Ministério Público denuncia oito pessoas por fraude em embutidos e venda de produtos com bactéria

2015-04-10_190211
Segundo Ministério Público, produtos são impróprios ao consumo humano

Oito pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público por organização criminosa, fraude em embutidos e venda de produtos alimentícios contendo a bactéria listeria monocytogenes. O grupo está envolvido na Operação Incassato, que cumpriu mandados de busca e apreensão no final de maio em três empresas, entre elas uma de Bento Gonçalves.
A denúncia, assinada pelo promotor de Justiça Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, foi apresentada na sexta-feira (08) pela Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – Gaeco – Núcleo Segurança Alimentar.
Conforme o documento, os investigados nesta primeira fase são o proprietário da empresa Aida Alimentos, Mauro Francisco Gasperin, as filhas dele e sócias da indústria, Janaína Gasperin e Mariana Gasperin, as engenheiras de alimentos Marina Miranda Fischer e Vanessa Cristina Johann, antiga e atual responsáveis pelo setor de controle de qualidade da indústria, o chefe do setor de produção da empresa, Arildo Zampiron, e o vendedor Luciano Mathias, bem como a sócia e gerente de produção da empresa Matadouro Gavazzoni Ltda., Priscila Gavazzoni Schiavenin, (que fornece matéria-prima à empresa Aida Alimentos).
A notificação afirma que os oito investigados associaram-se para praticar crimes contra as relações de consumo e de adulteração de produtos alimentícios.

Mandados de busca e apreensão
O Ministério Público do Rio Grande do Sul cumpriu no dia 29 de maio, três mandados de busca e apreensão em dois frigoríficos e um matadouro em Bento Gonçalves (Aida Alimentos), Flores da Cunha (Matadouro Gavazzoni) e Anta Gorda (R. Moretto).
De acordo com as apurações, os investigados associaram-se para cometer crimes contra a saúde pública através da adição de amido e Carne Mecanicamente Separada (CMS), além de compra de produtos de péssima qualidade para a fabricação dos produtos da empresa Aida.
A prática, segundo o Ministério Público, torna os produtos impróprios ao consumo humano. Também foi constatado o uso de carnes vencidas, rótulos com prazo de validade alterados, falsa indicação do selo “não contém glúten”, além da utilização de amido superior à quantidade permitida na legislação.

Operação Incassato
A Operação Incassato significa “embutido” em italiano e tem o apoio da Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Irrigação (SEAPI), da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) e do Comando Ambiental da Brigada Militar (PATRAM). Ao todo, a Receita Estadual destacou nove auditores-fiscais para verificação de dois estabelecimentos fornecedores e um fabricante destes produtos. As irregularidades tributárias serão identificadas no decorrer dos futuros trabalhos de auditoria fiscal. Os levantamentos iniciais apontam para a emissão de notas fiscais eletrônicas com conteúdo inverídico (inidôneas) e sobre operações fictícias.

Início das investigações
As empresas começaram a ser investigadas em abril de 2017, quando três toneladas de produtos da Aida Alimentos foram descartadas com o objetivo de driblar a fiscalização. Em abril do ano passado, foi constatada a reutilização de carne vencida e imprópria ao consumo humano na confecção de embutidos pela empresa.
O proprietário, Mauro Francisco Gasperin, foi preso em flagrante por cometer crimes contra as relações de consumo e falsificação de selo emitido por autoridade. A empresa foi autuada diversas vezes pela fiscalização estadual entre os últimos dois anos, o que não impediu a continuidade dos crimes. Segundo a Promotoria, o próximo passo é que a Secretaria Estadual da Saúde e a Associação Gaúcha dos Supermercados (Agas) retirem os produtos das prateleiras dos mercados.

Fepam
A Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) lavrou dois autos de infração às empresas Aida e Moretto por lançamento de resíduos sem tratamento de efluentes. A empresa Gavazzoni será notificada pela Fundação para adequação à legislação ambiental.
O frigorífico Moretto não poderá receber novos animais para abate até a regularização correta dos resíduos da lavagem de caminhões. Além disso, foram coletadas amostras dos embutidos encontrados nos locais para análise pelo Laboratório Nacional Agropecuário – Lanagro.

Bactéria
Laudos realizados pelo Lanagro a partir de fiscalizações da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação (Seapi) na empresa Aida Alimentos constataram a presença da bactéria Listeria monocytogenes na copa fatiada, um agente biológico altamente nocivo e letal. De acordo com o Lanagro, a bactéria é causadora da doença chamada listeriose, infecção que tem incidência baixa, mas alto grau de severidade e alto índice de mortalidade (20% a 30%).
A listeriose pode causar problemas sérios em gestantes, recém-nascidos, idosos e pacientes debilitados e imunodeprimidos. Os sintomas iniciais são semelhantes a uma gripe: com febre, mialgias e dor de cabeça, seguidos de complicações, como aborto, feto natimorto, nascimento prematuro e infecções neonatais. A listeriose invasiva, por sua vez, pode afetar o sistema nervoso central e causar meningite, meningoencefalite e abscessos no cérebro. Ela atinge, principalmente, pacientes com mais de 50 anos e causa febre, alterações na percepção sensorial e dor de cabeça.

Ameaça a celíacos
As análises dão conta, também, que os produtos pepperoni, apresuntado, presunto cru e presunto tipo Parma continham amido em quantidade superior à prevista na legislação (no caso do pepperoni, presunto cru e presunto tipo Parma, a legislação sequer permite a presença de amido e, em relação ao apresuntado, o insumo estava em quantidade superior à permitida). Além disso, foi encontrado amido em presunto cru tipo italiano fatiado, produto cujo rótulo afirma, nas informações nutricionais, que o percentual de carboidratos é 0% e que o produto não contém glúten. No entanto, como não se tem conhecimento de qual tipo de amido foi adicionado ao embutido, pode haver glúten nos produtos. Isso coloca em sério risco a saúde da população, sobretudo as pessoas celíacas, que não podem entrar em mínimo contato com a substância. O amido seria utilizado para aumentar o peso dos produtos, o que consiste em fraude econômica.
O Lanagro também constatou a presença de nitrito de sódio em quantidade superior à permitida em amostras de mortadela sem toucinho com ervas finas. A utilização do insumo deve ser limitada e atender aos padrões da legislação, pois há estudos que relacionam o alto consumo a alguns tipos de câncer.

Carne Mecanicamente Separada
A fraude econômica também foi identificada a partir da detecção de indícios do uso de Carne Mecanicamente Separada (CMS) em produtos onde a prática é proibida (pepperoni) ou em quantidade superior ao permitido pela legislação. No caso do apresuntado, houve adição de 38% de CMS, o que faz com que mais de um terço da composição do produto seja constituída de insumo de custo quase cinco vezes menor que a carne suína e constituída de ossos, carcaça ou parte de carcaça de animais de açougue (aves, ovinos e suínos). Ainda, não se trata de um produto seguro, uma vez que não se sabe qual é a sua procedência. O CMS foi encontrado em vários produtos da empresa. Além disso, os resultados das análises dos parâmetros como a putrescina e cadaverina podem indicar a utilização de matéria-prima de má qualidade (carne vencida ou em decomposição, por exemplo).

Empresas emitiram notas de esclarecimento
A Aida Alimentos emitiu uma nota no dia 30 de maio na qual afirma que tem “cooperado com a autoridade policial e fiscalizatória, fornecendo produtos, materiais e documentos para auxiliar nas verificações” e pontua que “há mais de 90 anos oferece alimentos de qualidade aos seus consumidores, sempre comprometida com o fornecimento adequado dos seus produtos (…). A empresa desconhece as acusações feitas e por este motivo busca esclarecimentos junto aos órgãos competentes. Solicitamos tranquilidade e confiança por parte de todos”, diz a nota.
A Matadouro Gavazzoni enfatizou que possui 23 anos de sólida e reconhecida atuação no mercado de alimentos e produz carne e produtos industrializados de origem da carne suína e que, além de utilizar a carne para seus produtos, é fornecedora de matéria-prima para outras empresas. “Sempre seguindo um rígido controle de qualidade da produção e dos produtos”.
“A empresa Matadouro Gavazzoni tem como prática a produção de Alimento Seguro, assegurando a qualidade dos produtos fabricados perante os consumidores e órgãos governamentais. A empresa adota medidas na linha de produção, entre elas as mais rigorosas práticas de higiene, manipulação, conservação e controle de seus produtos de forma a assegurar sua qualidade, atendendo às exigências legais nacionais”, acrescenta a nota.
A Matadouro Gavazzoni ressalta que não produz alimentos que possam oferecer algum risco para a saúde pública, “tais como adição de amido, Carne Mecanicamente Separada (CMS), assim como não existe a comercialização de produtos com características impróprias para consumo, como carnes vencidas, com alguma alteração em seus rótulos ou acondicionadas de forma imprópria”.
Por fim, a R.Moretto declarou que, com a vistoria dos Fiscais, “ficou comprovado que os procedimentos de abate seguem as mais rigorosas exigências previstas na legislação, tanto é verdade que autorizaram a continuidade do abate de suínos”.