VANESSA DAL PONTE
Advogada, pós-graduada, especialista em direito das mulheres e práticas feministas. Pesquisadora integrante do Grupo de Estudos de Gênero da UFRRJ
Crime de dano psicológico, enfim a hipocrisia!
Semana passada fiz uma análise sobre um crime de violência doméstica que mobilizou a internet, os famosos, a mídia, e culminou na prisão do agressor.
Nós vibramos, justiça foi feita! Mas se vocês me perguntarem: É assim que acontece com os “não famosos”? Infelizmente, não!
Hoje pela manhã atendi uma mulher que teve o registro policial de violência psicológica negado pois, segundo o plantonista, “o fato narrado seria uma mera perturbação do sossego” ainda, foi aconselhada, a desconsiderar e “tentar resolver no diálogo”.
Tudo isso aconteceu, a poucos dias do projeto de lei que torna violência psicológica crime, ter sido aprovado pelas duas casas do Congresso Nacional.
E sobre o projeto de lei 741/21, eu realmente lamento que tenha sido aprovado como crime de dano e não de risco, o que não nos faz prosperar muito.
E justifico: violência psicológica é um fator de risco e não de dano, o que é comprovado pela neurociência.
Segundo nossa legislação os crimes de dano exigem: nexo causal e exame de corpo de delito.
Contudo, além de não deixar marcas como uma violência física, a violência psicológica pode ocorrer hoje e o adoecimento acontecer meses ou anos depois.
E nesse caso, como a vítima poderia comprovar o nexo causal entre a violência psicológica sofrida e uma doença imunológica, por exemplo?
As implicações ao ser aprovado o crime de violência psicológica como um CRIME DE DANO é que seguirá sendo dificílimo comprovar os danos da violência psicológica.
O que teria mudado se a proposta inicial, apresentada pelo grupo de estudos Pacto Pelas Mulheres, fosse aprovada é que o crime seria de perigo, ou seja, aqueles que se consumam com a mera exposição a uma situação de risco.
A violência psicológica pode ser tão sutil que dificulta sua correta identificação, e seguirá enfrentando obstáculos para ser comprovada. Enfim, damos um passo à frente e outro para trás.
Caros leitores, só me resta concluir pedindo que se juntem a mim neste apelo: chega de hipocrisia!