Em janeiro de 2006, o Senado Federal aprovou o Projeto de lei n° 144/2005 que estabelece a duração mínima de nove anos para o Ensino Fundamental. Essa mudança acabou por acrescentar um ano a mais na formação dessa etapa do ensino brasileiro. Na mesma ocasião, também foi aprovada a matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade. Efetivamente a implementação começou em 2010 no país. As consequências das mudanças, no entanto, têm surgido em 2018 com a chamada “crise do terceiro ano”, em que praticamente não há alunos matriculados no último ano do Ensino Médio em instituições de ensino particulares. Com isso, aumentou a demanda de alunos no 2º ano.
De acordo com o professor de cursinho pré-vestibular, Vagner Cruz, o impacto fez com que o número de alunos matriculados na sua instituição diminuísse em mais de 20%, quando comparado a 2017. “Em 2018 a turma nova do 9º ano chega no 2º ano do ensino médio. O terceiro ano do currículo antigo se formou ano passado. Praticamente não tem alunos de cursinho e isso afeta diretamente universidades particulares. Tenho em média 100 alunos por ano e este ano com essa crise do ‘terceirão’ estou com uma média de 75”, lamenta.
Ele explica ainda que a crise do “terceirão” aconteceu de forma acentuada nas escolas particulares de Bento Gonçalves pelo fato do município e do estado terem feito a transição das turmas no tempo correto. “A partir de 2011 começou a vigorar o 9º ano. O ano passado foi a última turma da terceira série do último currículo que se formou. No período as escolas estaduais e municipais fizeram a transição tranquila e as particulares não. Deixaram para o prazo final para se adaptarem”, salienta.
Enem teve menor número de inscritos desde 2011
Segundo Cruz as universidades particulares vão sentir de forma mais latente essa crise. “O Enem já compara que tem uma demanda menor no número de alunos”, diz. De fato, a edição de 2018 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) teve o menor número de inscritos confirmados desde 2011. Segundo o Ministério da Educação (MEC), 5.513.662 participantes estão aptos para fazer as provas de 4 e 11 de novembro. Em 2011, o exame teve 5.380.857 inscritos.
Ao todo, o Enem recebeu 6.774.891 de inscrições, mas no final o número de confirmados foi menor porque alguns inscritos não efetuaram o pagamento da taxa, de R$ 82.
Para o diretor da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) em Bento Gonçalves, Daniel Delucchi, com a redução de alunos nos terceiros anos das escolas privadas é esperado uma redução de 15% das matriculas de alunos que estariam saindo do ensino médio. “O peso de matrículas que tínhamos de alunos que vinham do ensino médio do último ciclo era de 47%, e a estimativa agora não deve chegar em 30%. Essa redução está relacionada ao cenário econômico e também a mudança na grade”, observa.
Pesquisa confirma escolas particulares sem “terceirão”
A explicação do professor Vagner Cruz vai ao encontro da pesquisa que a Gazeta fez com escolas da rede estadual, municipal e particular do município. A realidade desta última ilustra o impacto da queda de estudantes do 3º ano.
O colégio Sagrado Coração de Jesus está com 11 alunos no 3 º ano (as turmas geralmente passam de 20) e o colégio Mutirão está com uma turma de 24 alunos, quando normalmente a média ultrapassa 30 alunos. O colégio Marista Nossa Senhora Aparecida e o colégio Cenecista, que possuem ambos turmas de 30 alunos, não abriram nenhuma turma de terceiro ano em 2018. Segundo a coordenadora pedagógica do Cenecista, Margareth Demari, no ano que vem o terceiro ano ensino médio deve voltar a normalidade. A Gazeta tentou contato com o colégio Scalabriniano Nossa Senhora Medianeira, mas a responsável pelo setor pedagógico não se encontrava até o fechamento da edição.
Rede pública
Nas escolas estaduais do município, no entanto, a realidade é diferente. As seis escolas pesquisadas estão com turmas cheias de alunos nos terceiros e segundos anos. A escola Mestre Santa Bárbara, uma das maiores do município, que conta com cerca de mil alunos, tem cinco turmas de 3º ano e cinco de 2º. As turmas do último ano do ensino médio têm de 29 a 33 alunos. Segundo a supervisão da escola é praticamente o mesmo número de estudantes de 2017. Das instituições estaduais, apenas o Colégio Estadual Landell de Moura teve queda no número de turmas de um ano para outro. A instituição está com apenas uma turma de terceiro, já no ano passado a escola tinha duas turmas de 3º ano com mais de 20 alunos.
Na Escola Municipal de Ensino Médio Alfredo Aveline (que começou com o 9º ano em 2015) o número de terceiros anos se mantém parecido com 2017. Segundo a coordenação da escola, são duas turmas de terceiros anos. Uma sala com 26 alunos e outra com 29, mantendo a média do último ano.
Processo de adequação
Desde que a mudança começou a ser discutida, as escolas ficaram bastante preocupadas com o futuro dos conteúdos passados em sala de aula, sobretudo para os alunos que iriam passar pela mudança, estando eles com o Ensino Fundamental em curso. Porém, o processo foi pensado para que houvesse os menores danos possíveis aos alunos.
Assim, a implantação do processo seguiu da seguinte forma: o 1° Ano do Ensino Fundamental foi mantido com toda a sua identidade pedagógica e de instalações. Na ocasião, a intenção do MEC não representou uma ruptura com o processo anterior, mas sim uma forma de dar continuidade as experiências com o passar do conteúdo.
Seguindo as orientações, o aluno que cursou a 3ª série em 2006, no ano de 2007 passou a frequentar o 5° ano do Ensino Fundamental. Já em relação ao conteúdo, este será equivalente ao da antiga 4ª série. Em caso de transferência, de imediato, algumas escolas ainda não dispunham do processo de mudança, então, a orientação do MEC foi de que ele se encaixasse na série adequada a sua idade cronológica e conhecimentos pedagógicos.
