O que a gordura tem a ver com o diabetes

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Não é só o açúcar que importa na prevenção e no tratamento do diabetes. Também é preciso cuidar os alimentos gordurosos

Ninguém precisa ter diabetes para saber que o problema guarda íntima relação com o açúcar. Esse é um elo que grudou na cabeça da população em geral. Mas, se é preciso lidar com a sobrecarga de glicose no sangue, vale a pena considerar outro ingrediente: as gorduras. Quem avisa são pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, que acabam de concluir uma pesquisa a respeito. Antes de dar esse conselho, eles avaliaram nada menos que 11 264 indivíduos com diabetes. Durante mais de uma década, com alguns intervalos, essa turma respondeu a questionários sobre seus hábitos. Nesse meio-tempo, ocorreram 2 502 mortes, incluindo 646 por causas cardiovasculares.

Após esmiuçar os relatos dos participantes, os cientistas concluíram que um consumo maior de gorduras poli-insaturadas (presentes em pescados e em determinadas castanhas e sementes) estava ligado a uma menor mortalidade por doenças cardíacas em comparação com a ingestão abundante de gorduras saturadas (encontradas na carne vermelha, nos embutidos, nos salgadinhos…) e carboidratos. O endocrinologista Rogério Friedman, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nota que se trata de um estudo observacional — ou seja, ele não comprova causa e efeito. “De todo modo, confirma o que outros trabalhos já apontavam e reforça a importância de certas gorduras e do equilíbrio entre elas na proteção cardiovascular”, analisa o médico. Afinal, não faltam evidências sobre o papel das monoinsaturadas no controle do colesterol e da ação anti-inflamatória das poli-insaturadas, com destaque para a mais famosa integrante da família, o ômega-3.
Estratégias que blindam as artérias são fundamentais a quem convive com o diabetes, especialmente o tipo 2. É que, nesses casos, a doença costuma vir acompanhada de excesso de peso, hipertensão, além de colesterol e triglicérides elevados, uma reunião de fatores perigosos ao coração e batizada de síndrome metabólica.

Nesse cenário, um dos maiores prejudicados é o endotélio, o tapete celular que recobre o interior dos vasos sanguíneos. Ele fica mais suscetível ao acúmulo de partículas gordurosas. “Esse mecanismo serve de estopim para a formação das placas que entopem as artérias”, observa o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Para evitar o pior desfecho, um infarto ou AVC, é preciso rever atitudes — e uma delas é quanto e quais gorduras levamos ao prato.

Como pessoas com diabetes podem equilibrar a gordura no prato
No estudo de Harvard, os americanos mencionam a dieta do Mediterrâneo como um bom modelo para os diabéticos controlarem as taxas de açúcar, colesterol e triglicérides no sangue. Ela se destaca por contemplar peixes, grãos e azeite de oliva, fontes das queridinhas gorduras mono e poli-insaturadas. Mas leite e queijos também são apreciados pelos povos que vivem naquelas bandas. Logo, a tal saturada dá as caras no menu. “E ela pode entrar mesmo. É só não exagerar”, aconselha a nutricionista Maristela Strufaldi, da Sociedade Brasileira de Diabetes. Os experts pregam, aliás, que não é necessário excluir nenhum nutriente, mas modular as quantidades. Um alerta inclusive para quem segue a dieta low carb. Pesquisas apontam que ela até pode ajudar quem convive com diabetes tipo 2, desde que não seja tão radical. Quando esses planos alimentares ficam muito severos, abre-se espaço para o consumo abusivo de proteínas e gorduras.

Infelizmente, porém, equívocos à mesa não são raros. Veja o caso dos ômegas. “Notamos que a população consome pouco ômega-3 e muito ômega-6, fornecido pelos óleos vegetais”, exemplifica o médico Fernando Chueire, da Associação Brasileira de Nutrologia. Juntos, esses ácidos graxos atuam contra inflamações, mas o desequilíbrio pode provocar o efeito contrário, ameaçando as artérias. O melhor é passar longe de extremismos e dos ditos milagres — caso do óleo de coco, que, segundo diretrizes médicas, deve ser consumido com muita, mas muita moderação.
E quem não gosta de linhaça não precisa tapar o nariz e engolir só para ter sua parcela de gorduras benéficas. “Não dá para transformar o gaúcho da fazenda em um esquimó”, brinca Friedman.

O preço do abuso
“Em geral, os alimentos fontes de gordura costumam apresentar uma mistura dos tipos”, aponta a nutricionista Maria Fernanda Cury Boaventura, professora da Universidade Cruzeiro do Sul, em São Paulo. O azeite é rico em monoinsaturada, mas oferece um pouco das poli-insaturadas, por exemplo. O salmão também não é composto exclusivamente de ômega-3. Daí a sugestão de procurar conhecer a composição dos alimentos e observar os rótulos. A meta não é ficar paranoico, mas escapar dos abusos. Quem convive com esse desbalanço dos ômegas e extrapola a cota das gorduras saturada e trans (comuns nos industrializados) bagunça mesmo o organismo. A começar pelo ganho de peso. Segundo Maria Fernanda, esse padrão também alimenta a resistência à insulina, situação que deixa a glicose sobrando na circulação. E tem mais encrenca à vista: a hiperglicemia tardia. Ainda que o carboidrato seja o nutriente com maior impacto glicêmico — afinal, 100% dele é convertido rapidamente em glicose —, o excesso de comida gordurosa também pode contribuir para a escalada do açúcar no sangue.

Como se sabe, os lipídios (nome oficial das gorduras) desempenham inúmeras funções no organismo: auxiliam no transporte de vitaminas e na formação de hormônios, entre outras. Mas cerca de 10% deles se transformam em glicose. Assim, ao cair de boca em uma pratada gordurenta, a digestão tende a ser mais lenta e a elevação da glicemia pode ocorrer muito depois de comer.
Acontece que essa alteração tardia passa despercebida. É que a pessoa com diabetes é orientada a fazer a monitorização, na ponta do dedo, no período pós-refeição ou duas horas depois de se alimentar. Mas, quando há uma ingestão exagerada de gorduras, o pico de glicemia pode ocorrer após quatro ou cinco horas. Resultado: o sujeito nem toma conhecimento da hiperglicemia.
Se tais excessos forem corriqueiros, o corpo fica vulnerável a lesões nas artérias que irrigam os olhos, os rins, o coração… Portanto, priorizar as versões mono e poli-insaturadas, sem cair no consumo desmedido, é uma atitude que poupa os vasos e o organismo da cabeça aos pés. Viu só por que não adianta focar apenas no açúcar?

Alimentos para ficar de olho
Carnes gordas: cupim, picanha e bacon devem aparecer em situações bem pontuais. No geral, cortes magros (patinho, filé-mignon…) são melhores escolhas.
Embutidos: linguiça, mortadela e salame tendem a ser gordurosos e carregam boas porções de sódio, combo prejudicial aos vasos sanguíneos.
Queijos amarelos: outra turma que deve ser beliscada em ocasiões especiais. A sugestão é consumir lácteos menos engordurados no cotidiano, como cottage.
Guloseimas: biscoitos, salgadinhos, bolos e sorvetes muitas vezes levam gordura trans (hidrogenada) — a pior para a saúde. Examine o rótulo.

Itens para consumir
Peixes: apostar em espécies como salmão, atum e sardinha é uma deliciosa maneira de garantir ômega-3. Só evite empanar e fritar.
Oleaginosas: nozes, avelãs, amêndoas e as brasileiríssimas castanhas-do-pará e de caju oferecem ácidos graxos protetores. Fora as vitaminas e minerais.
Sementes: as de abóbora e girassol, assim como a chia e a linhaça, incrementam o menu com as tais poli-insaturadas e outras substâncias bacanas.
Óleos vegetais: azeite de oliva é sempre festejado porque, além de gorduras boas, é rico em antioxidantes. Mas óleos de soja e canola caem bem no dia a dia.