Homens têm déficit de percepção sobre tarefas domésticas, aponta estudo

2015-04-10_190211

Filósofos indicam que eles são menos treinados para agir diante de situações domésticas, mas isso pode ser prevenido por meio da educação e de iniciativas como a licença parental compartilhada

A distribuição desigual do trabalho doméstico em casais heterossexuais tem sido uma preocupação feminista de longa data. Mesmo com o isolamento social nos últimos anos, ter os dois parceiros em casa não propiciou uma divisão mais igualitária. Estudos sugerem que essa distribuição desigual muitas vezes passa despercebida pelo parceiro do sexo masculino.
Uma equipe de filósofos das Universidades de Cambridge, no Reino Unido, e de Viena, na Áustria, trouxeram uma nova visão. Chamada de “teoria da provisão”, a ideia indica que homens e mulheres são treinados pela sociedade para ver diferentes possibilidades de ação no mesmo ambiente doméstico. Isso significa que experimentamos objetos e situações como tendo ações implicitamente associadas.
Por exemplo, quando mulheres olham uma bancada suja, a ação implícita é a de limpar, enquanto homens podem apenas observar uma bancada coberta de migalhas e nada além disso.
Essa situação levanta duas questões importantes. Primeiro: por que as mulheres continuam arcando com uma quantidade desproporcional de tarefas domésticas e cuidados com os filhos, apesar dos ganhos econômicos e culturais? E, segundo, por que há uma deturpação unilateral generalizada entre casais de sexo diferentes sobre como o trabalho doméstico e de cuidado é distribuído entre os dois parceiros?
“Propomos uma análise da disparidade de gênero na percepção de recursos para tarefas domésticas, como a máquina de lavar louça para esvaziar, o chão para varrer e a bagunça para arrumar. Argumentamos que isso contribui não apenas para a distribuição desigual do trabalho doméstico, mas também para a frequente invisibilidade desse trabalho”, relatam os pesquisadores no estudo.

Visões diferentes
Baseado em uma pesquisa de domicílios nos Estados Unidos, os filósofos argumentam que as divisões desiguais do trabalho em casa — e a incapacidade dos homens de identificar as tarefas — são melhor explicadas por meio da noção psicológica de “pregnância” (affordance, em inglês). A pregnância é a uma característica de um objeto que permite que, intuitivamente, nós consigamos perceber sua funcionalidade sem precisar de uma explicação prévia de como ele funciona ou o que precisa ser feito com ele.
“A neurociência mostrou que perceber a pregnância pode desencadear processos neurais que o preparam para a ação física. Isso pode variar de um leve desejo a uma compulsão avassaladora, mas geralmente é necessário esforço mental para não agir de acordo com uma pregnância”, explica Paulina Sliwa, professora de filosofia na Universidade de Viena, em comunicado.
Segundo os pesquisadores, existem diferenças na percepção de pregnância entre os indivíduos. Uma pessoa pode ver uma árvore como escalável e a outra não. Os objetos oferecem uma vasta gama de possibilidades e um espectro de sensibilidade em relação a eles.
Isso também acontece com as tarefas domésticas. Devido a cultura machista, é quase como se os homens fossem programados para não perceberem certas tarefas. Quando uma mulher entra na cozinha, é mais provável que ela perceba a pregnância para determinadas tarefas, como lavar a louça ou abastecer a geladeira.
Enquanto isso, um homem pode simplesmente observar pratos em uma pia ou uma geladeira meio vazia, mas sem experimentar o “puxão” mental correspondente. Com o tempo, essas pequenas diferenças se somam a disparidades significativas em quem faz o quê.

Disparidade
de gênero
Essa divisão baseada em gênero na percepção de objetos e tarefas pode ter várias causas profundas, dizem os filósofos. As pistas sociais encorajam ações em certos ambientes, e muitas vezes são ensinadas por adultos quando somos crianças. Nossos sistemas visuais são atualizados com base no que encontramos com mais frequência.
“As normas sociais moldam as possibilidades que percebemos, então seria surpreendente se as normas de gênero não fizessem o mesmo”, disse Tom McClelland, do Departamento de História e Filosofia da Ciência da Universidade de Cambridge
“Algumas habilidades são explicitamente marcadas pelo gênero, como limpeza ou higiene, e espera-se que as meninas façam mais tarefas domésticas do que os meninos. Isso treina suas maneiras de ver o ambiente doméstico, como ver um balcão como ‘a ser limpo’ “, completa o especialista. A sensibilidade das mulheres às possibilidades domésticas não deve ser equiparada a uma “afinidade natural” pelo trabalho doméstico.
Além do policiamento individual, os pesquisadores apontam a necessidade de esforços coletivos a nível de políticas públicas para a mudança dessas normas sociais. Como, por exemplo, a licença parental compartilhada, que dá aos pais a oportunidade de se tornarem mais sensíveis às possibilidades de tarefas de cuidado.
“Podemos mudar a forma como percebemos o mundo por meio de esforço consciente contínuo e cultivo de hábitos”, disse McClelland. “Os homens devem ser encorajados a resistir às normas de gênero, melhorando sua sensibilidade às possibilidades de tarefas domésticas.”