Grupo de mulheres trouxe contexto da pobreza menstrual e suas implicações
As advogadas Vanessa Dal Ponte e Raquel Carvalho mediaram uma conversa intitulada “Menstruação sem tabu”. A live foi transmitida na última terça-feira (26) e veiculada no Instagram da OAB, subseção de Bento Gonçalves. Contando com a presença da professora Melissa Demari, doutora em Ciências Sociais e mestre em Direito, teve por objetivo refletir sobre a realidade da pobreza menstrual no município e região, além de trazer à tona as vantagens do coletor menstrual, do absorvente de pano e da calcinha absorvente para a saúde íntima e para o meio ambiente.
Menstruação Sem Tabu é, na verdade, uma política pública que vários estados brasileiros implementaram no sentido de a população discutir e desenvolver programas, ações e pautas entre órgãos públicos e sociedade, para discutir e estimular o debate sem preconceitos em torno da menstruação. Questões ligadas a simbologia, as rotinas e as dificuldades que o ciclo menstrual impõe aos grupos de mulheres, especialmente aos grupos vulneráveis.
De acordo com Melissa Demari, a pobreza menstrual é um termo francês que tem sido trazido ao cenário político brasileiro, e, que basicamente, consiste na designação da falta que algumas mulheres tem de acesso a itens básico de higiene durante o período menstrual e também associados a falta de informação. “Então, isso envolveria falta de dinheiro para comprar absorvente, não ter condições de tomar sequer um banho nesse período menstrual, a falta de estruturas sociais adequadas para que mulher lide com esse período, falta de apoio para que se compreenda. Isso envolve várias dimensões todas associadas ao ciclo menstrual da mulher vulnerável e que por conta da situação social e financeira não tem condições de articular sua vida de forma corriqueira nesse período”, explica.
A iniciativa é mais uma das ações promovidas pelo grupo “De mãe para mãe”, criado pela advogada Vanessa Dal Ponte no início da pandemia. O objetivo inicial era arrecadar peças de roupas para abrigos e entidades do município, mas a demanda acabou se expandindo ao longo do tempo para a arrecadação de alimentos e, posteriormente, itens de higiene. “O absorvente, entretanto, acabava ficando de fora, porque as pessoas não têm costume de doar esse item. Então também começamos a focar a arrecadação nisso”, relata Vanessa.
Entre os temas debatidos está a criação de políticas públicas voltadas, especificamente, às mulheres, especialmente, às mulheres vulneráveis. “Outra questão é a gente compreender que as mulheres, dentro dessa discussão, continuam sendo um grupo ignorado de uma sociedade que tem leis e políticas públicas desenvolvidas pelos homens e para os homens. Dentro desse cenário, as mulheres ficam alijadas tanto dos debates, quanto realmente de leis específicas e de políticas públicas desenvolvidas especificamente para este grupo. Há uma simbologia aqui segundo o qual a mulher fica em segundo plano”, explana Melissa.
Ainda segundo a professora, o estado não opera para as mulheres, especialmente, porque ele não reconhece que as mulheres, estruturalmente, estão na sociedade subjugadas, em relação aos homens. “Elas têm uma realidade diferente, não partindo de um mesmo patamar de igualdade em relação aos homens e o estado ignora isso”, questiona.
Com a visibilidade do tema diante do veto do presidente Jair Bolsonaro à distribuição gratuita de absorvente nas escolas, o projeto acabou recebendo mais atenção da comunidade e, consequentemente, parcerias. Uma marca de calcinhas menstruais, por exemplo, encaminhou doações dos itens com a ideia de promover soluções menstruais sustentáveis. Mais tarde, o grupo também recebeu coletores menstruais para doação. “Na medida que o governo veta isso, qual é a mensagem discursiva? É a falta de empatia e a falta de reconhecimento de que as mulheres, por questões de gênero. Então, isso denota omissão do governo no reconhecimento da posição da mulher na sociedade, denota também a falta de reconhecimento da legitimidade das pautas feministas”, fala Melissa.
A partir da maior disponibilidade de informações sobre soluções sustentáveis e reutilizáveis, a advogada acredita que seja possível amenizar o problema da pobreza menstrual na região e, ainda, ajudar o meio-ambiente. “Quando essa questão começou a ser mais discutida nas últimas semanas, vi comentários de que na nossa cidade não existiam adolescentes que deixavam de ir para a aula por não ter absorvente. Comentários de que essa não era uma realidade em Bento. Isso é um engano, porque a gente faz diversas doações desses itens. Temos muitas adolescentes com vergonha de sair no período menstrual. Então sim, essa também é uma realidade da nossa comunidade”, enfatiza a advogada.
RS lança programa que distribuirá absorventes para estudantes
O governo do Estado lançou, também na nesta terça-feira (26), o Programa Todo Jovem na Escola, com foco na permanência dos estudantes nas escolas. A iniciativa conta com bolsas para alunos do Ensino Médio, distribuição gratuita de absorventes para jovens em situação de vulnerabilidade, celulares para acesso a atividades remotas e uma pesquisa com alunos para estruturar o 4º ano do Ensino Médio.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), uma em cada 10 pessoas que menstruam no mundo deixam de ir à escola durante o período menstrual. No Brasil, uma em cada quatro faltam à escola quando menstruam.
Com o objetivo de reduzir o impacto da pobreza menstrual na frequência estudantil de jovens em situação de vulnerabilidade social, o Estado está lançando o programa Livre para Aprender, que vai garantir a distribuição gratuita de absorventes íntimos para estudantes de 12 a 20 anos que estejam matriculadas na rede pública estadual de ensino.
A ação beneficiará mais de 53 mil estudantes em situação de vulnerabilidade social, cujas famílias estão cadastradas no programa Bolsa Família. Para isso, o investimento previsto de R$ 8 milhões contempla os meses restantes de 2021 e o ano de 2022. O recurso será repassado a 2.423 escolas, que deverão fazer a aquisição dos absorventes higiênicos e distribuí-los.