Por que os gaúchos comemoram uma guerra perdida?

2015-04-10_190211

Pesquisadores da história gaúcha afirmam que a percepção popular sobre os acontecimentos da Guerra dos Farrapos está distorcida

Os festejos remetem ao aniversário da revolução que começou no dia 20 de setembro de 1835 e foi a mais longa guerra separatista da história do Brasil. A resistência da proclamada República Rio-Grandense diante do Império do Brasil, que durou quase dez anos, é lembrada com orgulho pelos que se identificam com o gauchismo e com os valores farroupilhas de Liberdade, Igualdade e Humanidade.

No entanto, pesquisadores da história gaúcha afirmam que a percepção popular sobre os acontecimentos da Guerra dos Farrapos está distorcida.

“Hoje a gente tem essa ideia de que os farroupilhas eram abolicionistas, de que eles eram defensores de grandes ideais. Eu acho que se as pessoas soubessem mais a respeito, elas se desiludiriam e se afastariam um pouco das festividades”, afirmou o historiador e jornalista Juremir Machado da Silva, autor do livro História Regional da Infâmia: o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras, ou como se produzem os imaginários.

O pesquisador afirmou que a história está longe de ser o que a tradição propagou no imaginário popular. “Foi uma revolução de proprietários, uma revolta de fazendeiros. A população mais pobre simplesmente foi levada ‘de roldão’. Os negros foram usados como ‘bucha de canhão’ e, depois, foram traídos”, contou.

A percepção ‘romantizada’ dos gaúchos sobre o que foi a Guerra dos Farrapos levou Juremir a acreditar que as pessoas comemoram muito mais um certo ‘mito’ da vida no campo e das tradições gauchescas do que propriamente a história da revolução. “As pessoas precisam de elementos que sirvem para agregar, para que elas pertençam a uma tribo e possam vibrar em comum. Normalmente, são motivos de ordem histórica aproximativa, um mito fundador que tem uma suposta história de grandeza e de grandes feitos”.

Por isso, apesar da visão crítica sobre o passado farroupilha, o jornalista e historiador não acha que as comemorações de 20 de setembro sejam reprováveis. “Elas podem até ser consideradas positivas na medida em que as pessoas se reúnem, se sentem felizes e organizam clubes de ajuda mútua, como são os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs)”, avaliou Juremir, e concluiu: “Eu não acho que a comemoração seja prejudicial. O que fica é a questão da verdade histórica, que precisa ser amparada naquilo que os documentos permitem dizer”.

Até quando teremos que tapar o sol com a peneira para não ferir as suscetibilidades dos que homenageiam anualmente uma ‘revolução’ que desconhecem? Até quando teremos de aliviar as críticas para não ofender os que, por não terem estudado História, acreditam que os farroupilhas foram idealistas, abolicionistas e republicanos desde sempre? Os gaúchos comemoram por acharem que ganhamos. É uma ilusão alimentada ano a ano.”  Juremir Machado, jornalista e historiador.

“As guerras se ganham ou se perdem, muito mais pelas ideias do que pelas armas. Tudo o que os farroupilhas defenderam entre 1835 e 1845 acabou por acontecer no Brasil em 1889. Os farroupilhas não tiveram forças para impor suas ideias durante a Revolução, mas viram seu ideal acontecer 50 anos depois. Para mim, não houve ‘guerra perdida’, o que houve foi um atraso de 50 anos para o Brasil entender que os farrapos tinham razão.” Manoelito Carlos Savaris, ex- presidente do MTG e Historiador.

Tradição gaúcha

Já para o presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho, Nairo Callegaro, a comemoração é uma forma de resgatar e preservar valores que estavam presentes na proclamação da República Rio-Grandense pelo general Antônio de Souza Neto. “Ele era um dos mais idealistas e agiu por um ideal de república, de liberdade, de garantia de direitos à população. Pensamentos que, décadas mais tarde, foram confirmados com a proclamação da República do Brasil”, ressaltou Callegaro.

O presidente do MTG disse, ainda, que a celebração da Revolução Farroupilha é um evento da cultura brasileira. “Temos orgulho de ser brasileiros. Nosso movimento não é separatista, mas de preservação de valores culturais e artísticos, da nossa identidade regional, dos nossos costumes”.

Para Callegaro é natural que cidadãos de cada estado brasileiro sintam orgulho de suas tradições e desejem mostrá-las para o resto do País. “Eu recebi cariocas há pouco, pessoas que ficaram encantadas. Elas vêm pra cá em setembro para participar das atividades comemorativas, e os amigos gaúchos daqui vão ao Rio em fevereiro para aproveitar o carnaval de lá. Há uma troca de culturas”, concluiu.

Comemorar uma guerra perdida