Os dados são alarmantes. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), o Brasil figura entre os dez países que mais desperdiçam alimentos no mundo. Por aqui, 64% de tudo o que é plantado se perde ao longo da cadeia produtiva. Mais de 40 mil toneladas de comida vão parar no lixo diariamente – volume suficiente para alimentar 19 milhões de brasileiros. E os hortifrutis representam a maior perda – 45% de tudo o que é jogado fora.
Uma das implicações desse péssimo hábito de desperdício é com relação à segurança alimentar. Ainda de acordo com dados da FAO, temos 7 bilhões de pessoas no mundo, e em 2050, a expectativa é de que esse número chegue a 9 bilhões. Enquanto isso, aproximadamente 1 bilhão de pessoas não tem acesso adequado à alimentação, e assim, o assunto vira uma importante questão de segurança alimentar.
No aspecto econômico então, os números são ainda mais assustadores. A FAO contabiliza um prejuízo que alcança US$ 940 bilhões por ano. Além disso, não podem ser esquecidas as implicações de impacto ambiental: tanto no uso do solo, na questão da água (e a escassez da mesma), do clima, das emissões de carbono e perda da biodiversidade.
Mudança de postura e planejamento
Para a nutricionista Veruska Scomazzon, tempos de crise nos ensinam ainda mais sobre desperdício. “Em geral, partes dos alimentos que normalmente são jogadas fora, como talos, cascas, dentre outros, possuem alto valor nutricional. Criatividade e bom senso podem transformar muitos deles em pratos sensacionais, cheio de fibras, vitaminas e minerais”, explica.
Ela frisa que é importante adotar uma mudança de postura, que já começa na hora de pensar as compras da semana. “Uma dica importante é planejar – comprar somente o necessário para que os alimentos não estraguem antes de sua utilização”, afirma. Outras práticas recomendadas pela profissional é a preferência por orgânicos (e assim, aproveitamento máximos do produto, como no caso das cascas de legumes e frutas) e a escolha de alimentos segundo a sazonalidade (frutas e verduras da estação, por exemplo: mais saborosas e baratas).
A nutricionista aconselha ainda a solicitar em feiras ou mercados que sejam mantidas as folhas das verduras e alguns legumes e que as pessoas pesquisem em sites ou mesmo livros, dicas e receitas para otimizar o aproveitamento de toda a comida que entra em casa. “Hoje em dia, temos uma oferta imensa de informações a esse respeito. Essa é uma atitude saudável, sustentável e principalmente econômica”, conclui. **Veruska Scomazzon é nutricionista, pós-Graduada em Psicologia e Comportamento Alimentar, Nutrição para Cirurgia Bariátrica e Obesidade, Nutrição Esportiva e Emagrecimento.
Os empecilhos para doação de alimentos
Vivemos numa região onde a gastronomia é farta e uma multidão lota nossos restaurantes todos os dias. Ao fim do horário de almoço ou janta, muitas vezes ainda há comida no bufê, e em perfeito estado para consumo, mas tudo o que sobrou do cardápio do dia acaba indo para a lata de lixo.
Com tantas pessoas passando fome no país, essa imagem soa absurda. Mas a doação das sobras dos restaurantes envolve restrições legais. Aqui no Brasil, quem prepara a comida doado responde por ela. Ou seja: se as pessoas que receberem as doações apresentarem qualquer problema de saúde devido à ingestão desses alimentos (que podem ter sido mal armazenados), o estabelecimento é responsabilizado.
A opinião de quem trabalho no setor:
Jociane C. Rossi (nutricionista) – Restaurante Dalla Costa
Para a nutricionista Jociane C. Rossi, atualmente, as pessoas estão acostumadas com a fartura de alimentos em casa, que podem ser consumidos na hora ou no dia seguinte. “O mesmo não acontece o mesmo nos estabelecimentos de restaurantes industriais e comerciais. Parar de desperdiçar é um grande desafio, uma vez que trabalhamos com escala de produção e mesmo assim não temos um número exato todos os dias de clientes”, explica.
Ela ressalta que a comida que sobra no final está em perfeitas condições de consumo ainda, mas devido às leis, infelizmente, a doação das sobras dos restaurantes é complicada. “No Brasil, a responsabilidade pelo alimento doado é de quem produz e se a comida estragar ou fizer mal a alguém, o restaurante é o único culpado”, pontua.
Ela explica que atualmente, a quantidade de alimentos designado ao lixo como “sobra” no restaurante chega a 35 kg por semana. E frisa. “Quando pensamos em quantas pessoas poderiam ser alimentadas, a visão de não poder doar é frustrante. Mas acreditamos que possa haver alguma forma, um órgão, quem sabe, que pudesse ser este receptor, com responsáveis técnicos na área de alimentação, capazes de receber as doações e encaminhá-las à população de forma adequada para o consumo”, conclui.
Valdomiro Cruzetta – Bento Refeições
Segundo Valdomiro Cruzetta, proprietário da Bento Refeições (que atende empresas do município e região com entrega de comida há 21 anos), o descarte de sobras chega a 15% ao dia. “Anualmente, são 360 tóneis de 200 litros”, frisa. Ele explica que esse volume de alimentos que são descartados é intensificado pelo perfil do negócio. “Trabalhamos com entrega de refeições e essa questão do transporte exige muito mais cuidado, e contribui para o alto índice de alimentos que vão para o lixo”, avalia.
Cruzetta destaca ainda que o alimento excedente (como as sobras das cubas, que não chegaram ao prato) passa por mais manipulações do que a comida que fica num bufê de restaurante, e acaba se tornando inadequada. “No nosso caso, o que vem da rua em geral não chega em condições de ser aproveitado, mesmo que a lei permitisse doações. É um risco grande”, ressalta.
Em relação a essa questão, ele comenta que o controle, principalmente por orientação da nutricionista responsável, é muito rígido, para evitar qualquer tipo de problema. E destaca a importância de um planejamento minucioso, para buscar uma diminuição do descarte. “Nosso sistema informa as porções calculadas por pessoa, e insistimos junto às empresas para que essas porções sejam observadas, justamente para evitar mais desperdício. Mas mesmo assim, a quantidade de alimento que vai para o lixo é enorme”, conclui
Rodrigo Bellora – Restaurante Valle Rústico
Para Rodrigo Bellora, proprietário do restaurante Valle Rústico, é preciso buscar alternativas para todo o desperdício que acontece no país. E afirma que planejamento e bom senso são a base de tudo. “Um restaurante que planeja com responsabilidade suas compras e seu cardápio consegue otimizar o aproveitamento dos alimentos e o funcionamento do negócio”, ressalta o chef.
Para Bellora, muitos ingredientes frescos, em perfeito estado que sobram no decorrer do dia podem e devem ser retrabalhados. “Quando eu sei a procedência daquilo que eu utilizo, posso usar cascas de frutas para fazer geleia ou mesmo talos e cascas de legumes para caldos e outros preparos, porque tenho a certeza que esses itens estão livres de agrotóxicos”, exemplifica.
Ele ressalta que no Brasil, temos a cultura do exagero e do desperdício. “Não vemos muito isso no resto do mundo; o Brasil é superprodutivo, exporta alimentos para diversos países e por isso, acredito que acabamos banalizando o consumo da comida”, conclui.
Banco de Alimentos pode virar realidade
Foi protocolado na última semana na Câmara de Vereadores do município, o anteprojeto que institui o “Programa Banco de Alimentos Não Perecíveis do Município de Bento Gonçalves” e define os critérios para doação de alimentos perecíveis (processados ou não), suas diretrizes e procedimentos. O texto foi construído após ampla pesquisa em outros municípios que adotaram a iniciativa, e também contou com o apoio da OAB – Subseção de Bento Gonçalves.
A ideia tem como principal objetivo a arrecadação e captação de alimentos para posterior distribuição às entidades assistenciais sem fins lucrativos – previamente cadastradas junto à Coordenadoria do Programa – e às pessoas ou famílias em estado de vulnerabilidade. O Banco de Alimentos poderá receber doações de alimentos, industrializados ou não, e bebidas não alcoólicas que, por qualquer razão, tenham perdido sua condição de comercialização, mas mantenham intactas as qualidades sanitária e nutricional.
A norma determina que poderão doar alimentos pessoas físicas ou jurídicas, indústrias, estabelecimentos comerciais, distribuidoras, cozinhas industriais, restaurantes comerciais ou coletivos, mercados, feiras, sacolões, instituições e órgãos públicos ou privados, entidades não governamentais e outros, desde que atendam a parâmetros estabelecidos pela legislação sanitária vigente.
A Secretaria Municipal de Assistência Social faria a coleta, seleção, armazenamento e distribuição dos alimentos doados. O anteprojeto ainda prevê benefícios às empresas doadoras, como dispensa de pagamento da taxa de alvará sanitário àquelas entidades que comprovaram doações regulares. O anteprojeto, agora, será analisado pelo prefeito municipal, Guilherme Pasin, que poderá fazer adequações antes de decidir pela sua tramitação ou não.
Dez dicas criadas pelo Instituto Akatu para evitar o desperdício de alimentos em casa:
1 – Faça o cardápio da semana
Planejar o cardápio da semana, definindo como serão as refeições diárias, permite planejar as compras semanais e evitar desperdícios. O maior desperdício doméstico é verificado com frutas, legumes e verduras, ou seja, nos produtos típicos das compras semanais.
2- Não se preocupe com a aparência dos alimentos. Nas compras a granel (alimentos não embalados), não se deixe impressionar pelo aspecto “limpeza” de legumes e especialmente batatas. Saiba que a limpeza dos alimentos reduz seu tempo de vida, assim como pode contaminá-los com produtos tóxicos. Qualquer legume ou batata com um pouco de terra dura pode ser facilmente lavado em casa.
3 – Cuidado ao manipular os alimentos. Na hora de comprar frutas, verduras e legumes, escolha com os olhos. Somente depois de decidir que vai levar pegue o alimento. Assim, o produto será preservado por mais tempo.
4 – Aproveite as partes boas de verduras e legumes. Se depois de alguns dias notar que abobrinha, chuchu, mandioquinha e outros legumes apresentam partes estragadas, corte-os, lave bem o que pode ser aproveitado e faça uma seleta para acompanhar assados em geral.
5 – Opte pelo essencial
Compre somente o necessário para sua alimentação. Comprar em quantidade exagerada acaba gerando uma sobra que vai para o lixo. Se você economizar uma batata, uma cenoura, duas favas de vagem e um ovo por dia, ao final de uma semana terá ingredientes suficientes para uma ótima salada para o domingo, por exemplo.
6 – Não jogue fora as sobras
Aprenda a reciclar as sobras de alimentos: do feijão, faça sopa. Com arroz, purê de batatas, cenouras cozidas, carne assada ou o que restou da bacalhoada prepare deliciosos bolinhos. Frutas azedas ou maduras demais podem se transformar em compotas, geleias e recheios para bolo.
7 – Sirva no prato somente o que vai comer
Reedite o lema dos nossos pais e avós: respeito aos alimentos e ao trabalho alheio. Ponha no prato apenas a quantidade suficiente para aquela refeição.
8 – Prefira produtos da estação
Consuma verduras, legumes e frutas da estação, que além de mais saborosos têm preços mais baixos. Em geral, esses produtos vêm de mais perto, não exigindo grande transporte, desta forma reduzindo perdas pela manipulação, gastos de combustível e poluição.
9 – Produtos regionais são muito gostosos
Dê preferência às comidas típicas e aos ingredientes de sua região, pois estará ajudando a reduzir os custos de transporte e as perdas causadas pela manipulação dos alimentos.
10 – Faça o alimento durar mais
Vegetais, incluindo talos e folhas, podem ser congelados pelo processo de branqueamento: mergulhe os vegetais em água fervente, espere que a água volte a ferver, retire do fogo e mergulhe imediatamente esses vegetais em uma vasilha de água gelada. Não confunda o branqueamento com preparação definitiva. O vegetal branqueado não está pronto, mas apenas protegido para ser guardado por mais tempo.
OBS.: Criado em 15 de março de 2001 (Dia Mundial do Consumidor), o Instituto Akatu é uma organização não governamental sem fins lucrativos que trabalha pela conscientização e mobilização da sociedade para o consumo consciente, e assim contribui para a transição acelerada na direção de estilos sustentáveis de vida, inspirados em uma sociedade do bem-estar e viabilizados por modelos sustentáveis de produção e consumo.