliando em duas horas: começando, às 20h, e indo até as 5h. Outro fator de discórdia foi a solicitação do Sindicato do Servidores Públicos Municipais de Bento Gonçalves (Sindiserp/BG), em requerer que os professores só retomem suas atividades presenciais após a vacinação da classe.

Volta às aulas
No dia 17 de fevereiro, o Sindiserp divulgou nota de repúdio, no intuito de manifestar contrariedade, quanto ao retorno das aulas presenciais nas escolas do município e a retirada, pelo Governo do Estado, do limite de 50% de ocupação nas salas de aula, via decreto nº 55.759. O sindicato também solicitou, de forma imediata, que os profissionais da educação fossem submetidos a vacinação contra a Covid-19, para que não se colocasse em risco a atuação dos professores.
A nota lembrava, ainda, que o retorno das aulas nas escolas municipais, marcadas para 1º de março, também traz consigo mudanças no clima da região, com o retorno gradual de dias mais frios, o poderia resultar no aumento da disseminação do vírus, em especial, em ambientes fechados.
Citando a nota, o vereador, pelo Partido Progressista (PP), Anderson Zanella, questionou o conteúdo, acusando o sindicato de se promover politicamente. “Esta é uma entidade meramente política, aparelhada pelo PT, que destruiu o país e quer destruir também Bento Gonçalves”, afirmou. Segundo o vereador, a grande maioria dos professores é a favor do retorno das aulas presencias, mas não citou fontes que comprovem tal dado.
“Quem decide se meu filho vai para escola sou eu, o estado não deve impor tal restrição. (..) Praças cheias de crianças nos finais de semana o governo libera, sala de aula de forma híbrida não pode”, esbravejou o vereador, nitidamente querendo angariar simpatizantes à sua causa.

Nota de repúdio
Após os ataques sofridos pelo vereador, o Sindserp/BG divulgou, na última terça-feira (23) uma segunda nota de repúdio, assinada pela presidente da entidade Neilene Lunelli. Segundo a nota, a utilização do poder de fala que possuem os vereadores em um município não pode nunca se tornar agressão a quaisquer pessoas ou entidades representativas sob pena de configurar-se politicagem e até mesmo crime contra a honra.
O documento lembra ainda que o funcionalismo público municipal é também um poder do município e por tal importância deve ser respeitado e valorizado. “Não há qualquer justificativa plausível, a não ser a velha política de ataques utilizada por alguns nesta Casa Legislativa, que ampare as falas exercidas na sessão do dia 22/02/2020, quanto aos professores. Por isso, repudiamos mais uma vez os ataques desarrazoados praticados durante a sessão legislativa, lembrando que a imunidade parlamentar não é sinônimo de impunidade”, escreveu a presidente do sindicato.
A nota traz ainda o exemplo da Câmara de Vereadores de Bagé que, juntamente com a administração pública municipal, em solicitação realizada junto ao Ministro Onyx Lorenzoni, conseguiram vacinas para todos aos professores da cidade, a fim de viabilizar o retorno das aulas com o máximo de segurança possível.
A nota de repúdio finaliza dizendo que, “não há mais espaço para a politicagem desmedida e a ausência de decoro parlamentar. Queremos sim estar do mesmo lado da trincheira na busca pela segurança de todos, sejam eles, os pais, os alunos, os professores, enfim, a sociedade bentogonçalvense”, assina a nota Neilene Lunelli.

Defesa da
própria causa
O mesmo vereador, Anderson Zanella (PP), ainda fez reiterados ataques à condução do enfrentamento à pandemia realizada pelo governador Eduardo Leite (PSDB). Sem conseguir disfarçar que defendia uma causa particular, já que é proprietário de estabelecimento alimentício no corredor enograstronômico do município, Zanela fez duras críticas ao modelo de distanciamento controlado. Ele defendeu que cada município tenha total liberdade de escolher a cor da bandeira a ser utilizada esquecendo o grave momento em que o Estado atravessa com falta de leitos até para quem tem plano de saúde. “Cada município tem suas particularidades. O governo é omisso quando precisaria ser presente e o quanto é carrasco quando poderia flexibilizar”, atenta.
“Nós não podemos ser mandados pelo governo – esbravejou da tribuna – nós não vivemos em um país comunista, somos nós que temos que decidir o nosso caminho. Se eu não quero me cuidar com a Covid, problema meu”, teve a ousadia de falar defendendo a abertura de seu estabelecimento.
Esqueceu de explicar como seria feito o tratamento de pessoas com câncer, pessoas com paradas cardiorrespiratórias, vítimas de acidentes de trânsito, vítimas de armas de fogo, que necessitam de atendimento de terapia intensiva, já que o país vem sofrendo um colapso na área da saúde por falta de leitos de UTIs, respiradores artificiais, oxigênio e medicação, sem falar nos assessórios de proteção individual que são escassos.
Durante todo o inflamado pronunciamento o vereador se refere às regras de distanciamento controlado impostas aos setores não essenciais: “temos que ter o respeito com as pessoas em todos os sentidos. Nós não podemos parar tudo e morrer de fome”.

Negacionista
O vereador, também do PP, Rafael Pasqualotto, presidente da Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves, por sua vez, sugeriu uma “caça às bruxas”, incentivando que as pessoas persigam e filmem os professores em seus momentos privados para provar que eles não tomam cuidados sanitários e utilizam suas falas por ideologias políticas. “Pegar alguns professores que não querem retornar, que dizem que é perigoso, que tem que ficar em casa, pegar esse professor e filmar quando ele estiver no mercado, (sic) filma quando ele tiver na praça, vamos ver se realmente ele está cumprindo as normas”, disse literalmente Pasqualotto.
“Se está aumentando a pandemia começo a duvidar até das máscaras, dos protocolos. Nós estamos num frenesi, uma loucura, temos que por a mão na consciência e dizer que o vírus não é de 2020, sempre conviveu com a gente”, avaliou o presidente da Câmara.

Números de Bento
Segundo o último boletim epidemiológico, divulgado pela Prefeitura de Bento Gonçalves, o município tem 9.580 casos confirmados, 8.794 curados e 167 óbitos. Só esta semana, foram confirmados seis óbitos pela doença, no município. Dos casos confirmados são: 19 pessoas internadas nas UTIs adulta/pediátrica, 45 em isolamento hospitalar e 653 em isolamento domiciliar. Dos casos suspeitos, Bento tem duas pessoas na UTI, sete em isolamento hospital e 197 em isolamento domiciliar.

Exemplo de outros municípios
Enquanto, em Bento Gonçalves, grande parte dos vereadores criticavam o posicionamento do Sindiserp e dos professores, na região outros vereadores demonstravam sua capacidade de empatia e reconhecendo a necessidade e urgência de se tomar medidas. Na terça-feira (23), a vereadora de Carlos Barbosa, Lucilene Marchi (PDT), protocolou uma indicação para que o município priorize “professores, monitores e auxiliares gerais de creche bem como demais professores que atuam na educação, na rede pública e privada, inclusive motoristas de vans e ônibus escolares, que encontram-se em contato direto com alunos”.

Um dia antes, a Câmara de Vereadores de Veranópolis entregou uma Moção de Apoio que propõe prioridade no processo de vacinação contra o Coronavírus aos professores e demais trabalhadores de escolas públicas e privadas do município de Veranópolis. O documento de autoria de todos os vereadores foi aprovado por unanimidade na sessão ordinária de segunda-feira (22).