Colunista: Psicóloga Viviane Tremarin – Pós-graduanda em Terapia Cognitivo-Comportamental
A dependência pode ser trabalhada e evitada a partir de um estilo de vida que promova a liberdade psicológica
Em Paris tem uma famosa ponte na qual os casais fazem juras de amor eterno e prendem nela um cadeado, jogando a chave no rio, como símbolo de aquele amor será duradouro (nós temos algo semelhante em uma fonte em Gramado). Em 2014, o peso dos cadeados começou a causar danos na estrutura da ponte, o que forçou a remoção desses cadeados em 2015, junto ao apelo à população para que não pendurassem mais para não pôr em risco aquela construção, com uma campanha que sugeria aos visitantes amar sem prender.
Eu sou apaixonada pelo simbolismo desse acontecimento e sobre como a cidade lidou com algo que era tão significativo para os moradores e turistas do local promovendo a ideia de relações mais saudáveis. Mas mesmo com nossas pontes internas ruindo, continuamos colocando cadeados e grades ao redor da pessoa amada. Raul Seixas, quando cantou que o “amor só dura em liberdade” será que estava nos dando a dica que essa liberdade também precisa ser interna? Para abrir os cadeados de fora, antes é preciso abrir aqueles de dentro.
Os cadeados que pesam em nós
Quando a base da nossa vida se torna o relacionamento afetivo com o outro, quando paramos de viver para nós mesmos e passamos a viver para a pessoa amada, e custe o que custar precisamos manter essa relação, encontramos a dependência. Frases como “eu não vivo sem você”, “você é tudo pra mim”, “eu preciso de você porque sem você nada faz sentido” dão um agrado para o nosso ego e são vistas como provas profundas de amor verdadeiro, mas elas escondem um forte apego.
Isso começa a se tornar um problema quando nossa segurança, felicidade e qualidade de vida depende exclusivamente de estar com aquela pessoa, e assim como a ponte de Paris, todos esses cadeados que colocamos podem nos levar ao chão.
A dependência emocional pode nos tornar agressivos, ciumentos e hiper vigilantes, ou fazer dos nós submissos e obedientes. A dependência pode se dar por vários motivos, além do clássico medo de perder a pessoa amada e ficar só, ela também pode ser motivada pela necessidade de segurança e proteção, de confiança e estabilidade, de se sentir amado(a), de ser admirado(a), ou do bem-estar e prazer que relações afetivas proporcionam. Mas ela pode ser trabalhada e evitada a partir de um estilo de vida que promova a liberdade psicológica.
Abrindo o cadeado da dependência
A dependência te faz acreditar que a chave para abrir essa nova vida sem medo está escondida com o outro, mas você a tem ali no molho de chaves que carrega no bolso, quem sabe com essas dicas você consegue encontrá-la:
Chave da autonomia: quando confiamos em nós mesmos, perdemos o medo da solidão. Para encontrar a chave da autonomia resolva suas coisas. Não peça aos outros para resolverem aquilo que você tem capacidade de fazer e se permita errar. Aproveite a solidão, se leve ao cinema, para jantar, curta sua própria companhia e faça as coisas de acordo com as suas vontades.
Chave do propósito: quando temos um objetivo ele se torna a base da nossa existência e não a outra pessoa. Ter foco naquilo que é mais importante para você ajuda a moldar sua vida e não permite que o outro te tire do trilho.
Para encontrar a chave do propósito pratique mais seus hobbies e atividades que lhe dão prazer, pois nossos talentos enferrujam quando não os exercitamos. Não deixe a vontade de fazer aquele curso ou conseguir aquele emprego morrer, mantenha a chama acessa. Conte ao mundo para o que você serve, às vezes a oportunidade está do nosso lado.
Chave da aventura: essa é a minha preferida. Uma mente aberta ao mundo não tem medo do amanhã ou do abandono. Enfrentar o novo sabendo que não temos o controle de nada ajuda a fortalecer a tolerância a dor e a frustração e nos mostra o prazer do caminho da liberdade.
Para encontrar a chave da aventura abra mão do controle, viva o momento da forma como ele se apresenta. Aceite as experiências e permita-se explorar suas emoções sem medo de sentir.
A chave que abre todos os cadeados
Então para ter um relacionamento saudável é necessário ser totalmente desapegado e não me importar com meu par? Não, desapego não é desamor. O desapego diz sim ao amor e não a posse, ele busca uma vida em casal na qual ninguém precisa se submeter ao outro pelo medo de perder.
Não tem nada de errado em amar uma pessoa e querer dividir a vida com ela, desejar sua companhia e encontrar conforto no colo dela depois de um dia difícil.
O problema é precisar disso para ser feliz, para ter sentido na vida, para ter bem-estar. O problema é quando a gente deixa de viver pra gente e passa a viver para e pelo outro.
Se não faz mal a você e nem a ninguém, você pode fazer o que quiser – inclusive amar sem angústia.