Com benefícios comprovados em estudos, o uso do recurso cresce entre homens e mulheres; veja as diferenças e escolha a sua
A vida anda muito barulhenta. Trânsito, celulares, obras, vozes, latidos e roncos nos acompanham dia e noite. Muitos, incomodados com esses sons seja para trabalhar, estudar ou dormir, têm recorrido a outros ruídos, esses controláveis: o chamado ruído branco, que agora também tem versão rosa, vermelho, azul, cinza e verde. E a ciência garante: eles podem ajudar a conquistar certo silêncio interno.
Nossa história com ruídos artificiais é bem mais longa do que se pode imaginar. Em 1667, o arquiteto e escultor italiano Gian Lorenzo Bernini construiu a primeira máquina de white noise para tratar a insônia do Papa Clemente IX, simulando o som de uma fonte.
O white noise (ruído branco) é uma mistura de todas as frequências que os humanos podem ouvir, de cerca de 20 Hz a 20 mil Hz, todas com a mesma intensidade ao mesmo tempo. Na prática, o som lembra uma televisão ou rádio fora de sintonia.
As outras cores, basicamente, são variações do ruído branco, com base em uma comparação aproximada entre o espectro de frequência e o espectro de cores.
O pink noise (ruído rosa) é menos áspero, soa mais profundo, mais como uma forte tempestade. O brown noise (ruído marrom) valoriza ainda mais os sons graves e, com um pouco de boa vontade, lembra ondas do mar. O ruído azul (oposto ao rosa) e o violeta (oposto ao marrom) vão para o lado oposto: são muito mais agudos, como um spray de água sibilante.
Menos famosos são o ruído cinza (projetado para soar igual em todas as frequências), o verde (ponto médio do espectro de ruído branco, ou o ruído da Terra) e, por fim, o preto, que assim como representa a ausência de cores, seria o silêncio ou “ruído negativo”.
— O objetivo principal do white noise seria diminuir a sensibilidade a barulhos mais imprevisíveis e caóticos, porque ele tem constância. A gente já nasce num ambiente de barulho de fundo: o batimento cardíaco da mãe tem um ruflar, que ouvimos no útero — avalia o neurologista e médico do sono Paulo Afonso Mei, membro da Academia Brasileira de Neurologia.
O primeiro artigo científico sobre o white noise, data de 1949. Hoje já são cerca de 492 estudos sobre o tema, que serve como guarda-chuva para os novos ruídos.
Em 2016, foi feita uma pesquisa com a população de Nova York, nos Estados Unidos, e 64% relataram problemas para dormir por causa do barulho da cidade. Desses, 80% diziam sofrer com essa dificuldade três ou mais vezes por semana. Acontece o mesmo em qualquer grande cidade. Ou sempre que o vizinho for barulhento. Ou o parceiro.
Um dos estudos pioneiros é de 1990, quando pesquisadores britânicos dividiram 40 recém-nascidos em uma enfermaria de neonatologia em dois grupos: metade ficava em um ambiente com ruído branco e a outra metade com barulhos normais. Do primeiro grupo, 80% adormeciam rapidamente, enquanto apenas 25% do segundo grupo conseguiam. De lá para cá, muitos outros estudos apontaram benefícios.
— É indiscutível a indução do sono. Já dá para cravar que esses ruídos vieram para ficar e agora deve haver um refinamento dos termos — afirma Mei.
O neurologista explica que estudos com ressonância magnética funcional comprovam que os ruídos ajudam a modular vias dopaminérgicas — do neurotransmissor dopamina, que está envolvido em várias situações, inclusive no sistema de recompensa.
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Concentração
Os ruídos também são capazes de mascarar os sons inesperados, que são aqueles que costumam ativar o córtex, chamando a atenção do cérebro. Assim, quando o barulho é constante e rítmico, o sistema sensorial, que é o tálamo, filtra essa informação como algo irrelevante, que não precisa acionar o córtex. E você pode desligar, seja para dormir, ou para se concentrar em alguma coisa.
É por isso que os ruídos sonoros vêm sendo mais e mais usados também por estudantes ou pessoas que precisam trabalhar em ambientes barulhentos.
Uma revisão literária de 2019 avaliou sete estudos com crianças com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) em tarefas como leitura, velocidade de escrita e até memorização. As que haviam sido treinadas com white noise tiveram desempenho melhor.
Isso vale também para os adultos. Em 2019, um estudo australiano sobre aprendizado com 69 pessoas mostrou que elas conseguiam lembrar mais palavras novas quando tinham um ruído de fundo. Outra pesquisa do mesmo ano, no Japão, mostrou ainda que o ruído branco reduzia a latência de resposta, ou seja, se você tivesse que apertar um botão ao ver algo vermelho, faria mais rápido se estivesse sob esse tipo de som — comprovando melhora no foco e na rapidez da resposta.
Nada disso surpreende Julian Treasure, que desenvolveu cinco TEDS (conferências internacionais) sobre som e comunicação e é autor do livro “How to Be Heard: Secrets for Powerful Speaking and Listening” (Como ser ouvido: segredos para falar e ouvir com poder, sem tradução no Brasil).
— O som nos afeta poderosamente. Ele muda nossos corpos, nossos sentimentos, nosso comportamento e, definitivamente, nossa capacidade de pensar com clareza — afirma.
Sons naturais
Embora a ciência reconheça a eficácia dos ruídos, nem todo mundo gosta do “sabor do remédio”. Treasure explica:
— Agora há evidências de que o ruído artificial pode criar estresse. Isso é intuitivamente compreensível porque esses sons não são muito agradáveis e não são naturais. Você pode obter os mesmos efeitos para mascarar o barulho com sons biofílicos [ligado às coisas vivas ou à natureza] muito mais saudáveis.
O pesquisador defende que o som da água agrada à maioria das pessoas sendo “altamente eficaz e calmante” para ajudar a dormir. Já para estudar ou trabalhar, sua sugestão é o canto dos pássaros: “é excelente porque pode ajudar a mascarar ruídos indesejados, faz com que a maioria das pessoas se sinta segura e também é o despertador da natureza, nos dizendo que é hora de estarmos acordados e alertas”.
Há, inclusive, empresas que desenvolvem sons baseados na natureza e elaborados para aumentar o bem-estar e produtividade, como a Moodsonic.com. No entanto, há quem ainda prefira ouvir sua banda favorita.
— A música pode tornar o estudo ou o trabalho mais divertido, mas não o tornará mais produtivo porque é um som denso, pede muita atenção. Então, na verdade, reduz a produtividade da maioria, mesmo que se divirtam mais.
A resposta sobre qual o tipo de som perfeito para cada pessoa e em qual momento é individual.
— Todos são diferentes, então as pessoas devem experimentar para descobrir o que funciona para elas em cada situação — diz Treasure.