Desde o início dos tempos, muitos casais fazem de tudo para tentar escolher o sexo de seus filhos. Na Idade Média, as mulheres acreditavam que podiam aumentar as chances de ter um menino se os maridos virassem o rosto para o leste durante a ejaculação. Outras apostavam em seduzir os homens com um coquetel de vinho tinto misturado com útero de coelha.
Hoje em dia, uma rápida busca na internet revela uma enorme variedade de “fórmulas infalíveis” – desde tomar certas vitaminas e xaropes até a escolha de roupas. Mas quem se informa um pouco mais entende que se trata de uma questão de probabilidade – e que não há como enganar a sorte.
No entanto, estudos recentes mostram que a humanidade, inadvertidamente, tem driblado o acaso há milhares de anos – e os verdadeiros fatores por trás disso são tão estranhos quanto qualquer outro jamais imaginado.
Já se sabe, por exemplo, que grandes acidentes naturais ou crises humanitárias vêm acompanhados do nascimento de mais meninas, assim como o jejum do Ramadã (mês sagrado para os muçulmanos), por exemplo.
Por outro lado, estudos dizem que as mulheres com personalidades dominadoras e as que se alimentam com comidas mais calóricas teriam mais probablidades de dar à luz um menino. E homens bilionários teriam 65% mais de chances de conceber um herdeiro do que uma herdeira.
Mais importante, a predisposição para ter mais filhos de um sexo do que de outro é algo que está codificado na nossa genética. Estatísticas apontam que homens com mais irmãs tendem a conceber meninas, enquanto aqueles com mais irmãos acabam sendo pais de meninos.
Mortalidade masculina
Na realidade, a probabilidade de conceber crianças de um sexo ou do outro nunca foi exatamente de 50%. Em todo o mundo, nascem cerca de 109 meninos para cada 100 meninas.
Há uma explicação para isso: os homens têm sistemas imunológicos mais frágeis, colesterol mais alto, mais problemas cardíacos, maior predisposição ao diabetes, mais casos de câncer e menos chances de sobreviver a tudo isso.
Na sociedade atual, eles também representam 60% das vítimas de assassinatos e 75% das fatalidades em acidentes de trânsito, e apresentam três vezes mais chances de cometer suicídio. Por tudo isso, uma mulher precisa dar à luz uma proporção maior de meninos para que sobreviva um número equiparável ao de meninas.
Intrigados por essa ligeira disparidade entre os nascimentos de cada sexo, o americano Robert Trivers, hoje antropólogo na Universidade Rutgers, e o cientista de computação Dan Willard, da Universidade de Albany, nos Estados Unidos, desenvolveram uma das mais famosas teorias da biologia evolucionária, a chamada “hipótese de Trivers-Willard”.
Ela sugere que fêmeas de mamíferos conseguem ajustar a proporção de gêneros entre suas crias dependendo de sua condição biológica. Segundo essa teoria, a evolução “driblaria” a pressão natural pela manutenção da proporção 50:50 para favorecer uma situação em que determinado sexo teria mais chances de sobreviver e se reproduzir.
Isso explicaria, por exemplo, o fato – comprovado cientificamente – de que mulheres em idade fértil se sentem atraídas por homens mais dominantes e de um status social mais alto.
Segundo estudos, aqueles que conseguem fazer fortuna ou serem influentes tendem a se casar mais cedo e com mais frequência, além de terem mais casos extraconjugais do que outros homens. Aqueles nas camadas sociais mais baixas enfrentam mais dificuldades para encontrar uma parceira, de acordo com a mesma teoria.
Já as mulheres enfrentam menos competição e têm mais chances de encontrar um parceiro e produzir sua cria, mesmo que ela se resuma a apenas um menino.
Investimento
Tudo isso pode soar um tanto sexista, mas Trivers argumenta que a justificativa é o fato de que as fêmeas investem mais na criação dos filhotes, enquanto que o macho pode ajudar a conceber o bebê, mas deixar essa tarefa para a mãe.
Entre os animais como o veado-vermelho, o elefante-marinho e o gorila, os riscos são ainda maiores. Os chamados “machos alfa” chegam a ter um harém de centenas de fêmeas, enquanto espécies mais frágeis ou que ocupam uma esfera mais baixa da hierarquia podem nunca chegar a se reproduzir ou morrer na tentativa.
Há ainda a questão dos recursos. Como tendem a ser maiores, meninos demandam mais alimentos do que meninas – em muitas sociedades, também precisam de mais educação e dinheiro. Para produzir um filho capaz de se tornar um macho dominante, os pais precisam fazer um grande investimento.
Com isso em mente, Trivers e Willard propuseram que em um cenário favorável, em que os pais têm um status social mais alto e há uma boa provisão de alimentos, faz mais sentido, do ponto de vista evolucionário, produzir mais meninos.
Em condições menos favoráveis, a seleção natural deveria favorecer os pais que tiverem mais filhas, já que elas tendem a gerar mais filhos independentemente de serem bem-sucedidas socialmente ou particularmente atraentes.
Desequilíbrio artificial
Nos anos 1980, cientistas descobriram que entre os veados-vermelhos, as fêmeas dominantes têm 60% mais chances de conceberem machos. E a primeira evidência de que isso também pode ocorrer entre seres humanos veio da China.
Entre o fim dos anos 1950 e início da década de 1960, profundas transformações econômicas deixaram milhões de chineses passando fome. Pesquisas com o censo da época mostraram que, entre 1960 e 1963, o número de meninos nascidos na China foi de 104 para cada 100 meninas, uma diferença de cerca de 5% para a proporção média mundial. A percentagem só se normalizou no país depois de 1965.
Mesmo com todos esses elementos, a proporção entre meninos e meninas nunca deixou de ser razoavelmente equilibrada. Segundo Keith Bowers, ecologista da Universidade de Memphis, isso acontece por causa do consumo de recursos representado por cada sexo. “Meninos precisam de mais alimentos do que meninas. Portanto, produzir muitos deles criaria um ambiente familiar mais competitivo”, explica.
Se todos os pais tivessem meninos quando as condições são favoráveis, estes enfrentariam dificuldades de encontrar uma parceira ou um território quando crescessem. “Ao longo do tempo, é de se esperar que se chegue a números praticamente idênticos entre machos e fêmeas”, diz Bowers.
Para Corry Gellatly, biólogo evolucionista da Universidade de Utrecht, na Holanda, esse reequilíbrio natural já pode estar ocorrendo. Na China, onde há uma preferência cultural por meninos, a introdução da política do filho único levou a um salto no número de abortos de meninas e de nascimento de meninos.
Mas entre as famílias que tiveram permissão para ter mais filhos, as chances de conceber uma menina na primeira tentativa era muito maiores do que a média do país.
Isso, no entanto, não deve aliviar o desequilíbrio criado pela política do filho único, agora suspensa. Em 2015, havia na China 60 milhões a mais de homens do que de mulheres. Estima-se que, até 2030, um em cada quatro homens chineses nunca se casará.
Outros estudos apontam que em sociedades com uma abundância exagerada de homens há mais casos de violência doméstica, crime organizado e assassinatos. Há até quem preveja que esse grupo cada vez maior de solteiros frustrados pode ser atraído para a carreira militar, o que levaria a mais conflitos internacionais.
Talvez seja a hora de aceitar que a natureza sabe melhor do que ninguém o que fazer para manter a proporção de machos e fêmeas mais equilibrada.