Depois da vitivinicultura brasileira ganhar edição especial em renomada revista especializada francesa Territoires du vin (Territórios do Vinho) que dedicou uma edição exclusiva para detalhar o método vitivinícola das regiões brasileiras, produtores de uvas e vinhos franceses têm se interessado pelo Brasil. A publicação circulou no início de 2019 e priorizou a diversidade do vinho brasileiro, focando as diferentes regiões produtoras, apresentando a originalidade, a diversidade e a qualidade da produção.
Visita dos franceses
Neste início de 2020 a Embrapa uva e vinho recebeu uma comitiva de 42 pessoas incluindo viticultores, enólogos, representantes de cooperativas, consultores na área do vinho e técnicos do Instituto Francês da Vinha e do Vinho (IFV) da região Sudoeste da França visitaram a Embrapa Uva e Vinho nesta terça-feira, dia 28 de janeiro. Os franceses vieram conhecer vitivinicultura brasileira e gaúcha, em plena safra da uva e aprender mais com as pesquisas e programas da Embrapa Uva e Vinho voltadas ao setor. Palestras apresentadas pelos pesquisadores da Embrapa Uva e Vinho foram o ponto alto para avaliar as tecnologias e metologias aplicadas na serra gaúcha. O pesquisador Chefe da Embrapa,José Fernando da Silva Protas abriu o ciclo de debates apresentando um panorama do contexto sócio econômico da vitivinicultura brasileira e gaúcha, bem como o marco organizacional brasileiro no setor.
Contexto sócio econômico
Protas apresentou dados históricos que revelam que a primeira introdução da videira no Brasil foi feita pelos colonizadores portugueses em 1532, através de Martin Afonso de Souza, na então Capitania de São Vicente, hoje Estado de São Paulo. A partir deste ponto e através de introduções posteriores, a viticultura expandiu-se para outras regiões do país, sempre com cultivares de Vitis vinifera procedentes de Portugal e da Espanha. Nas primeiras décadas do século XIX, com a importação das uvas americanas procedentes da América do Norte, foram introduzidas as doenças fúngicas que levaram a viticultura colonial à decadência. A cultivar Isabel passou a ser plantada nas diversas regiões do país, tornando-se a base para o desenvolvimento da vitivinicultura comercial nos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo.
Mais tarde, a partir do início do século XX, o panorama da viticultura paulista mudou significativamente com a substituição da Isabel por Niágara e Seibel 2. No Estado do Rio Grande do Sul, foi incentivado o cultivo de castas viníferas através de estímulos governamentais. Nesse período a atividade vitivinícola expandiu-se para outras regiões do sul e sudeste do país, sempre em zonas com período hibernal definido e com o predomínio de cultivares americanas e híbridas. Entretanto, na década de 70, com a chegada de algumas empresas multinacionais na região da Serra Gaúcha e da Fronteira Oeste (município de Sant’Ana do Livramento), verificou-se um incremento significativo da área de parreirais com cultivares V. vinifera.
A viticultura tropical brasileira foi efetivamente desenvolvida a partir da década de 1960, com o plantio de vinhedos comerciais de uva de mesa na região do Vale do Rio São Francisco, no nordeste semi-árido brasileiro. Nos anos 70 surgiu o pólo vitícola do Norte do Estado do Paraná e na década de 1980 desenvolveram-se as regiões do Noroeste do Estado de São Paulo e de Pirapóra no Norte de Minas Gerais, todas voltadas à produção de uvas finas para consumo in natura. Iniciativas mais recentes, como as verificadas nas regiões Centro-Oeste (Estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás) e Nordeste (Bahia e Ceará), permitem que se projete um aumento significativo na atividade vitivinícola nos próximos anos.
Melhoramento genético
Patrícia Ritschel expôs o programa de melhoramento genético “Uvas do Brasil” com as novas variedades de uvas criadas pela Embrapa para mesa e para a agroindústria do vinho, as quais são mais resistentes a pragas e doenças, com melhores padrões de produtividade e qualidade destinadas aos diversos estados produtores do Sul, de clima temperado, ao Nordeste, de clima tropical.
Desde 1977, dando sequência às primeiras iniciativas da antiga Estação Experimental de Caxias do Sul, a Embrapa Uva e Vinho vem conduzindo o Programa de Melhoramento Genético Uvas do Brasil, voltado para a obtenção de cultivares para mesa, suco e vinho, especialmente adaptadas às diferentes condições edafoclimáticas brasileiras. Já foram lançadas 21 cultivares que têm como características uma elevada produtividade, diferentes ciclos de produção e alta resistência às doenças que atacam a cultura da videira, como o míldio e o oídio.
O germoplasma básico utilizado nos cruzamentos é obtido a partir dos materiais disponíveis no Banco Ativo de Germoplasma – Uva, mantido pela Embrapa Uva e Vinho. É o maior acervo de germoplasma de videira de toda a América Latina. A coleção tem exemplares de Vitis vinifera, Vitis labrusca e espécies tropicais selvagens como V. caribaea, V. gigas, V.smalliana e V. schuttleworthii. Híbridos interespecíficos complexos criados na Europa após a disseminação de filoxera, como ‘Seibel’ e ‘SeyveVillard’, resultados de cruzamentos entre V. vinifera e várias espécies americanas como V. rupestris, V. riparia, V. aestivalis, V. cinerea, V. berlandieri,V. bourquina e V. labrusca também fazem parte do Banco e são usados pelo Programa, principalmente como fonte de resistência às principais pragas e doenças.
O Programa de Melhoramento ‘Uvas do Brasil’ utiliza métodos clássicos de melhoramento, como seleção massal, seleção clonal e hibridações. Ações de ajuste de manejo de seleções avançadas vêm sendo desenvolvidas paralelamente ao Programa de Melhoramento, no sentido de viabilização destes materiais. Ferramentas de Biologia Avançada como micropropagação, resgate de embriões para viabilização de sementes em cruzamentos de uvas apirênicas e uso de marcadores moleculares que permitam a seleção precoce estão sendo incorporados ao Programa. Também já se faz uso rotineiro do desenvolvimento de perfis genéticos visando a proteção das novas cultivares. A pesquisadora apresentou a comitiva francesa que a Embrapa investe há 40 anos uma grande equipe técnica que executa projetos de pesquisa para atender necessidades e demandas de diferentes atores da vitivinicultura nacional, incluindo produtores de uvas de mesa para exportação do semiárido nordestino, viticultores interessados em produzir sucos em regiões tropicais ou pequenos produtores familiares da tradicional região da Serra Gaúcha, interessados em melhorar a qualidade do vinho artesanal que produzem.
Idicações geográficas
Jorge Tonietto mostrou o processo de construção das Indicações Geográficas de vinhos no Brasil, hoje com mais de 10 reconhecidas ou em fase de estruturação, num modelo assemelhado ao francês. Desde 1993, a parceria entre UCS, Embrapa Uva e Vinho, Embrapa Clima Temperado e UFRGS, em conjunto com associações de produtores de uva e vinho e instituições de apoio, resultou no reconhecimento das seguintes indicações de procedência de vinhos e espumantes: Vale dos Vinhedos, Pinto Bandeira, Altos Montes, Monte Belo e Farroupilha. Estão em processo as indicações Campanha Gaúcha, Vale do São Francisco e, agora, Altos de Pinto Bandeira. “As indicações geográficas no âmbito da vitivinicultura foram importante contribuição da UCS à sociedade regional, colaborando para que esta atividade e cultura alcançasse um novo patamar qualitativo, projeção e reconhecimento internacional”, destaca a professora Ivanira Falcade, professora do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia – Mestrado Profissional em Biotecnologia e Gestão Vitivinícola, e coordenadora institucional do trabalho pela UCS, acrescentando que as pesquisas foram viabilizadas com aporte de recursos públicos.
Geografia da produção
Celito Guerra apresentou a geografia brasileira da produção, mostrando a diversidade de tipos e estilos dos vinhos das regiões produtoras, pontuando que atualmente, a produção vitivinícola brasileira é dividida em cinco ambientes distintos, e cada um gerando produtos de tipicidades particulares. Os vinhos tropicais são obtidos em zonas tropicais semiáridas ou de altitude. Principais regiões de produção: Vale do Submédio São Francisco (Pernambuco-Bahia) e Chapada Diamantina (Bahia). Já os vinhos de inverno são aqueles obtidos em zonas intertropicais de altitude. Principais regiões de produção: Sul de Minas (Minas Gerais) e norte de São Paulo (São Paulo). O sul do Brasil produz os chamados vinhos de outono, encontrados nos planaltos de altitude de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, entre 900 m e 1.400 m de altitude. Principais regiões de produção: Planalto Catarinense (Santa Catarina), Planalto de Palmas (Santa Catarina) e Campos de Cima da Serra (Rio Grande do Sul). A serra gaúcha é a principal região produtora dos vinhos de mosaico, originários da zona montanhosa de transição entre o Planalto dos Campos de Cima da Serra e a Depressão Central (Rio Grande do Sul), entre 450 m e 850 m de altitude. Principal região de produção: Serra Gaúcha.
Os vinhos continentais, produzidos no Rio Grande do Sul, nas zonas próximas às fronteiras com o Uruguai e a Argentina. Principais regiões de produção: Serra do Sudeste e Campanha Gaúcha.
Giuliano Pereira apresentou a vitivinicultura tropical brasileira das regiões Sudeste e Nordeste, que apresentam características únicas no mundo do vinho. Segundo a organizadora da visita, a pesquisadora francesa do IFV Fanny Prezman “Nesta visita estamos podendo conhecer um país bem diverso em termos de produtos e regiões, desde a tradicional Serra Gaúcha até viticultura tropical do nordeste, o que enriquece o conhecimento e a experiência por parte dos nossos produtores”. Para o casal de vitivinicultores do Domaine de Borie-Vieille no sudoeste da França, Jean-Michel Roc e esposa: ”Os sistemas produtivos tem vínculo muito estreito com o mercado e com as demandas da sociedade, que são diversas na Europa ou na França e no Brasil. Aqui observa-se uma pressão de desenvolvimento tecnológico para produzir mais e melhor; na França já estamos buscando diversificação de produtos bem com estamos vivemos um conflito cada vez mais presente que se estabelece entre o urbano e rural. A visita ao Brasil serve para intercambiar experiências com a possibilidade de eventualmente revermos coisas que fazemos”. Para Tonietto, a vinda de uma missão tão significativa de produtores franceses para conhecer a nossa realidade mostra que o Brasil tem despertado interesse, tanto pela dinâmica quanto pela originalidade da produção vitivinícola nacional.