VANESSA DAL PONTE – Advogada, pós-graduada, especialista em direito das mulheres e práticas feministas. Pesquisadora integrante do Grupo de Estudos de Gênero da UFRRJ
Você já imaginou se todas as decisões sobre métodos contraceptivos e cuidados durante o período menstrual da sua vida tivessem que ser autorizados pelo seu companheiro? Parece roteiro de filme, mas se trata de uma exigência real de alguns planos de saúde, que somente realizavam o procedimento de inserção do DIU com o consentimento dos maridos para que mulheres casadas.
Tal exigência, além de ser um retrocesso, juridicamente viola a Constituição. À primeira vista, podemos citar afronta ao direito à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III) e ao direito à liberdade (artigo 5º). Também se pode mencionar a violação ao direito à autonomia da vontade do indivíduo, no caso, da mulher em relação ao próprio corpo.
Autorizações como esta somente são exigidas em casos de esterilização, como vasectomia e laqueadura – previsão que tem pauta para o dia 09 de dezembro deste ano para ser discutida pela Suprema Corte.
O caso vem sendo acompanhado pela Agência Nacional de Saúde e Procon-SP – órgão que recebeu as denúncias realizadas.
Entretanto, o retrocesso é tão grande, que nos remete a outros direitos das mulheres que dependiam da autorização do cônjuge:
1. O código eleitoral promulgado em 1932 concedeu o direito ao voto às mulheres. As casadas, no entanto, continuavam dependendo da autorização do marido. Essa restrição só foi derrubada em 1934.
2. Até 1962, as mulheres casadas só podiam trabalhar fora se o marido permitisse. E a autorização poderia ser revogada a qualquer momento, de acordo com o que previa o Código Civil de 1916. Nele, as mulheres casadas eram consideradas “incapazes”.
3. O Código Civil de 1916 também impedia mulheres casadas de abrir conta no banco, ter estabelecimento comercial ou mesmo viajar sem a autorização dos maridos.
4. O decreto-lei 3.199 de 1941, a chamada Lei do Esporte, promulgada durante a ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas, proibiu mulheres de praticar profissionalmente esportes “incompatíveis com as condições de sua natureza”, incluindo o futebol.
5. O artigo 390 da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) veda ao empregador a contratação de mulheres para serviços que necessitem de força muscular superior a 20 kg para o trabalho contínuo ou 25 kg para o trabalho ocasional – em vigor até hoje.
A absurda exigência de autorização para uso de um método contraceptivo só traz a tona as diversas batalhas travadas, entre avanços e retrocessos, para que as mulheres tenham autonomia sobre o próprio corpo.
A luta pela igualdade segue em pauta e em voga, apesar de todas as normas existentes para igualar homens e mulheres.
Como já disse Simone de Beauvoir há algumas décadas e continua atual: “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados.
Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.”