Autores suspeitam que quadro depressivo estaria associado a outros fatores
Um novo artigo aponta que não há evidências suficientes para confirmar a associação direta entre baixos níveis de serotonina e o desenvolvimento de depressão. A conclusão do estudo repercute em questões sobre o tratamento do transtorno psiquiátrico, já que antidepressivos atuam com base nessa compreensão.
O artigo foi publicado nesta quarta-feira (20) na revista Molecular Psychiatry. Ele é uma revisão sistemática –análise de outros estudos prévios– e é composto de 17 pesquisas que já haviam sido realizadas.
A serotonina, popularmente chamada de hormônio da felicidade, é um neurotransmissor que atua em diversas áreas do corpo humano, como humor e sexualidade. Para pessoas com quadro depressivo, foi descoberto que medicamentos – chamados de inibidores de recaptação da serotonina– que atuam no aumento dessa substância tiveram efeitos positivos no tratamento da doença.
Esses resultados benéficos resultaram em uma percepção de que baixos níveis de serotonina seriam uma importante causa da depressão. O que a nova pesquisa sugere é que não há evidências suficientes para definir isso.
Os autores observaram, com base no resultado das outras investigações, que nem todos os pacientes com depressão apresentavam baixo nível de serotonina, ou seja, o quadro depressivo estaria associado a outros fatores.
Também foi observado que a utilização de métodos para reduzir a serotonina em indivíduos sem a condição não resultou em um quadro depressivo.
As conclusões reiteram que os baixos níveis de serotonina não são necessariamente uma causa da depressão.
Rogério Panizzutti, médico psiquiatra e professor do Instituto de Psiquiatria (Ipub) da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), afirma que é importante identificar outras razões que podem ter relação com o desenvolvimento da doença.
“É uma explicação meio simplista de que o problema da depressão é a queda da serotonina”, diz ele, que não é um dos autores da pesquisa.
Panizzutti afirma que há antidepressivos que atuam em outros neurotransmissores, como na dopamina, o que sugere que existem outras substâncias envolvidas na doença. “Todos [esses remédios] têm um desfecho similar que é o tratamento da depressão.”
Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), aponta que é necessário entender o desenvolvimento da depressão por outras frentes que não somente a busca de um biomarcador que explicaria o quadro depressivo.
“Impôs-se a ideia de que a depressão não tinha nenhuma relação mais profunda com a forma de vida”, afirma Dunker, que é autor do livro “Uma biografia da Depressão” e não assinou a nova pesquisa.
Essa visão, no entanto, passou a ser questionada. O psicanalista afirma que algumas pesquisas da neurociência apontaram que existe uma interação entre cérebro e o ambiente que a pessoa vive. Dessa forma, a depressão não seria um fenômeno estritamente biológico, mas envolveria outras questões do indivíduo e do meio que o cerca.
Por isso, ele considera que a nova pesquisa é importante por abrir um leque de possibilidades no estudo da depressão e também de outras psicopatologias.
Mecanismo dos medicamentos Além de concluir que faltam evidências para confirmar a relação causal entre serotonina e depressão, a pesquisa reitera que é necessário entender melhor os mecanismos dos inibidores de recaptação dessa substância.
Um dos pontos é que, como o desenvolvimento da depressão não necessariamente decorre dos baixos níveis do neurotransmissor, os inibidores não estariam agindo diretamente na causa da doença.
Os autores também dizem que um estudo analisado na revisão sistemática observou uma diminuição de serotonina com a utilização a longo prazo dos antidepressivos. Por isso, seria necessário o desenvolvimento de novas pesquisas para entender de forma mais nítida os efeitos desses medicamentos no tratamento da doença e como eles agem no organismo humano. Os pontos ainda são objeto de debates.
Para Dunker, as dúvidas sobre os mecanismos dos antidepressivos podem gerar certas dúvidas do resultado desses medicamentos. “Como não sabemos como eles funcionam, pode ser que estejam funcionando sobre causas ou efeitos secundários”, diz.
Panizzutti reitera que remédios atuantes em outros neurotransmissores também ocasionam efeitos positivos no tratamento da doença. Para ele, isso seria um indicativo de que “provavelmente não é que todos estes sistemas de neurotransmissores estão com defeito na depressão, mas sim que, alterando a ação deles, se consegue um efeito antidepressivo”.
Ou seja, mesmo não atuando diretamente na causa da doença, esses medicamentos ocasionam uma melhora do quadro clínico do paciente, diz Panizzutti. “Isso é o que importa para a pessoa que está sofrendo com o transtorno mental.”
Marcelo Feijó, que não assina o estudo e é professor do departamento de psiquiatria da EMA (Escola Paulista de Medicina) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que as ações do remédio realmente ainda são passíveis de pesquisa.
“Não temos todo o conhecimento do que [o inibidor] produz dentro do cérebro”, afirma.
Uma explicação inicial da ação desse tipo de medicamento era que ele resultaria no aumento da serotonina no organismo por inibir a recaptação da substância. Mas Feijó afirma que novas pesquisas apontam outros mecanismos para entender os benefícios dos inibidores.
“Algumas pesquisas falam que [o aumento da serotonina] é apenas o começo da mudança”, resume.
No entanto, essa falta de conhecimento sobre o mecanismo desses remédios não seria um indicativo de que eles não funcionariam, afirma o professor. “O risco de um estudo como esse é falar que as medicações que mexem no sistema da serotonina não seriam eficazes.”
Feijó diz que, pelo contrário, pesquisas já indicaram a eficácia do antidepressivo, embora possa variar para cada paciente em razão da depressão ser uma doença multifatorial . “Para algumas pessoas funcionam super bem e para outras não”, conclui.