O professor da Universidade de São Paulo explica sobre as novas alternativas existentes envolvendo os métodos anticoncepcionais masculinos
Um anticoncepcional masculino tem se destacado na comunidade científica por apresentar uma alternativa a outros métodos contraceptivos. Em 1979, o professor Sujoy Guha desenvolveu o Risug (Reversible Inhibition of Sperm Under Guidance), sigla em inglês para Inibição Reversível de Esperma sob Orientação. Nos últimos 43 anos, o procedimento passou por testes clínicos bem-sucedidos, até atingir a fase-III, na qual sua eficácia está sendo estudada em milhares de pessoas.
Funcionamento do Risug
O professor Luis Carlos de Souza Ferreira, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e coordenador-executivo da Plataforma Científica Pasteur USP, resume pontos-chave do Risug: “É um polímero, anidrido maleico de estireno, que aparentemente obstrui a passagem dos espermatozoides”, explica.
Para afetar a fertilidade, o tratamento incide sobre os vasos deferentes, dupla de canais que transportam os espermatozoides para os testículos, onde eles se juntam aos líquidos que formam o sêmen. O polímero é dissolvido em um composto dimetilsulfóxido (DMSO) e inibe os espermatozoides com diferentes mecanismos. “Um parece que é obstrução mesmo física dos vasos, o outro é porque ele gera a alteração psicoquímica ali do ambiente”, elabora Ferreira. Segundo ele, além do pH – escala de acidez de uma solução aquosa – também há uma variação oxidativa dos vasos.
O método é aplicado com uma seringa e o professor afirma que, apesar de injetável, o Risug não é uma vacina: “Tem aquela seringa, que parece até uma vacina, mas é um polímero que você inocula nos vasos deferentes da pessoa. Não tem nada a ver com vacina”. Para se caracterizar como uma vacina, o produto aplicado deveria ter uma reação no sistema imunológico, com o qual o Risug não interfere.
Vantagens na infertilidade
Os estudos observaram a ausência de espermatozoides, conhecida como azoospermia, sobretudo a partir de quatro semanas após a aplicação. “Depois de aplicado, o número de espermatozoides que saem na ejaculação vai diminuindo até ficar praticamente sem. E, com isso, seria uma forma de controlar a fertilidade.”
Em comparação com os principais anticoncepcionais masculinos, o Risug apresenta alta eficácia e é um procedimento reversível. O restabelecimento da fertilidade ocorre em cerca de dois meses: “Então, seria um procedimento simples e essa reversão é muito simples também: injeta com uma seringa uma solução de bicarbonato de sódio e aquilo ali, em poucos dias, a pessoa não coloca esses espermatozoides normalmente”, elucida Ferreira. Em 2018, um teste clínico de fase-III, com 315 pessoas, revelou a eficácia do contraceptivo em 99,02% dos casos, sem quaisquer distúrbios hormonais. Ele ainda comenta: “Parece que agora concluíram a análise e a coisa é promissora. Não viram efeitos colaterais mais graves”.
Demora no desenvolvimento
Diante dos demais anticoncepcionais masculinos, o Risug oferece infertilidade por um longo período, além de um diferencial: não haver manipulação hormonal. A preocupação com o desequilíbrio hormonal masculino é um fator que impede o desenvolvimento de métodos contraceptivos. Mesmo assim, as pílulas femininas, criadas na década de 1960, causam severos impactos hormonais ainda hoje. Na visão do professor, a demora no desenvolvimento sinaliza a preocupação com a segurança e eficácia do tratamento. “Acho que tem a ver com a suspeita de que isso poderia funcionar, de que não teria efeitos colaterais, sejam imediatos ou tardios”, relata o professor. Alterações genéticas nas células dos espermatozoides, alterações de humor e a perda de libido são exemplos de possíveis complicações decorrentes dos métodos testados.
No âmbito social, a escassez de anticoncepcionais masculinos tem impactos no planejamento familiar e na saúde pública. Embora o Risug esteja em fase final de testes, o licenciamento de fabricação foi enviado ao governo indiano. Para Ferreira, a perspectiva de lançamento é positiva para daqui um ano: “É muito comum a gente dizer isso quando se passa nas principais etapas de segurança e efetividade. Depende de negociar com a empresa e parceiros interessados em escalar isso a uma produção maior e aplicar”.