A vida a ser invejada através da tela do smartphone

2015-04-10_190211
Existem diversos riscos implícitos no simples ato de publicar uma informação pessoal na rede. Sem perceber, os usuários acabam divulgando detalhes importantes acerca de sua rotina

Especialistas comentam o efeito do “exibicionsimo na web” e as consequências da ideia de uma vida boa que foi substituída pela de uma vida a ser invejada.”

Com a democratização do acesso à internet e redes sociais, foram internalizados novos aspectos comportamentais e agregados novos valores sociais. Através destes contextos,criamos muitas vezes uma realidade pré-fabricada a partir das nossas carências afetivas e emocionais, sendo as redes sociais o grande termômetro da insatisfação e insegurança das pessoas consigo mesmas.
Não é de hoje, e nem é pelo surgimento das redes sociais que as pessoas possuem a necessidade de serem notadas. Há um bom tempo às pessoas passaram a viver para serem notadas pelas outras, as redes sociais (principalmente Facebook/Orkut) apenas contribuíram para que o alcance e possível aprovação tornam-se maior.
Quase todo mundo (existem exceções) necessita da opinião de outras pessoas, sobre como ela está, se ela acha você uma pessoa feliz, uma pessoal social e por ai vai, por este motivo podemos notar que as pessoas quase que em sua totalidade possuem fotos sorrindo no Facebook, em festas, em eventos entre outros, elas querem ser notadas e querem apresentar que possuem uma vida feliz como conto de fadas.

O objetivo de postagens constantes é de gerar likes e conquistar novos seguidores

Em 12 de março de 2003, Adam Phillips, um dos mais influentes psicanalistas da Inglaterra, concedeu uma entrevista à revista Veja, que mais de uma década depois parece atualizadíssima as questões erguidas por ele, da qual se extraíram as dez denúncias abaixo numeradas:
1. Hoje as pessoas têm mais medo de morrer do que no passado. Há uma preocupação desmedida com o envelhecimento, com acidentes e doenças. É como se o mundo pudesse existir sem essas coisas.
2. A ideia de uma vida boa foi substituída pela de uma vida a ser invejada.
3. Hoje todo mundo fala de sexo, mas ninguém diz nada interessante. É uma conversa estereotipada atrás da outra. Vemos exageros até com crianças, que aprendem danças sensuais e são expostas ao assunto muito cedo. Estamos cada vez mais infelizes e desesperados, com o estilo de vida que levamos.
4. Nos consultórios, qualquer tristeza é chamada de depressão.
5. As crianças entram na corrida pelo sucesso muito cedo e ficam sem tempo para sonhar.
6. No século 14, se as pessoas fossem perguntadas sobre o que queriam da vida, diriam que buscavam a salvação divina. Hoje a resposta é: “ser rico e famoso”. Existe uma espécie de culto que faz com que as pessoas não consigam enxergar o que realmente querem da vida.
7. Os pais criam limites que a cultura não sanciona. Por exemplo: alguns pais tentam controlar a dieta dos filhos, dizendo que é mais saudável comer verduras do que salgadinhos, enquanto as propagandas dão a mensagem diametralmente oposta. O mesmo pode ser dito em relação ao comportamento sexual dos adolescentes. Muitos pais procuram argumentar que é necessário ter um comportamento responsável enquanto a mídia diz que não há limites.
8. [Precisamos] instruir as crianças a interpretar a cultura em que vivemos, ensiná-las a ser críticas, mostrar que as propagandas não são ordens e devem ser analisadas.
9. Uma coisa precisa ficar clara de uma vez por todas: embora reclamem, as crianças dependem do controle dos adultos. Quando não têm esse controle, sentem-se completamente poderosas, mas ao mesmo tempo perdidas. Hoje há muitos pais com medo dos próprios filhos.
10. Ninguém deveria escolher a profissão de psicanalista para enriquecer. Os preços das sessões deveriam ser baixos e o serviço, acessível. Deve-se desconfiar de analistas caros. A psicanálise não pode ser medida pelo padrão consumista, do tipo “se um produto é caro, então é bom”. Todos precisam de um espaço para falar e refletir sobre sua vida.”

Carência afetiva e o excesso de cliques
Vivemos em uma época em que a maioria dos internautas se classificam nas gerações y e z. São jovens adultos e adolescentes que nos trouxeram mudanças comportamentais a partir de novos paradigmas tecnológicos relacionais, e que as gerações anteriores de uma certa forma foram compelidas a se atualizar.
Com a democratização do acesso a internet e redes sociais, foram internalizados novos aspectos comportamentais e agregados novos valores sociais. Presenciamos as transformações sociais reconfigurando o processo de subjetivação das novas maneiras de se relacionar com o mundo e com o outro.
No entanto, junto às conexões, fotos, selfies e check-ins, podemos concluir que as redes sociais foi o propulsor importante para denunciar a fragilidade egoica. Necessitamos incessantemente da aprovação do outro através dos likes e comentários que elevam a nossa auto-estima. Necessitamos da validação, da aprovação do outro, em busca de convencermo-nos daquilo que não temos certeza em nós mesmos.

Candidata do MasterChef desabafou após polêmica criuada em tono dela repetir peças de roupas nos programas

A polêmica do MasterChef
Com o avanço desenfreado da internet, julgamentos e opiniões sobre estilos comportamentais e padrões de moda ficaram ainda mais evidentes. Recentemente a participante do MasterChef (reality show gastronômico), Carolina Martins, foi alvo de críticas de internautas, que julgaram o fato dela repetir as mesas peças de roupas no programa. A competidora publicou um desabafo nas redes sociais em que rebateu os comentários e revelou problemas vividos por ela na juventude e na vida adulta.
“Jovens, estou recebendo várias menções no Twitter sobre sempre usar as mesmas roupas, e acho legal compartilhar com vocês a ideologia por trás disso, pois este estilo de vida vai muito mais além das minhas vestimentas”, escreveu Caroline. Na sequência da postagem a candidata relatou que foi uma das vítimas dos padrões de beleza, e que além de se preocupar com o corpo, tinha o desejo de comprar inúmeras peças de roupas. Ela afirmou que após uma experiência nos Estados unidos, resolveu investir numa vida considerada minimalista, sem se preocupar em investir em peças caras.
Ela escreveu ainda que redireciona o dinheiro para viagens com o marido, jantares e vinhos. “Me desprender do consumismo excessivo foi uma das minhas melhores decisões. Então, coleguinhas que me perguntam, a resposta é: Sim! Só tenho estas roupas! E, Sim! Só tenho duas botinhas! Com muito orgulho!”, concluiu.

A visão da psicóloga
“A mania por cliques e de inúmeras postagens diárias representa uma característica, segundo a psicóloga Tatiane Trivilin, de uma ansiedade social relacionada à aprovação de grupos ou indivíduos. “Normalmente essas questões tem relacionando a baixa auto estima e ansiedade. É um pouco de aceitação do grupo, uma lei que todo mundo tem que estar feliz e ter um certo padrão de corpo. É um movimento grupal”, explica.
Para Tatiane, o excesso pode ser considerado um fator preocupante. “Na verdade todo o excesso é negativo e as redes sociais não são maléficas para as pessoas. As redes sociais são importantes, por exemplo, para quem tem fobia social pois se tornam uma alternativa para que essas pessoas retomem o contato social com diferentes indivíduos”, ressalva.” A era do exibicionismo digital
A era digital desencadeou um movimento dominó no mundo todo. Até o ex-presidente dos Estados Unidos embarcou nessa onda egocêntrica. Em 2013 Barack Obama, o primeiro ministro britânico, David Cameron, e a premiê da Dinamarca, Helle Thorning-Schmidt, ganharam a atenção do mundo ao registrarem um polêmico autorretrato pelo celular durante o funeral do líder africano Nelson Mandela.
Ainda que a foto não tenha ido parar em nenhuma rede social, o gesto do poderoso trio é uma marca dos dias atuais, tanto que ganhou um nome: selfie. O termo em inglês é usado para descrever fotos de si mesmo e foi eleito pelo “Dicionário Oxford” como a palavra do ano. Se antes as chances de fotografar pessoas e momentos únicos estavam restritas a, no máximo, 36 poses de um filme, hoje as novas tecnologias possibilitam infinitas tentativas, com os mais diversos conteúdos. São inúmeras as ferramentas para registrar imagens e lugares, produzir vídeos e publicá-los na internet, passatempo hoje de milhões de usuários das redes sociais. O Brasil se destaca nessa área. Uma pesquisa realizada pela Nielsen detectou que os brasileiros são os que mais usam mídias sociais no mundo, superando países mais populosos como Estados Unidos, Índia e China. O levantamento mostra que 75% da população nacional acredita que a principal função do smartphone é acessa-las.
“As pessoas gostam de se relacionar e de contar aspectos de sua vida particular às outras e a web potencializou esse comportamento”, afirma Fernanda Pascale Leonardi, especialista em direito digital. “Os brasileiros têm o hábito de se expor, de dizer que vão viajar, de contar o que compraram, mas é preciso entender que na internet há um nível insuficiente de privacidade.”
A bacharel em direito Gabriela Fonseca, 25 anos, é adepta das redes sociais desde os tempos do Orkut. Por meio dele, por exemplo, conheceu o marido, Bruno Barioni. E pelas novas plataformas descobriu um jeito inovador de organizar seu casamento. “Encontrei minha assessora por meio do Facebook e todos os fornecedores foram contratados pelo Instagram.” Um dia antes da cerimônia, Gabriela teve a ideia de pedir para seus convidados desbloquearem as redes sociais para que ela pudesse ter acesso às fotos do dia. Com isso, criou-se uma teia de amigos que compartilhavam informações sobre o evento. “Percebi que as pessoas começaram a usar mais as redes sociais durante as cerimônias”, diz. Temos, então, o que muitos críticos apontam como a sociedade do espetáculo, na qual comemorações particulares ganham ares de grandes acontecimentos públicos.

O perigo dos  compartilhamentos
O sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, da Universidade Federal do ABC, alerta: “A maioria das pessoas nem imagina o poder do compartilhamento de informações.”
Tudo o que é postado na rede deixa uma espécie de rastro virtual e pode colocar em risco a privacidade do usuário. “As redes sociais montam um banco de dados de tudo o que fazemos e as empresas vêm se aperfeiçoando nas tecnologias de monitoramento, por isso é fundamental pensar em formas de se proteger durante a navegação”, diz Silveira. Existem diversos riscos implícitos no simples ato de publicar uma informação pessoal na rede. Sem perceber, os usuários acabam divulgando detalhes importantes acerca de sua rotina.
“Não é recomendável publicar que estamos saindo de férias, que a casa ou o apartamento ficará sem ninguém”, afirma a especialista na área digital Fernanda Leonardi. “Também não é aconselhável postar fotos com crianças com roupas de praia. As imagens podem ser facilmente usadas por sites de pornografia infantil.” Além disso, o retrato ou o comentário considerado engraçado hoje pode se tornar um problema amanhã. Várias empresas olham o conteúdo do que os aspirantes a um emprego colocam na internet e, dependendo do que está exposto, eles podem perder a vaga. Outro componente importante é o cyberbullying. “As pessoas que publicam fotos com frequência tornam a sua imagem pública e ficam vulneráveis”, alerta a psicóloga Ana Luiza. “Muitos usuários perdem o controle sobre a sua imagem e não estão preparados para administrar as consequências de uma agressão que pode vir de um anônimo ou não.”

A necessidade de  autoafirmação
Para Pedro Luiz Ribeiro de Santi, líder da área de Comunicação e Artes da ESPM-SP (Campus São Paulo da Escola Superior de Propaganda e Marketing), postar constantemente acontecimentos particulares é um sinal de autoafirmação. “Antes, as pessoas obtinham reconhecimento social através da família ou do trabalho. Hoje, esse reconhecimento vem através das curtidas em um post. Os ‘likes’ parecem dar sentido à existência”, explica.
Na opinião de Bia Granja, fundadora e curadora do You Pix, site sobre a cultura de internet que se transformou em festival em 2009, a questão não é analisar se posts são ou não necessários, mas reconhecer que sempre atrairão o interesse de alguém.
“Podemos nos perguntar também a quem interessa tanta notícia, novela e uma série de coisas. Ninguém precisa saber de nada, mas as pessoas gostam de acompanhar a vida umas das outras”, afirma Bia, que diz ainda que qualquer um hoje é emissor de informação e tem uma audiência interessada nessas publicações.
“Se não fosse interessante para ninguém, a pessoa não teria seguidores, amigos, ‘likes’ e afins. Fora que quem critica a exibição alheia nunca acha a própria exposição demais, só a dos outros, não é?”, declara ela.

Popularidade e narcisismo
Uma das necessidades mais básicas do ser humano é amar e ser amado. Nas redes sociais, entretanto, a realização desse desejo se manifesta através dos “likes”, mas nem sempre essa popularidade acontece no plano real.

Para os especialistas, tanto narcisismo é um reflexo de nossos tempos. “É preciso compreender, no entanto, que o narcisismo não é simplesmente sinônimo de vaidade ou egoísmo, ele é o desespero para corresponder ao desejo e à à curiosidade do outro e, assim, se ver reconhecido”, afirma Pedro Luiz. “Trata-se exatamente de se sentir amado ou simplesmente existente aos olhos de alguém. É preciso ler esses fenômenos sem um viés moralista ou patológico que que os encare como um erro ou doença. Somos todos narcisistas e, hoje, os espelhos são as redes sociais”, completa.