Certificados os primeiros vinhos brasileiros em boas práticas na produção

2015-04-10_190211
Vinícola da Serra Gaúcha cumpriu uma série de quesitos, que vão desde a redução do uso de químicos na lavoura até a preocupação com a saúde do trabalhador e a sua capacitação, entre vários outros itens que também dão segurança ao consumidor

Uma vinícola de Gramado (RS) é a primeira empresa brasileira a apresentar o selo da produção integrada em seus rótulos, certificação que atesta o emprego de boas práticas agrícolas e de produção. A chancela assegura que o produto cumpriu uma série de quesitos que vão desde a redução do uso de químicos na lavoura até a preocupação com a saúde do trabalhador e a sua capacitação entre vários outros itens que também dão segurança ao consumidor.
Após acompanhamento técnico e auditorias, os vinhos Chardonnay e um assemblage de Merlot e Cabernet Sauvignon, elaborados na Safra 2017/18, receberão o certificado e a autorização da impressão de selos da produção integrada para as garrafas do Instituto de Avaliação da Qualidade de Produtos da Cadeia Agro Alimentar (Certifica). O Programa da Produção Integrada tem a chancela do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).

Quase uma década de pesquisas científicas
A conquista do vinho certificado é o resultado de nove anos de pesquisas científicas, período no qual foi avaliado e validado todo o sistema de manejo da uva e o processo de elaboração da bebida. Segundo o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho (RS) Samar Velho da Silveira, que lidera o projeto de produção integrada, à medida que as normas propostas pela equipe técnica iam sendo avaliadas e validadas, as vinícolas parceiras já incorporavam as práticas em suas rotinas.
“A parceria com produtores nesse processo foi fundamental para conseguirmos ter um sistema que funciona na prática. É um novo momento para os vinhos brasileiros”, comemora o cientista.

Redução de uso de agroquímicos
Silveira explica que a produção integrada é um sistema de certificação que tem a sua base na adoção de boas práticas, tanto agrícolas quanto de fabricação, no qual através do uso do manejo integrado de pragas e doenças se busca a redução de uso de agroquímicos, visando à ausência de resíduos químicos, físicos e biológicos nos produtos ou, se existirem, que estejam dentro de padrões de segurança estabelecidos na legislação brasileira, oferecendo assim alimentos seguros e de alta qualidade aos consumidores.
“A Produção Integrada é a consolidação do melhor conhecimento agronômico disponível, que permite uma produção ambientalmente sustentável. Ao cumprir a normativa, os agricultores poderão certificar seus vinhos e usar o selo Brasil Certificado, diferenciando o produto no mercado”, declara.
O sistema também leva em conta o aspecto social da produção, como a saúde do trabalhador rural, isenção do uso de mão de obra infantil e o constante treinamento das pessoas. “O resultado final é uma garrafa de vinho com um selo que garante acesso a mercados exigentes e que possibilita a rastreabilidade de todo o sistema”, pontua Silveira.
Todo o histórico da produção na propriedade fica registrado nos “Cadernos de Campo” e nos “Cadernos do estabelecimento Vinícola”, que é um dos materiais auditados pela certificadora. A vinícola pode adicionar um código de barras ou um código QR ao rótulo para que essas informações possam ser visualizadas pelo consumidor por meio de seu aparelho celular ou tablet.
De acordo com Silveira, a expectativa é que outras vinícolas tenham sua produção certificada e que os viticultores de outras regiões sigam a experiência e mostrem o caminho para outras empresas.

A certificação
Para um vinho receber o selo da produção integrada, um longo caminho deve ser percorrido. O produtor deve contar com assistência técnica capacitada e habilitada em Produção Integrada de Uva para Processamento (PIUP) para conduzir as práticas de manejo no parreiral, atendendo aos princípios e às Normas Técnicas.
Dentre elas, conduzir sua área dentro das normas durante um ano prévio à certificação e ser auditado por uma certificadora independente, nesse caso, o Instituto de Avaliação da Qualidade de Produtos da Cadeia Agro Alimentar (Certifica).
Todo o processo de certificação é acompanhado a partir de uma lista de checagem detalhada, que envolve desde a produção da uva ao longo da safra no campo, começando já na época da poda, passando pela colheita, vinificação e dos testes em laboratórios terceirizados para identificar a possível existência de resíduos no vinho.
O laudo técnico do laboratório vai para a certificadora e lá são conferidas se todas as moléculas que integram a grade de agroquímicos da cultura estão dentro dos limites estabelecidos pelo Mapa e pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Se tudo estiver de acordo, a empresa emite o certificado e autoriza a emissão do selo, que contém a marca do Programa Brasil Certificado, do Mapa e da certificadora. A emissão dos selos é controlada pela certificadora que autoriza a gráfica a imprimir somente a quantidade de selos necessária para as garrafas que receberão o vinho elaborado dentro do sistema de produção integrada.
A vinícola de Gramado passou pela fase da auditoria do campo em outubro de 2017 e da vinícola em janeiro de 2018. Em abril, finalizando o processo, os vinhos foram coletados e as análises de resíduos foram realizadas em laboratório.

Conceito de Produção Integrada nasceu na Europa há 40 anos
Por meio do Plano Agro+, em novembro de 2016, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) publicou a instrução normativa contemplando as Normas Técnicas Específicas (NTE) para 13 culturas agrícolas, dentre elas a uva para processamento. Com essa publicação, criada com base na documentação elaborada pela Embrapa Uva e Vinho, os agricultores poderão aderir, de modo voluntário, às respectivas Normas Técnicas, passando a cultivar de acordo com a Produção Integrada Agropecuária (PI Brasil), voltada à sustentabilidade, preservação do meio ambiente e da saúde do agricultor e dos consumidores.
O conceito de Produção Integrada foi criado na Europa na década de 1970. Naquela época, manifestaram-se nos círculos científicos preocupações quanto ao alcance restrito do manejo integrado de pragas, como estratégia utilizada para racionalização e redução de uso de agroquímicos e de sustentabilidade da atividade frutícola.
Em 1989, estabeleceu-se um regulamento que foi aceito e reconhecido pela Organização Internacional de Luta Biológica de pragas (IOBC). No Brasil, foi criado um modelo de pesquisa e desenvolvimento pela Embrapa Uva e Vinho, inicialmente validado para a cultura da maçã, que foi o primeiro produto brasileiro a receber a certificação de Produção Integrada.
A Produção Integrada de Uva para Processamento foi desenvolvida pela Embrapa em parceria com instituições de pesquisa, de extensão e do setor produtivo, como a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Governo do Rio Grande do Sul (Emater/Ascar-RS), Tecnovin do Brasil, Cooperativa Nova Aliança e cinco vinícolas.

 

As amostras são fechadas com lacres numerados para envio ao laboratório para realização de testes – Foto: Viviane Zanella