Julgamento pode rever decreto que limitou cidadania por descendência apenas a filhos e netos de italianos, criticado por falhas como retroatividade e uso indevido de decreto-lei
A Corte Constitucional da Itália iniciou o julgamento que pode derrubar as recentes restrições impostas à cidadania italiana por descendência. O processo analisa a validade do chamado “Decreto Tajani”, em vigor desde 27 de março de 2025, que limitou o direito apenas a filhos e netos de italianos nascidos no exterior. Assim, bisnetos, trisnetos e gerações anteriores perderam automaticamente o acesso ao reconhecimento.
Embora a norma já tenha produzido efeitos imediatos, um caso julgado no Tribunal de Turim abriu espaço para revisão. Isso porque o juiz Fabrizio Alessandria considerou legítima a alegação de inconstitucionalidade apresentada pela defesa de um ítalo-descendente. Dessa forma, o processo foi suspenso e remetido para análise na Corte Constitucional.
De acordo com o jurista David Manzini, CEO da Nostrali Cidadania Italiana, se a Corte reconhecer a inconstitucionalidade, o Parlamento e o Governo poderão ser instados a revisar ou até revogar a norma. Além disso, a decisão criaria precedente obrigatório para todos os tribunais italianos, beneficiando descendentes em diversos países, principalmente no Brasil e na Argentina.
Trâmite em andamento
O processo foi formalmente aberto no dia 17 de setembro. A partir de então, advogados dos requerentes e a Avvocatura dello Stato têm 20 dias para apresentar suas manifestações, prazo que termina em 7 de outubro. Em seguida, um relator será designado para organizar o material e preparar a audiência pública, que deve ocorrer no primeiro semestre de 2026.
Segundo Manzini, há grande chance de que a Corte concentre outras ações semelhantes, transformando o caso de Turim em um processo-piloto. Assim, a decisão poderá unificar entendimentos de diferentes tribunais sobre o tema.
Fragilidades da lei
Para especialistas, o decreto apresenta pelo menos dois pontos críticos. O primeiro é o uso do instrumento de decreto-lei, que exige urgência e necessidade, mas foi aplicado em uma matéria estrutural e permanente, sem emergência concreta. O segundo é a retroatividade das restrições, que afeta direitos adquiridos e situações jurídicas consolidadas.
“Essas fragilidades tornam a norma extremamente vulnerável”, avalia Manzini. Ele ressalta que a retroatividade deve ser considerada inconstitucional, já que contraria princípios fundamentais da Constituição italiana.
Impactos possíveis
Caso a Corte declare a lei inconstitucional, os efeitos serão amplos. Entre eles estão:
– Revisão legislativa: necessidade de adequação por parte do Parlamento e do Governo;
– Efeito vinculante: criação de precedente obrigatório em todos os tribunais italianos;
– Repercussão internacional: possibilidade de restauração do direito para milhões de ítalo-descendentes, além da reanálise de processos já indeferidos com base na nova lei.
Assim, apesar das incertezas, o julgamento reacende a esperança de descendentes de italianos em todo o mundo. Afinal, se a norma cair, o direito à cidadania voltará a alcançar novas gerações, restabelecendo a continuidade do iure sanguinis.



