A Câmara dos Deputados da Itália aprovou nesta terça, 20 de maio, a nova legislação que restringe o direito à cidadania italiana para descendentes nascidos fora do país, como no Brasil. A medida, que já havia sido decretada pelo governo em março de 2025, entra em vigor de forma definitiva.
A principal alteração no texto é a limitação do reconhecimento da cidadania por descendência, que agora se restringe, em sua maioria, a filhos e netos de italianos.
A CEO da SanPietro Cidadania, Celania Minozzo Dall’Agnol, destaca que a aprovação era esperada, uma vez que o decreto precisava ser votado até o fim de maio para não perder a validade.
Impacto nas Regras de Cidadania:
Antes da nova legislação, a cidadania italiana podia ser transmitida sem limites de gerações, desde que o interessado comprovasse vínculo com um antepassado italiano que tivesse vivido após a criação do Reino da Itália (1861). Com a nova lei, impõe-se um limite geracional para o reconhecimento da cidadania, que poderá ser concedido nas seguintes condições:
Se o pai, mãe, avô ou avó mantiveram exclusivamente a cidadania italiana (ou a mantinham no momento da morte).
Se o pai, mãe ou pais adotivos residiram na Itália por pelo menos dois anos consecutivos, após adquirirem a cidadania italiana, antes do nascimento ou adoção do filho.
Exceções e Novos Prazos:
Uma emenda aprovada pelo Senado cria uma exceção para filhos menores de cidadãos italianos nascidos no exterior:
• Para nascidos até 27 de março de 2025, os pais terão até 31 de maio de 2026 para manifestar interesse pela cidadania do filho.
• Para nascidos após essa data, os pais terão um ano após o nascimento ou adoção para declarar o interesse na cidadania.
Visto de Trabalho para Descendentes Não Elegíveis:
A nova lei também prevê a criação de um visto de trabalho para descendentes de italianos que não atendem aos requisitos para o reconhecimento da cidadania por sangue. Um novo decreto do governo regulamentará os países atendidos por essa medida.
Essa alteração reflete a restrição no acesso à cidadania, mantendo, porém, alternativas como o visto de trabalho para alguns casos.
Judicialização como Caminho:
Apesar da aprovação do Decreto-Lei nº 36/2025, as recentes restrições não alteram o fato de que o processo judicial de reconhecimento da cidadania italiana continua protegido por princípios constitucionais e direitos humanos fundamentais. “Apesar da aprovação, estamos confiantes que esta lei será questionada na Justiça italiana”, afirma Celania Minozzo Dall’Agnol. “Ao limitar o direito à cidadania a apenas duas gerações, o texto rompe com a tradição constitucional e jurisprudencial italiana, além de impor obstáculos que violam convenções internacionais.”
Com a entrada em vigor do novo decreto, os consulados italianos suspenderam os agendamentos para novos pedidos de reconhecimento da cidadania. A partir de agora, a via judicial se torna o único caminho para quem ainda não havia iniciado formalmente o processo.
O cenário jurídico está em movimento rápido. Já temos processos protocolados após o decreto, com audiências marcadas ainda para este ano”, destaca Celania Minozzo Dall’Agnol. O momento é oportuno para agir. Enquanto muitas pessoas estão aguardando, outras já estão se preparando para enfrentar essa questão na esfera judicial.
Quem manifestou interesse por outras vias, como a consular, mas ainda não havia sido convocado para apresentar os documentos, deverá reiniciar o pedido na Justiça italiana. Ainda não está claro o que acontecerá com quem já apresentou os documentos e pagou a taxa consular.
A mudança não elimina o direito à cidadania, apenas restringe os meios para obter o reconhecimento, esclarece a CEO da SanPietro. “Recomendamos que quem pretende dar entrada no pedido, mesmo que não se enquadre nas novas normas, procure um especialista no assunto para avaliar possibilidades de contestação judicial.”
Análise da Inconstitucionalidade do Decreto 36/2025:
Em paralelo à judicialização da cidadania, a inconstitucionalidade do Decreto nº 36/25 está sendo analisada sob diversas perspectivas jurídicas, levando em conta tanto a Constituição Italiana quanto os direitos humanos internacionais. O Decreto pode impactar cidadãos brasileiros e descendentes de italianos que buscam o reconhecimento de sua nacionalidade, o que torna relevante sua análise sob o ponto de vista de princípios constitucionais, direitos humanos e tratados internacionais.
Inconstitucionalidade à Luz da Constituição Italiana:
A Constituição Italiana consagra uma série de direitos fundamentais, entre eles o direito à nacionalidade e à proteção da família, os quais são indisponíveis e não podem ser alterados por medidas normativas que os restrinjam ou suprimam de forma arbitrária, como o faz o Decreto 36/25.
Artigo 2 da Constituição Italiana: O artigo 2 afirma que os direitos fundamentais, incluindo o direito à nacionalidade, são irrenunciáveis. O Decreto 36/25, ao impor restrições ao reconhecimento da cidadania de descendentes de italianos, viola esses direitos.
Artigo 3 da Constituição Italiana: O princípio da igualdade assegura que todos os cidadãos devem ser tratados da mesma forma, sem discriminação. O Decreto 36/25 é considerado discriminatório, pois limita o direito de cidadãos legítimos com base em sua nacionalidade ou residência em determinados países.
Artigo 5 da Constituição Italiana: O princípio da unidade da república e da indivisibilidade do Estado italiano implica que as leis não podem fazer distinções entre cidadãos com base na origem ou residência. O Decreto 36/25 fragmenta esse princípio, ao discriminar italianos de acordo com sua origem ou local de residência.
Direito à Nacionalidade: Jus Sanguinis
A Constituição Italiana garante a cidadania aos descendentes de italianos por jus sanguinis (direito de sangue). Esse princípio é consagrado na legislação e não pode ser restringido arbitrariamente. O Decreto 36/25, ao impor novas barreiras administrativas, pode ser interpretado como uma violação ao direito fundamental do indivíduo ao reconhecimento de sua nacionalidade italiana, especialmente no caso de descendentes legítimos que atendem aos critérios legais.
Conflito com Tratados Internacionais da União Europeia:
Como membro da União Europeia, a Itália é obrigada a respeitar tratados que garantem a liberdade de circulação e direitos fundamentais aos cidadãos da UE. O reconhecimento da cidadania italiana, sendo uma extensão do direito à cidadania europeia, está sujeito à proteção jurídica prevista pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
Convenções Internacionais e Direitos Humanos:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), dos quais a Itália é signatária, garantem que todos os indivíduos têm direito a uma nacionalidade e a não ser privados dela de forma arbitrária (art. 15 da DUDH). O Decreto 36/25 pode ser visto como uma violação desses princípios, ao restringir o acesso à cidadania italiana para quem tem direito legítimo a ela por jus sanguinis.
Prejuízo ao Devido Processo Legal e à Dignidade Humana:
O Decreto 36/25 também contraria o artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garante a todos o direito à nacionalidade e proíbe sua retirada arbitrária.
Nesse contexto, o processo judicial de reconhecimento da cidadania italiana permanece protegido, pois é respaldado por direitos humanos universais e princípios constitucionais, assegurando a continuidade e a proteção desse direito fundamental.



