Ozempic: Brasil tem primeiros casos de falsificação; especialistas alertam sobre riscos e como se proteger

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Nesta semana, a autoridade sanitária da Áustria emitiu um alerta após diversas pessoas terem sido hospitalizadas com quadros graves de hipoglicemia e convulsões por terem utilizado unidades falsificadas do medicamento Ozempic, da Novo Nordisk. A prática, no entanto, não é restrita à Europa, e já chegou ao Brasil – com relatos ainda de manipulação ilegal e de outros formatos não autorizados, como implantes.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apreendeu ao menos dois lotes do medicamento destinado ao tratamento da diabetes tipo 2, mas que virou febre pelo uso off label (diferente daquele da bula) para a perda de peso. Os lotes são o MP5C960 e o LP6F832, e as medidas de fiscalização foram publicadas no Diário Oficial da União (DOU) em 7 de junho e 18 de outubro deste ano, respectivamente.

Em relação ao primeiro, a agência informa que foi notificada pela própria Novo Nordisk, que identificou unidades com concentração da substância e o idioma da embalagem divergentes do fármaco original. A apreensão diz respeito somente aos remédios do lote com a concentração de 1 mg e com o rótulo em espanhol.

O lote mais recente, o LP6F832, foi também detectado pela farmacêutica, que notificou a Anvisa na semana passada. Neste caso, porém, a Novo Nordisk não reconhece a existência do lote, o que faz com que qualquer produto da leva seja considerado falsificado. Ao GLOBO, o laboratório diz que todos os casos de falsificação de que tem conhecimento foram repassados à agência sanitária.

A farmacêutica afirma ainda que dois outros lotes falsificados que foram identificados na Europa, o MP5E511 e o NP5G866, não foram detectados no Brasil. “A Novo Nordisk segue investigando e denunciando todos os casos de que tem conhecimento (…) Trabalhamos com empresas terceiras especializadas no monitoramento e eliminação da oferta ilegal de produtos falsificados, tanto no mundo virtual quanto no “mundo real””, diz em comunicado.

— Há relatos aqui no Brasil e no exterior. Um alerta para pacientes é que comprar em fontes não habituais, especialmente na internet, é desaconselhado. O ideal é adquirir apenas nas farmácias, onde há toda a garantia e o cuidado de armazenamento. Além disso, verificar toda a embalagem, os rótulos. Muitos sites oferecem um preço muito baixo, e o paciente não sabe que está adquirindo um produto falso. Então a fonte e o preço devem ser um alerta. Em caso de dúvida, converse com um médico — orienta a diretora de educação e campanhas da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), Dhiãnah Santini.

Outros formatos ilegais no Brasil

 

O cenário de risco, porém, não se restringe à falsificação. Especialistas ouvidos pelo GLOBO contam receber relatos de outros usos ilegais supostamente do princípio ativo do Ozempic, a semaglutida. Eles ressaltam que qualquer anúncio que prometa comercializar a semaglutida, mas que não seja dos medicamentos da Novo Nordisk (Ozempic, Rybelsus e Wegovy), é falso, já que a farmacêutica tem a patente e, por isso, apenas ela pode comercializar a droga.

— Nos últimos meses, temos recebido relatos de pessoas que conseguiram comprar supostamente semaglutida em formatos de manipulação, de implante subcutâneo. Os relatos não são rastreáveis, mas de fato observamos uma recorrência. Isso nos preocupa muito porque a semaglutida é protegida por patente, então esses usos são ilegais. Não temos como saber se é a droga mesmo que está ali e, se for, qual seria a origem dessas moléculas, se são seguras — diz o presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Paulo Miranda.

Santini conta que a SBD também recebeu registros de semaglutida manipulada, o que preocupa a entidade: — A manipulação é fazer nas farmácias magistrais o desenvolvimento daquela substância. Mas isso não é permitido para a semaglutida. Então não há garantia de segurança ou de eficácia desse produto. E vemos muitas publicações de lugares que prometem manipular a semaglutida. A SBD alerta para o não uso desses produtos e uma vigilância especial na questão da falsificação.

Os endocrinologistas afirmam também que, ainda que seja de fato uma semaglutida não autorizada presente nas farmácias de manipulação, o medicamento nem mesmo deve conseguir causar o efeito pretendido no paciente.

— Por via oral a semaglutida precisa de uma tecnologia específica para funcionar que é difícil de ser feita, que tem apenas no Rybelsus, da Novo Nordisk. Farmácias de manipulação não conseguem replicar essa tecnologia, então o medicamento não seria eficaz para os pacientes — diz Miranda.

Eles destacam que a semaglutida é um remédio importante para o tratamento da diabetes tipo 2 e da obesidade, mas que deve ser sempre prescrita por um médico que faça o acompanhamento daquele paciente. Alertam que a automedicação traz riscos, inclusive o de estar mais suscetíveis a versões falsificadas, o que pode levar a complicações.

— Há o risco de a substância estar contaminada, de ter outras substâncias desconhecidas na composição junto, de serem doses diferentes do que promete, e tudo isso causar efeitos colaterais perigosos. E além dos riscos, o produto falso pode não trazer nenhuma eficácia ao paciente e comprometer o seu tratamento — alerta Santini.

Nos casos relatados na Áustria, por exemplo, o Gabinete Federal de Segurança Sanitária (BASG, da sigla em inglês) afirmou que, devido aos desfechos das falsificações terem sido quadros graves de hipoglicemia e convulsões, suspeita-se que havia insulina nos fármacos, em vez da semaglutida.

— Existem também substâncias proibidas, por terem altos riscos à saúde cardiovascular principalmente, como as anfetaminas, que são usadas para emagrecer e poderiam estar sendo vendidas como a semaglutida para perder peso. Então você não sabe o que está ali e quais os riscos — diz a diretora da SBD, que é doutora em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).