O médico Carlos Rassi, coordenador do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, explica que, conforme uma pessoa perde líquidos por meio da transpiração para conter os efeitos do calor, o sangue dela fica mais viscoso.
Um sangue mais espesso por causa da desidratação também costuma apresentar uma tendência maior à hipercoagulação. Em outras palavras, há um maior risco de formação de coágulos, ou pequenas massas formadas por hemácias, plaquetas e outros elementos cujo objetivo principal é interromper um sangramento.
Esses, aliás, são os dois eventos cujo risco mais sobe durante as ondas de calor, segundo o estudo australiano publicado em 2022 citado anteriormente, que foi publicado no periódico especializado The Lancet Planetay Health.
Ou seja, o órgão tem uma demanda maior de trabalho — o que pode representar um perigo, principalmente quando já existem outras condições prejudiciais, como arritmias ou insuficiência cardíaca.
Não podemos também nos esquecer dos rins. Em casos extremos, a desidratação e a consequente falta de líquidos no corpo atrapalham o trabalho da dupla de órgãos que filtram o sangue e geram quadros de insuficiência renal.
“Falamos aqui de um somatório de fatores e eventos que, juntos, elevam o risco de infarto e outros eventos cardiovasculares”, pontua Rassi.
Franken pondera que uma onda de calor pode causar problemas em qualquer indivíduo. Mas, naqueles que já possuem alguma condição que afeta o sistema cardiovascular, as repercussões costumam ser mais graves.
“Esses indivíduos têm uma situação mais instável, cujo equilíbrio é delicado, então qualquer alteração no ambiente podem ser mais graves neles”, resume o cardiologista.
“Quanto mais avançada a doença, maior deve ser o nível de atenção”, completa ele.
Mas, diante de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, o que pode ser feito para evitar consequências tão graves ao peito?
Onda de calor: como proteger o coração
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil foram unânimes em afirmar que a ação mais importante para evitar problemas de saúde durante as ondas de calor é manter-se bem hidratado.
“A pessoa deve andar com sua garrafinha o tempo todo. Assim, fica mais fácil quantificar quanta água você bebeu por dia”, sugere Rassi.
Esse cuidado maior com a ingestão de líquidos evita aqueles quadros de desidratação, que são um dos principais estopins de problemas de saúde mais sérios (inclusive no coração) quando a temperatura sobe.
Com isso, o sangue permanece na consistência adequada, com um risco menor de formar trombos ou coágulos.
“E nós podemos classificar como líquidos hidratantes a água, os isotônicos e a água de coco”, pontua Franken.
“Para muitos, o calor é propício para consumir bebidas alcoólicas, como a cerveja, mas elas não vão ajudar. Por serem diuréticas [promovem o aumento da produção de urina] e vasodilatadoras, são até prejudiciais”, complementa o médico.
Ainda no tema da hidratação, é preciso tomar um cuidado especial com crianças, idosos e portadores de necessidades especiais. Muitas vezes, integrantes desses grupos não conseguem comunicar que estão com sede e desenvolvem rapidamente quadros de desidratação.
Além disso, os mais velhos costumam sofrer disfunções nos mecanismos neurológicos responsáveis por controlar a sede.
Portanto, nesses casos, é importante ter um controle mais rígido sobre o consumo adequado de água e outros líquidos hidratantes.
Em dias de muito calor, vale sempre que possível se proteger do sol, principalmente nos horários mais quentes, próximos ao meio dia.
“A atividade física deve ser praticada idealmente antes das 10 horas da manhã ou após as 4 ou 5h da tarde”, indica Rassi.
Usar roupas leves, usar chapéus e aplicar protetor solar também são outros cuidados preconizados.
“Para aplacar o calor, é importante ficar em lugares frescos e arejados. Se possível, vale tomar banhos, ir à piscina ou fazer compressas com água fria”, acrescenta Franken.
“Comer alimentos frescos, como frutas e verduras, e evitar alimentos muito gordurosos e calóricos, que geram calor no corpo, também é algo importante”, complementa ele.
Essas dicas, claro, valem para toda a população. Mas há uma recomendação específica para os portadores de doenças cardiovasculares, especialmente aqueles com pressão alta.
Isso porque o tratamento da hipertensão envolve muitas vezes o uso de uma classe de medicamentos chamados de diuréticos.
Como o próprio nome indica, eles aumentam a produção de urina. Num cenário de altas temperaturas, em que o corpo já perde muito líquido pela transpiração, os remédios diuréticos podem representar um fator extra para o surgimento de quadros de desidratação.
“Os diuréticos são opções muito boas para o controle da pressão arterial, mas é preciso tomar certos cuidados com eles, especialmente diante de temperaturas intensas”, conta Rassi.
Que fique claro: o paciente que usa essas medicações não deve, em hipótese alguma, suspender o uso por conta própria. Nesses casos, a recomendação é procurar a avaliação de um médico, que poderá avaliar a situação e fazer um ajuste nas doses, se achar necessário.
Mais que isso, seguir à risca o tratamento para controlar as doenças crônicas, como hipertensão, colesterol alto ou diabetes, é fundamental para evitar complicações mais graves.
“Podemos reavaliar e eventualmente trocar o tratamento, principalmente nesses meses mais quentes ou para os pacientes mais velhos”, conclui o cardiologista.