O estereótipo de família perfeita deve ser superado, a família de comercial de margarina não é real

2015-04-10_190211

Os movimentos sociais das últimas décadas modificaram o conceito de família tradicional formada pelo patriarcado onde o homem (pai) exerce autoridade sobre sua família, composta de mulher e filhos, cada um deles com papéis e responsabilidades definidos, o homem era o responsável por “colocar a comida na mesa” e a mulher por cuidar da casa e dos filhos.
A família moderna, formada pelas desconstruções de padrões resultou em uma formação familiar mais independente, tolerante e flexível. Não é possível dizer que existe um modelo único e específico de família, pois ele é mutável de acordo com a vivência da sociedade.

As crianças merecem ser criadas em um ambiente estruturado com amor e carinho, de onde vem este sentimento e cuidado é o que menos importa

Mudança da estrutura familiar
A família moderna busca abranger todas as formações familiares, trazendo características de maior tolerância e flexibilidade, respeitando as particularidades de seus integrantes e não restringindo-se a um modelo pré estabelecido. O movimento é crescente no sentido de todos os membros da família colaborarem com as tarefas domésticas, ajudarem-se entre si e colaboram conjuntamente nas questões financeiras.
O laço afetivo é mais importante que o laço de sangue, ficando demonstradas novas constituições afetivas, como famílias formadas por pais com filhos adotados e biológicos que vivem juntos e se amam, independente do laço sanguíneo; formada por pais que adotam os filhos da outra parte e mantém uma boa relação com os seus ex, dentre muitas outras.

Conceitos limitantes
Em decorrência disto, é necessário desconstruir conceitos que diminuem e massacram aqueles que não se encaixam nos teóricos padrões ideais, perfeitos ou tradicionais.
Dentre esses conceitos está o de família desestruturada, que ainda é um reflexo das famílias tidas como perfeitas, compostas de um pai, uma mãe, que casaram tiveram filhos e ficaram juntos para sempre. Entretanto, é muito importante combater este conceito, pois os modelos familiares diferentes não podem ser classificados como desestruturados, afinal, não existe um modelo perfeito e ideal.
Independente de sua formação, as famílias não devem ser rotuladas ou receber imposições de padrões a serem seguidos, não importa como ela é formada, seja: família de apenas um dos genitores, o pai ou a mãe; constituídas por um casal homossexual que tenha um ou mais filhos biológicos ou adotados; famílias compostas por avós que cuidam dos netos como filhos; casal heterossexual e um bichinho de estimação, as variáveis podem ser inúmeras, mas todas elas são famílias.

Escolas e conceito de desestruturação
Muitos problemas que as escolas enfrentam com as crianças e jovens é atribuído a uma família desestruturada, entretanto, atrelar comportamentos, escolhas e opções a a formação familiar, não é o caminho, essa análise é baseada em preconceitos e ideologias limitadas.
As escolas tem um papel muito importante na formação das pessoas e para isso é imprescindível que estejam atentas aos ambientes que os seus alunos vivem, porém, o fato de virem de uma família que não representa o formato que estão acostumados e entendem por comum não pode ser um fator determinante de análise.
Um ambiente desestruturado é aquele que elementos como: violência doméstica, abuso sexual, dependência de alcool, drogas, brigas constantes, ausência de pudores e valores éticos, falta de amor e cuidado. A desestruturação nunca poderá ser medida somente de acordo com a formação estrutural da família.
Posicionamento da psicanalista Belinda Mandelbaum, coordenadora do Laboratório de Estudos da Família, Relações de Gênero e Sexualidade do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

Como o professor deve se posicionar frente à questão das diferentes composições familiares?
Sempre sem demonstrar preconceito com relação a filhos de pais separados, adotados por casais homossexuais, criados por parentes etc. Quem não age assism tem de repensar seus valores. Esse é um bom trabalho para ser feito em grupo, com os colegas e a coordenação pedagógica. É função da escola permitir que o assunto seja pensado e conversado, já que os educadores têm um papel fundamental na forma de tratar o tema.

As famílias que têm sua estrutura baseada em agressões e discussões são as consideradas desestruturas, afinal, o alicerce de uma família deve ser os sentimentos e valores, não a sua composição

Qual a melhor maneira de abordar a questão com os alunos?
Desmitificando a ideia de modelo ideal e propondo debates. Um bom caminho para isso é se basear em estatísticas. Na Síntese de Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2006, as famílias nucleares eram 49,6%, ou seja, mais da metade já tinha outras configurações. Muitas eram monoparentais, outras tantas formadas por pais ou mães homossexuais – um tipo que está em crescimento. Outra opção é destacar estudos recentes que já acenam para a conclusão de que, em termos do desenvolvimento psicológico e cognitivo, não há diferenças na criação de filhos por casais homossexuais. Quando o tema é tratado assim, promove-se um convívio melhor entre todos. A criança que está nessa situação se sente incluída, o que interfere na saúde psíquica dela.

É uma queixa comum dos educadores a falta de imposição delimites em casa. Isso realmente ocorre?
Pode ser que em alguns casos a escola tenha razão. Situações de falta de limite são comuns hoje em dia. Os pais ficaram fragilizados não por culpa deles, mas em virtude de um processo histórico que tem a ver com a diminuição do poder econômico e da autoridade. O homem, principalmente, está passando por uma perda de lugar na sociedade e sem querer transmite isso aos filhos. Cria-se, assim, uma situação em que não é mais dentro de casa que eles encontram regras importantes para o seu crescimento. Diferentemente do que se possa pensar, eles se sentem mais seguros quando não podem fazer tudo e se há alguém dizendo que estão no caminho certo. De fato, estabelecer regras é uma ação cada vez mais transferida a outras instituições. É como se a responsabilidade fosse terceirizada, inclusive para a escola. Além de compreender que isso é o sintoma de uma transformação social – e não uma falta de atenção dos pais – a escola pode promover debates e grupos de reflexão que ajudem cada um a encontrar seu papel.

Os padrões que rotulam famílias como desestruturadas devem ser abandonados , para que todas as famílias, independente de sua formação sejam respeitadas

Qual a melhor atitude a tomar quando se avalia que problemas em casa dificultam o avanço do estudante?
Se ele está com dificuldade e é levantada a hipótese de que aquilo esteja ligado às características de sua casa, é preciso verificar que tipo de apoio ele tem lá. Se alguém – independentemente de quem – faz o acompanhamento, não se pode dizer que seja esse o problema.

Por que, então, é tão comum atribuir a famílias desestruturadas o mau desempenho de um aluno?
Isso é algo feito quase automaticamente pelo professor, sem reflexão sobre a real relação entre as coisas. O ideal seria se perguntar: o que está realmente dificultando o desempenho do aluno? A resposta não pode ser algo como “os pais são separados” ou “ele só tem mãe”. O caminho é investigar o que está faltando de verdade à criança e estabelecer um diálogo honesto e livre de preconceitos com quem cuida dela. Só esse interesse genuíno já a ajuda. Se de fato uma situação doméstica está interferindo nos seus estudos, o educador precisa agir como o grande aliado que ela procura na escola.

Como se tornar esse aliado?
O estudante que está vivendo uma situação angustiante em casa muitas vezes pede socorro na escola. O educador tem de ser sensível a isso porque nem sempre ele é explícito. Ao vê-lo triste, angustiado, malcuidado ou apresentando queda de rendimento, é preciso acolhê-lo e ajudá-lo. O primeiro passo é tentar a aproximação, com a abertura de um espaço de escuta. Ele vai se sentir melhor ao perceber que tem alguém com quem conversar, que está interessado nele e pelo que está passando. Pode ser que o encaminhamento psicológico seja adequado, mas isso nem sempre é a solução. Em muitos casos, a simples atenção do professor que está todo dia ao lado dele pode ser mais efetiva.

No direito, a família formada pelo pai ou mãe que vive com seu filho sem manter uma relação amorosa com outra pessoa é chamada de monoparental

As novas formações familiares exigem estratégias diferentes de aproximação com os responsáveis?
Em certo sentido, todos têm de ter o mesmo tratamento, mas é importante saber que cada caso tem suas particularidades. Mudanças no campo do Direito indicam o reconhecimento de que é impossível ter um padrão único para julgar todos os casos referentes à família e que é preciso levar em conta a especificidade de cada uma. Por exemplo: antigamente havia a figura jurídica do pai de família, que era sempre o pai. Hoje existe o chefe de família, que pode ser um homem ou uma mulher. O ideal é que esse mesmo espírito esteja na escola, que deve reconhecer as diferenças e demonstrar isso na maneira como atua. Não há uma fórmula para lidar com o diverso, mas os educadores têm de se preparar para fazer da escola um espaço de escuta das famílias.

Quando há mais de um responsável pela criança, é tarefa do professor conversar com todos?
Não. Para que seja garantida uma zona de estabilidade para ela, é importante definir quem responderá pelas questões relativas à escola. Se os responsáveis não tomarem a iniciativa, caberá à escola conversar com eles para estabelecer quem será o interlocutor. Essa é uma questão bastante presente, ligada à guarda compartilhada. É lógico que os pais têm o direito de reconstruir sua vida, mas o filho tem de ter estabilidade. É difícil alguém ficar confortável morando dois dias em um lugar, três no outro, alternar fins de semana e ainda a cada momento ter uma orientação.

Até que ponto a escola precisa conhecer a situação do aluno em casa?
Se há o verdadeiro interesse por ele, isso só pode ser positivo. Caso se desconfie de abuso, por exemplo, toda curiosidade é justificável, pois a atitude é de cuidado. Porém, se o educador vai para a conversa com os responsáveis querendo impor um monte de pressupostos morais sobre o comportamento deles, está fadado ao insucesso.

E o contrário: é correto compartilhar com os responsáveis tudo o que se passa na escola com os alunos?
Os pais têm direito de saber o que ocorre com seus filhos. No entanto, não é preciso tomar a iniciativa. A criança necessita de um espaço em que nem tudo o que diz respeito a ela fique exposto. Acho absurdo os berçários instalarem câmeras para permitir que os pais vejam o filho o tempo todo. Uma das funções da escola é dar ao aluno a oportunidade de iniciar contatos com pessoas fora de sua casa, o que é fundamental para a sua independência.