O pesquisidor Lucas Garrido, da Embrapa Uva e Vinho, está elaborando para os primeiros dias de abril a realização de dois encontros para apresentação de resultados de estudos.
Segundo o pesquisador “observamos que depois das colheitas o agricultor geralmente não faz nenhum trabalho em seu vinhedo e as folhas caem precocemente, o que vai refletir em qualidade na próxima safra”
O pesquisador quer mostrar aos agricultores da região, dois experimentos realizados em propriedades de Faria Lemos e Tuiuty, onde tratamentos preventivos não deixam as folhas das videiras caírem precocemente, beneficiando a planta.
Outro trabalho que o pesquisador quer compartilhar a experiência é com relação à renovação de vinhedos. “Frequentemente ouvimos dos agricultores que as plantas estão morrendo e que não adianta plantar. Vou provar com este experimento que estou trabalhando há três anos nestas duas propriedades, que há condições de conseguir renovação de vinhedos de forma eficaz”, destaca o pesquisador.
Logo após a colheita os vinhedos iniciam uma etapa de transição entre o período vegetativo/produtivo e um período de repouso, conhecido como dormência. Nesta etapa, ao longo do outono, as videiras são estimuladas a este estado de dormência pela redução no comprimento do dia e, principalmente, pelas primeiras frentes frias, com temperaturas próximas ou abaixo de 7°C. Quando a planta recebe esses estímulos, as folhas começam a senescer, perdendo a função de fixação de carbono (fotossíntese) e caem. Portanto, enquanto a videira ainda não recebeu os primeiros frios do outono, as folhas que estão sadias e funcionais são capazes de produzir reservas, as quais são importantes para a manutenção da planta durante o inverno e para o crescimento inicial da videira na primavera. Essas reservas são estocadas nos ramos, troncos e principalmente nas raízes da videira.
O processo de senescência das folhas no outono é devido à ação de hormônios vegetais, tais como ácido abscísico e etileno. Estes hormônios também são acumulados pela planta em condições de estresses físico/químicos, como falta de água, excesso de água (alagamento), toxidez por algum composto presente no solo (ex.: excesso de cobre, resíduos de herbicida, etc), mas também por estresses bióticos, como excesso de produção por planta, presença de vírus ou presença de fungos que promovem doenças de raiz, de tronco ou doenças foliares (ex.: míldio). Portanto, se as plantas no vinhedo já apresentam ao longo do ciclo condições de estresse, certamente a vida útil das folhas será muito reduzida nesta etapa pós-colheita e as plantas serão suprimidas em reservas, em vigor e em potencial de produção nos ciclos seguintes. Diante destas colocações, é imprescindível o cuidado sanitário das plantas ao longo do ciclo para que sejam também favorecidas nesta etapa pós-colheita. Isto torna-se ainda mais importante em anos com alta pluviosidade, como ocorreu na última safra.
Em virtude de que os cloroplastos das folhas são degradados no processo de senescência, as folhas da videira perdem a cor verde e se tornam amareladas no outono. Essa tonalidade amarelada é típica para variedades que produzem uvas brancas. Já nas variedades de uvas tintas, pelo fato de possuírem uma elevada concentração de antocianinas nos tecidos, as folhas senescentes apresentam colorações que variam do vermelho ao roxo ou violáceo, dependendo do pH do meio. É importante destacar que o processo de senescência geralmente se distribui de modo uniforme entre as plantas do vinhedo. Quando ocorrem variações de senescência e antecipações de quedas foliares em manchas ou reboleiras, é importante que o viticultor verifique as causas. Certamente, estes sintomas estão associados a algum fator de estresse, como a incidência de doenças fúngicas , pragas, viroses, deficiências nutricionais ou problemas na região de enxertia da planta.
Se parte significativa do parreiral está amarelada ou avermelhada e observam-se plantas com as folhas com coloração mais escura que àquela típica da senescência natural, destoando do restante do vinhedo, estas plantas podem estar afetadas por viroses ou situadas em solo com excesso de nitrogênio, resultante da presença excessiva de matéria orgânica ou adubação mineral desequilibrada. Em qualquer caso, é importante marcar as plantas com coloração diferenciada a fim de monitorá-las no ciclo seguinte. Este monitoramento consiste em observar o vigor e a produtividade destas plantas na safra, assim como realizar exames do tecido vegetal em laboratório para detectar possíveis doenças ou deficiências nutricionais. Outro sintoma que o produtor deve estar atento é a queda precoce de folhas. Nesse caso, a causa mais provável é a incidência de doenças da parte aérea, como a mancha-das-folhas, causada pelo fungo Pseudocercospora vitis (Figura 3) e o míldio, causada pelo fungo Plasmopara viticola (Figura 4).
Em termos da fase de senescência dos órgãos de parte aérea da videira, a mancha-das-folhas, causada pelo fungo Pseudocercospora vitis (anamorfo de Mycosphaerella personata) é a principal doença a ser controlada no vinhedo. A razão deste controle reside no fato de que, se a copa não estiver protegida, o processo de senescência pode ser bastante acelerado, e, por essa aceleração, a planta pode deixar de manter folhas ativas para fotossíntese e mobilização de reservas de carboidratos para as raízes. Assim, manter o vinhedo sem proteção para mancha-das-folhas, no período de pós-colheita, em sucessivas safras, pode acarretar no enfraquecimento das plantas e aumento de suscetibilidade das mesmas para outras doenças. Em termos gerais, o controle da mancha-das-folhas pode ser feito pela aplicação de fungicidas usados para o controle do míldio, exceto os cúpricos.
Além da coloração foliar, nesta etapa de transição entre colheita e dormência o viticultor deve estar atento aos sintomas de murchamento nas folhas (também cachos antes da colheita) e brotações. Estes são, geralmente, sintomas de infecção por fungos de raízes, como Fusarium oxysporum, Phaeoacremonium sp. e Cylindrocarpon destructans, sendo este último fungo o causador da doença “pé-preto” da videira. Estes fungos atacam os vasos do xilema da planta, por onde são transportados os nutrientes e a água do solo para a parte aérea. Ao interromper este fluxo, promovem o definhamento da parte aérea, a antecipação de senescência e a morte precoce das plantas. Estar atento a estes sintomas pode permitir, após a confirmação da doença por exames laboratoriais, que a planta seja retirada do vinhedo para evitar a disseminação do patógeno para as plantas sadias e para o solo. É importante salientar que, no caso destas doenças, não se recomenda o plantio imediato de nova muda no local de onde foi retirada a planta doente, pois o local pode estar contaminado com o patógeno e deve ser tratado antes de um novo plantio.
Em virtude de que o viticultor precisa evitar o acúmulo de trabalho no momento da poda de inverno, ele costuma efetuar a pré-poda no outono, a qual consiste em retirar os ramos que produziram no ano, eventualmente despontar algum ramo e proceder a seleção e amarrio dos sarmentos que vão produzir na próxima safra .
Essas operações são realizadas visando a possibilidade de se facilitar, no final do inverno, a poda seca, a qual pode ser curta, longa ou mista (ou seja, por esporão, vara ou ambas) , dependendo da variedade e do vigor das plantas. Contudo, cabe destacar que o viticultor não pode antecipar a pré-poda e a desponta dos ramos no outono antes da queda natural das folhas. Ou seja, se não esperar o processo de senescência se concretizar, ele estará propiciando uma supressão de nutrientes da planta, podendo incidir em desequilíbrios fisiológicos que impactam no vigor de crescimento, na perda de produtividade e na vida útil do parreiral.
Nesse sentido, o ideal é o produtor esperar a queda das folhas da videira para iniciar as práticas de pré-poda e esse momento varia de acordo com a variedade ou com o histórico da safra. Mas, geralmente, nas condições sul-brasileiras já é possível iniciar essas ações a partir da segunda quinzena de maio para a maior parte das variedades de videira.
Nesta etapa, após a queda natural das folhas, o produtor também pode efetuar a poda antecipada ao invés da pré-poda. A poda antecipada corresponde à execução da poda das plantas no outono já deixando a carga de gemas do ciclo seguinte. Esta prática tem sido testada na região da Serra Gaúcha em algumas propriedades e se apresenta como uma alternativa para se diluir a mão de obra na execução da poda. As plantas apresentam um comportamento de brotação muito similar às plantas que são podadas na época convencional (final de julho/agosto), inclusive com um certo atraso na data de brotação.
Essa prática ainda não está validada para todas as variedades e locais de cultivo. Neste caso, é necessário que o produtor efetue testes desta prática em poucas plantas no vinhedo, observando os impactos na produção, antes de adotar em toda área. Outro ponto importante é que, pelo fato dos ferimentos de poda nesta época de outono permanecerem mais tempo abertos, o produtor deve ter um maior cuidado sanitário com os cortes da poda.
Para isto, após os cortes é necessária a aplicação de produtos específicos, como Score na dosagem de 1 g/L, Captana (Orthocide), 2,4g/L, ou Enxofre (Kumulus) 4g/L, para evitar a entrada de fungos de madeira que podem reduzir a vida útil das plantas.
Além disso, é imprescindível que o viticultor adote a prática de desinfecção das tesouras de poda entre plantas, principalmente entre as plantas marcadas que manifestaram variações de cor e murchamento de folhas no período de senescência, conforme destacado anteriormente. No mercado, podem ser encontrados os seguintes produtos de ação desinfetante para as tesouras de poda, com suas respectivas concentrações de uso: produto comercial à base de dióxido de cloro estabilizado a 5%, diluído em água na proporção de 1 ml do produto para 1000 ml de água; Álcool 70%; Hipoclorito de sódio (água sanitária), diluído em água na proporção de 1:1 (v:v).
O acompanhamento da senescência, portanto, além de interessante no aspecto paisagístico, é uma etapa importante para a gestão do vinhedo.
Tecnologias para a viabilização e sustentabilidade em áreas de renovação
Na Região Sul do Brasil a renovação de vinhedos tem sido dificultada pela pouca disponibilidade de novas áreas para plantio, à implantação do novo Código Florestal e ao elevado valor das terras.
Em muitos casos, o replantio da videira em áreas anteriormente ocupadas por esta cultura tem se revelado um grande desafio pela ocorrência das chamadas “doenças de áreas de replantio” ou “desordens do replantio”, acarretando em grande declínio e morte de plantas, que resulta em aumento do custo de implantação e, até mesmo, inviabilidade dos novos plantios.
Um conjunto de fatores contribui para esses problemas, entre os quais destacam-se o excesso de cobre nos solos resultante de décadas de fungicidas à base desse elemento químico; adubações desequilibradas; utilização de material vegetativo de baixa qualidade sanitária; acúmulo de patógenos e pragas da videira no solo; utilização excessiva de herbicidas e má drenagem da área.
Com a utilização de tecnologias integradoras, a Embrapa busca estabelecer novos vinhedos produtivos em áreas de replantio de pequenos produtores da Região Sul do Brasil. A partir da seleção de áreas de replantio de vinhedos nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, que apresentam grandes problemas de desenvolvimento das plantas, serão implantados experimentos visando a correção de desequilíbrios contidos no solo, como a alta incidência de fungos e nematoides causadores de doenças, e a utilização de material vegetativo de alta qualidade.
Os vinhedos implantados serão acompanhadospor pesquisadores e técnicos e os resultados quantificados ao longo de três anos. Estudos paralelos estão sendo conduzidos para avaliar populações de micro-organismos benéficos e de ácaros que controlam fungos e outras pragas presentes no solo.
Cada área de replantio será alvo de diversas ações, que serão acompanhadas por pesquisadores de várias áreas do conhecimento. Anualmente, serão realizadas reuniões com técnicos e produtores para a transferência imediata dos resultados gerados.
Em termos estruturais, o projeto conta com uma rede de instituições de pesquisa, ensino e extensão, composta pela Embrapa Uva e Vinho, Embrapa Clima Temperado, Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade do Pampa Gaúcho, PROTERRA, Emater-RS e Emater-PR. Ao final do projeto, espera-se disponibilizar uma série de conhecimentos, tecnologias, práticas e processos que, se adotados de forma integrada, permitirão a recuperação ou a regeneração do solo, a fim de suportar a exploração da atividade vitícola de forma sustentável.