A cada ano a Receita aprimora o cruzamento de dados e reduz brecha para inconsistências; atenção é para omissão de rendimentos. Veja como evitar
Para detectar inconsistências, omissões ou mesmo mentiras e fraudes de contriuintes na declaração de Imposto de Renda, a Receita Federal utiliza um mecanismo muito eficiente e, ao mesmo tempo, simples: o cruzamento de informações.
Praticamente tudo o que você informa na declaração de IR é comparado com o que outras pessoas, empresas ou entidades declararam em suas próprias prestações de contas ao Fisco.
Nesse sentido, o contribuinte precisa ficar atento ao declarar informações que, se apresentarem algum problemas, vão “dedurá-lo” à Receita. Essas informações são apelidadas de “dedos-duros” e geralmente são declarações acessórias de instituições ou órgãos públicos, entidades e profissionais liberais.
Um exemplo: a empresa vai informar ao Fisco que pagou o salário de seu funcionário em 2022. Se esse mesmo funcionário se esquecer ou omitir essa informação na declaração, certamente ficará retido na malha fina.
Esses “dedos-duros” carregam o mesmo nome de outro mecanismo conhecido dos contribuintes que investem em renda variável: o imposto dedo-duro, como ficou apelidado o IR retido na fonte pelas corretoras. Ao informarem ao Fisco esse imposto, as corretoras indicam que o contribuinte auferiu lucro em uma operação e, portanto, deverá pagar IR complementar devido.
Essas informações ajudam a Receita a detectar eventuais falhas e tentativas de omissão de informações. Assim, o contribuinte precisa ficar atento na hora de fazer a declaração. Importante mencionar ainda que compreender quais informações podem ser “dedos-duros” tem como objetivo mostrar que a Receita Federal tem lastro para checar inconsistências.
Ao InfoMoney, Ricardo Ribeiro Júnior, auditor-fiscal e supervisor regional do Imposto de Renda de São Paulo, afirmou que ano a ano o cruzamento de informações vem sendo aprimorado e otimizado para verificar o cumprimento da obrigação tributária. “A malha fiscal tem a função de trabalhar as declarações conforme parâmetros pré-estabelecidos, e o seu principal objetivo é verificar com o contribuinte a correção das informações prestadas”.
Segundo ele, existe uma “quantidade enorme” de motivos que podem levar uma declaração a incidir em malha fiscal. Alguns dos principais motivos que levaram a incidir em malha as declarações do ano passado foram:
- omissão de rendimentos de pessoas jurídicas;
- omissão de rendimentos de dependentes;
- omissão de rendimentos de aluguéis;
- deduções de incentivo indevidas;
- carnê- leão e imposto complementar recolhidos a menor;
- e despesas médicas indevidas.
Diante disso, o InfoMoney contatou Giuliana Burger, advogada tributária do Velloza Advogados; Richard Domingos, diretor da Confirp Consultoria Contábil; e Danielle Bibbo, sócia-diretora de impostos da KPMG, e separou os principais responsáveis pelos “dedos-duros” na declaração.
Confira.
1. Corretoras
A lista começa destrinchando o spoiler dado acima: ao negociar ações e outros ativos de renda variável, o próprio contribuinte deve recolher impostos sobre eventuais lucros obtidos na transação.
Do outro lado, a corretora é responsável por recolher um porcentual de Imposto de Renda na fonte, de 0,005% em operações comuns; e 1% sobre operações do tipo day trade. Esse é o imposto apelidado de dedo-duro, que permite à Receita rastrear as operações que são sujeitas ao pagamento de tributos.
Essa retenção de IR na fonte serve como um aviso à Receita de que o contribuinte realizou essas operações de renda variável, mesmo que não tenha IR a ser apurado pelo contribuinte, pois este pode ter tido um prejuízo na operação.
2. Empresas
O empregador é obrigado a entregar até fevereiro de cada ano a Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF) à Receita, que informa ao governo detalhes de todos os pagamentos sujeitos à tributação feitos aos funcionários no ano anterior ao da declaração.
Assim, caso você, funcionário de uma empresa, se esquecer de informar o salário, por exemplo, certamente será retido na malha fina. É importante lembrar que a DIRF também inclui serviços prestados por profissionais autônomos, como freelancers.
E aqui vale um alerta aos autônomos que trabalharam para diferentes empresas ao longo de 2022: fique atento para não esquecer nenhum valor – esse é um dos erros que mais leva contribuintes à malha fina.
3. Bancos e outras instituições financeiras
Bancos, cooperativas, corretoras, casas de câmbio e todo tipo de instituição financeira devem enviar a Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira (DIMOF) à Receita Federal, sempre que o cliente faz movimentações que passam de R$ 5 mil no semestre, no caso de pessoas físicas.
Na DIMOF constam os dados sobre os depósitos realizados à vista e a prazo, pagamentos em moeda nacional ou por meio de cheques, resgates e aquisições de moeda estrangeira.
De forma semelhante, as operadoras de cartões de crédito também prestam contas por meio da Declaração de Operações com o Cartão de Crédito (DECRED), que é enviada à Receita todo mês que o valor da fatura do cliente ultrapassa R$ 5 mil. O documento contém dados sobre todas as transações realizadas pelo contribuinte no período.
4. Profissionais de saúde, convênios médicos e hospitais
As despesas com saúde são 100% dedutíveis para fins de IR e não têm um limite de abatimento como no caso das despesas com educação.
Exatamente por isso, esse tipo de gasto é também muito usado por contribuintes que tentam burlar a declaração para tentar diminuir a mordida do Leão ou engordar a restituição. Não à toa, os gastos com saúde também estão entre os que mais levam brasileiros a cair na malha fina.
Entre as irregularidades estão:
- a declaração de despesas sem comprovação;
- a omissão de reembolsos recebidos do plano de saúde, que reduzem as deduções;
- e a inclusão de gastos de pessoas que não são suas dependentes na declaração.
Mas a Receita tem facilidade de identificar fraudes e omissões porque ela exige que profissionais de saúde (registrados como pessoa jurídica ou física), hospitais, laboratórios e clínicas entreguem a Declaração de Serviços Médicos e de Saúde (DMED). Esse documento traz dados sobre o beneficiário do serviço e os valores pagos por ele.
Os planos de saúde também entregam à Receita a DMED com informações sobre o cliente titular e eventuais dependentes, assim como o valor mensal pago pelo plano e os reembolsos pagos por todos os familiares que fazem parte do plano.
5. Imobiliárias, construtoras e cartórios
A venda de um imóvel com isenção de imposto sobre o lucro e a posse de bens de mais de R$ 300 mil são duas entre as várias regras de obrigatoriedade de entrega do Imposto de Renda.
O contribuinte também deve recolher o imposto sobre o lucro obtido com a venda do seu imóvel, caso a transação não entre nas regras de isenção, assim como rendimentos obtidos com aluguéis.
Administradoras de imóveis, imobiliárias, construtoras e incorporadoras são obrigadas a entregar a Declaração de Informação sobre Atividades Imobiliárias (DIMOB), que relata todas as operações realizadas por elas, detalhando os valores das transações.
Os cartórios também enviam à Receita a Declaração sobre Operações Imobiliárias (DOI), que inclui todos os documentos relacionados à compra e venda de imóveis, e informa o valor exato da operação.
6. Órgãos públicos
Impostos pagos a órgãos públicos municipais, estaduais e federais também são informados ao Fisco. Na venda de imóveis, a prefeitura cobra o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), que mostra à Receita exatamente o valor recebido pelo vendedor (que pode estar sujeito à tributação, caso não se encaixe nas regras de isenção).
Da mesma forma, valores recebidos por doação ou herança estão sujeitos ao Imposto sobre Transmissão de Causa Mortis (ITCMD), tributo estadual, cujo limite de isenção, alíquota e sigla variam em cada estado. O recolhimento do ITCMD também é comunicado ao Fisco.
E os Detrans, a Capitania dos Portos e a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) informam ainda dados sobre a compra e a venda de carros, motos, embarcações e aeronaves particulares.
7. Dependentes
O número do CPF de dependentes na declaração é obrigatório e tem como objetivo evitar que o dependente seja registrado em mais de uma Declaração ao mesmo tempo. Isso facilita o rastreamento de possíveis rendimentos recebidos pelo dependente.
Vale lembrar que ao declarar o dependente, não basta informar as despesas a ele correspondente, mas também os rendimentos que ele possa ter recebido, sendo a ausência dessas informações uma das grandes causas de malha-fina para os contribuintes.
8. Outros contribuintes
O Fisco também cruza informações entre contribuintes como pagamentos de aluguéis e pensões judiciais, por exemplo. Além disso, doações de bens ou dinheiro não declaradas por uma das partes também pode fazer com que os contribuintes sejam identificados pela Receita.