Com prazo do STF para regulamentação vencido em julho de 2025 e 92% de apoio popular, a medida busca alinhar o país a padrões globais.
A licença-paternidade no Brasil, que por quase quatro décadas se manteve em apenas cinco dias, está à beira de uma transformação significativa. O Congresso Nacional debate propostas para ampliar o benefício para até 60 dias, em uma transição gradual, visando atender a uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) e alinhar o país às recomendações internacionais sobre o cuidado na primeira infância. A expectativa é que um texto seja aprovado ainda neste ano.
Pressão do STF e Aceleração Legislativa
A pauta ganhou força após uma decisão do STF em 2023, que fixou um prazo até julho de 2025 para que o Congresso regulamente o benefício. Caso o prazo não seja cumprido – o que ocorreu em 8 de julho de 2025 – a própria Corte poderá determinar o novo período de licença, podendo até mesmo equipará-lo ao tempo da licença-maternidade.
Diante dessa urgência, a Câmara dos Deputados aprovou em julho o regime de urgência para votação em plenário de um projeto de lei. Isso permite que a proposta, que tramita no Congresso desde 2008 e já foi aprovada no Senado, seja votada diretamente, sem passar pelas comissões temáticas.
Propostas e a Visão da CoPai
As propostas mais avançadas preveem um aumento progressivo da licença: iniciando com 30 dias, depois 45, até chegar a 60 dias em um período de cinco anos. O pagamento seria feito pelo INSS, nos moldes da licença-maternidade.
No entanto, o projeto de lei com urgência aprovada em julho (PL 3.935/2008) propõe uma extensão inicial de 5 para 15 dias, mantendo a remuneração e garantindo estabilidade no emprego por um mês após o afastamento.
A Coalizão Licença-Paternidade (CoPai), uma das organizações civis engajadas no debate, considera o prazo de 15 dias insuficiente. Caroline Burle, da CoPai, afirma que 30 dias de licença-paternidade é o mínimo para iniciar uma mudança cultural e estimular uma participação paterna mais ativa no cuidado dos filhos. A CoPai defende a aprovação de um substitutivo que preveja o aumento gradual para até 60 dias e, em casos específicos, até 120 dias.
Atualmente, existem cerca de 50 propostas na Câmara e sete no Senado que abordam a licença-paternidade.
Impacto Social e Econômico da Ampliação
A ampliação da licença-paternidade é vista como uma medida com amplos benefícios:
• Desenvolvimento Infantil: Estudos indicam que pais que permanecem mais tempo com os filhos recém-nascidos tendem a manter essa participação no cuidado ao longo da vida, favorecendo o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças. Essa medida pode “formar uma nova geração mais próspera”, segundo Camila Bruzzi, presidente da CoPai.
• Apoio à Amamentação e Saúde da Mãe: A presença paterna é crucial no pós-parto, especialmente para apoiar a mãe na amamentação, onde cerca de 80% das mulheres enfrentam dificuldades. A presença do parceiro pode reduzir em 160% as chances de interrupção precoce, evitando internações que custam ao SUS cerca de R$ 1 bilhão por ano.
• Igualdade de Gênero: A licença-paternidade promove a corresponsabilidade dentro do lar, dividindo melhor o trabalho entre pais e mães. Para as mulheres, o aumento da licença masculina pode contribuir para maior formalização, aumento da renda e melhores condições de ocupação no mercado de trabalho a curto e médio prazo.
• Custo-Benefício: O custo estimado para a Previdência Social seria de menos de 1% do orçamento. Além disso, pesquisas, como as do economista James Heckman (Nobel de Economia), mostram que cada real investido na primeira infância pode gerar um retorno de até R$ 7 no longo prazo.
• Alteração de Padrões Culturais: Pesquisas demonstram que a licença-paternidade tem o potencial de incentivar os homens a se envolverem mais nas tarefas domésticas e nos cuidados com os filhos, com efeitos duradouros. Esse envolvimento inicial pode levar o pai a continuar cuidando mais da criança ao longo da vida.
• Taxa de Natalidade: Em países com menor igualdade de gênero, como o Brasil, políticas de licença-paternidade podem até mesmo aumentar as taxas de natalidade, sugerindo que reduzem inseguranças econômicas e que normas culturais podem se sobrepor a preocupações financeiras.
Cenário Internacional e Desafios
Atualmente, o Brasil e o México estão entre os países com a menor licença-paternidade (cinco e sete dias, respectivamente). Países como Colômbia oferecem três semanas, Portugal 22 semanas e a Coreia do Sul lidera com 54 semanas. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda um mínimo de 14 dias. Nações como Espanha (16 semanas com remuneração integral), Islândia (26 semanas com 80% do salário) e Suécia (90 dias para cada pai, mais 300 dias compartilhados) já oferecem políticas muito mais amplas.
Um dos principais obstáculos à aprovação da medida é a resistência de alguns setores empresariais e o custo para a Previdência, especialmente para micro e pequenas empresas. Outro desafio é que a licença-paternidade hoje atinge apenas trabalhadores formais, enquanto cerca de 40% dos trabalhadores brasileiros estão no mercado informal.
Apesar dos desafios, a medida conta com amplo apoio popular, com 92% da população brasileira favorável à ampliação do benefício. Os estudos indicam que os homens de fato utilizam a licença, desde que o benefício seja direcionado unicamente a eles e intransferível às suas parceiras.

