Profissionais criativos têm mais chances de desenvolverem problemas mentais, diz estudo

2015-04-10_190211

Para chegar à conclusão, os pesquisadores separaram as pessoas que estudavam artes na universidade, teatro, música, artes plásticas, do restante da população. Aqueles com graus artísticos eram 90% mais propensos a serem hospitalizados por esquizofrenia do que a parcela menos criativa do povo

 

Recentemente, nas redes sociais, a relação entre saúde mental e inteligência voltou a ser alvos de debate. A bola da vez foi um tuíte viral afirmando que Van Gogh comia tinta amarela para ficar feliz. O post dizia que a tal tinta era tóxica, o que teria envenenado o pintor.
No fim, a história era mentira ,ou seja, não, Van Gogh não comia tinta amarela. Mas parece que há, sim, uma relação científica entre criatividade e transtornos psicológicos.
E é exatamente isso que fala um novo estudo feito por cientistas suecos, publicado no British Journal of Psychiatry. O estudo é gigantesco: enquanto outras pesquisas nessa linha utilizava pequenos grupos, este analisou os registos de saúde de toda a Suécia, ou seja, cerca de 4,5 milhões de pessoas.
Para chegar à conclusão, os pesquisadores separaram as pessoas que estudavam artes na universidade, teatro, música, artes plásticas, do restante da população. Depois, analisaram os casos de internação por problemas mentais no país e os relacionaram com os perfis dos indivíduos, levando em conta a separação feita anteriormente. Os resultados foram claros: aqueles com graus artísticos eram 90% mais propensos a serem hospitalizados por esquizofrenia do que a parcela menos criativa do povo.
Outros distúrbios também apareceram: os artistas possuem 62% mais chances de serem internados por transtorno bipolar e são 39% mais propensos a buscar o hospital por causa de depressão. Os pesquisadores também asseguraram que o fato de ir para a faculdade não estava diretamente relacionado com os casos, já que muitos outros universitários não apresentavam essas taxas de internação. A questão crucial era a veia artística.
E isso não é algo novo. Van Gogh é apenas um exemplo, mas diferentes gênios como Beethoven, Darwin e Sylvia Plath também sofreram com problemas relacionados à saúde mental. Em 2010, um estudo que analisava imagens cerebrais mostrou que os caminhos do pensamento esquizofrênico são muito semelhantes aos de pessoas criativas.
Mas tudo isso ainda não está claro. O autor dessa nova pesquisa, James McCabe, disse à New Scientist :”A criatividade muitas vezes envolve a associação de ideias ou conceitos de maneiras que outras pessoas não pensariam. Mas essa também é a maneira como os delírios funcionam — como, por exemplo, imaginar que a cor das roupas de alguém possa indicar que essa pessoa trabalhe no serviço secreto”.
Apesar das descobertas, o estudo não é conclusivo, já que escolheu um critério bem simples para selecionar pessoas criativas (fazer faculdade de artes) — e há gente inovadora em todas as áreas. Os novos dados podem guiar muitas novas pesquisas importantes, mas você, criativo, ainda não precisa se desesperar.

Estudo de 2005
Em 2005 um outro estudo publicado no jornal Nature Neuroscience sobre o tema havia concluído que profissionais criativos têm 25% mais chance de terem esquizofrenia ou transtorno bipolar.
Os cientistas concluíram que fatores genéticos aumentam substancialmente a chance de uma pessoa desenvolver transtorno bipolar ou esquizofrenia são encontrados mais frequentemente em pessoas consideradas “profissionais criativos”. Essa categoria abrangeria pintores, músicos, escritores e dançarinos, que teriam 25% mais chance de carregar essas variáveis genéticas do que as pessoas que os cientistas julgaram como “profissionais menos criativos” (profissionais de vendas, fazendeiros e operários).
Kari Stefansson, fundador e CEO da deCODE, empresa especializada em genética com sede na Islândia, afirmou ao The Guardian que as novas descobertas apontam fatores biológicos que levam a um link direto entre a criatividade e alguns transtornos mentais. “Para ser criativo você tem que pensar diferente. E quando nós somos diferentes, nós temos uma tendência a ser rotulado de estranho, louco e até insano”, disse.
Para chegar a essa conexão, os cientistas analisaram a genética e informações médicas de 86 mil islandeses para encontrar se existiam variáveis genéticas em comum que dobravam o risco de esquizofrenia e triplicavam o de desenvolver transtorno bipolar. Quando eles analisaram como essas variáveis estavam presente em membros que pertenciam ao meio artístico, perceberam um aumento de 17% delas em relação ao restante do grupo analisado. Os pesquisadores passaram então a verificar suas descobertas em grandes bases de dados médicas da Holanda e da Suécia . Entre essas ‘novas’ 35 mil pessoas , aqueles considerados como criativos (devido à sua profissão ou a um resultado de um questionário previamente preenchido) foram quase 25% mais propensos a ter genes que potencializavam o risco de transtornos mentais.
Segundo Stefansson, dezenas de genes aumentam o risco de esquizofrenia e transtorno bipolar. Estes podem alterar as formas em que muitas pessoas pensam, mas na maioria das pessoas, não fazem nada de muito prejudicial. Mas para 1% da população, fatores genéticos, experiências de vida e outras influências podem culminar em problemas e um diagnóstico de doença mental. “Muitas vezes, quando as pessoas estão criando algo novo, eles acabam transitando entre a sanidade e uma certa insanidade”, disse Stefansson . “Eu acho que estes resultados dão razão ao velho conceito do “gênio louco”. A criatividade é uma qualidade que nos deu Mozart , Bach, Van Gogh. É uma qualidade que é muito importante para a nossa sociedade.Mas ela vem com um risco para o indivíduo – 1% da população paga o preço caro por ela”.
Há quem, no entanto, que acredita que o estudo é insuficiente para provar uma conexão direta entre criatividade e doenças mentais. O professor de psiquiatria de Harvard foi um dos que não se convenceu. “É ir em direção àquela romântica noção do século 19 que o artiga é a aberração da sociedade, que sua arte é uma expressão de seus demônios internos. Para mim, é justamente o contrário do que o estudo mostra: pessoas criativas são desse modo não porque tem doenças mentais, mas porque usam os processos de uma forma criativa e diferente”, disse ao The Guardian.

Transtornos mentais e a arte
Um estudo de 2011 na Suécia descobriu que pessoas com transtorno bipolar tinham 1,35 mais chances de trabalharem em áreas mais “criativas”, como as artes, a fotografia, o design e a ciência. Mas a mesma pesquisa indicou que não havia diferenças quando se tratava de casos de ansiedade, depressão ou esquizofrenia.
Como a gama de profissões incluída no estudo era bastante restrita, a realidade é que suas conclusões não nos revelam se profissionais das áreas mais criativas têm mais chances ou não de desenvolver o transtorno bipolar do que aqueles que atuam em campos mais exatos.
Entre as pesquisas mais citadas quando se tenta estabelecer uma relação entre criatividade e distúrbios mentais está uma realizada pela Universidade de Iowa, nos anos 80. O estudo comparou 30 escritores com o mesmo número de profissionais que não escreviam, durante um período de 15 anos. O primeiro grupo apresentou mais propensão ao transtorno bipolar do que o segundo. Mas, apesar de popular, essa análise sempre foi bastante criticada no meio científico.
Mas mesmo que os resultados não sejam precisos, há um importante elemento de causalidade. Será que os supostos benefícios criativos do transtorno bipolar tornaram os escritores mais propensos a escolher essa profissão, ou será que os sintomas os impediram de seguir carreiras mais “convencionais”? É difícil saber a resposta.
Estudar pessoas famosas ou personalidades de destaque em suas áreas de atuação é um recurso muito usado por pesquisadores que tentam encontrar a relação entre transtornos mentais e a criatividade. Há registros de análises feitas no início do século 20, e que não conseguiram estabelecer essa ligação.
Então, se os indícios são tão duvidosos ou sequer existem, por que temos a percepção de que a genialidade está atrelada a algum distúrbio mental?
Um dos motivos é, na realidade, uma intuição de que pensar de maneira diferente ou vivenciar a energia e a determinação durante um episódio de mania podem ajudar a aumentar a criatividade.
Alguns cientistas argumentam que essa relação é ainda mais complexa, e que esses transtornos permitem que os pacientes pensem de uma maneira mais criativa, mas que fases mais agudas de um distúrbio na realidade até inibem a criatividade. A depressão, por exemplo, é algo que pode “sugar” a motivação.
Muitos estudiosos, no entanto, argumentam que a ligação entre criatividade e doenças mentais é algo muito evidente quando ocorre. Histórias como a de Van Gogh decepando a própria orelha em um momento de loucura (e décadas de especulação sobre se isso realmente aconteceu) tornam o caso vívido em nossas mentes. Não somos alimentados com imagens de artistas criando obras geniais e sendo felizes ao mesmo tempo.

Artistas consagrados que sofreram com problemas mentais

Ludwig van Beethoven
(1770 – 1827)
Um dos mais lendários compositores da História, Beethoven sofria de depressão e de transtorno bipolar. Ele ia de um extremo enérgico criativo à melancolia profunda, com tendências suicidas. Estudiosos dizem que essa condição piorou bastante a partir dos 26 anos, quando desenvolveu a surdez. Ele morreu de cirrose hepática, por ter se tornado alcoólatra.

Machado de Assis
(1839 – 1908)
Um dos maiores escritores em língua portuguesa, Machado de Assis era constantemente assolado pela tristeza e pela melancolia. A depressão aumentou com a morte da esposa, em 1904. O tema da depressão também é recorrente em sua obra.

Vincent Van Gogh
(1853 – 1890)
Um dos maiores gênios do movimento pós-impressionista, Van Gogh teve uma vida miserável. A depressão, a bipolaridade, as alucinações e a epilepsia levaram o pintor holandês a cometer suicídio dois anos após cortar um pedaço da própria orelha direita. Especialistas acreditam que ele também sofria de xantopsia, por isso via os objetos mais amarelados e intensificava essa cor em seus quadros. Van Gogh ainda era viciado em absinto, a bebida mais famosa entre os boêmios franceses da época.

Edvard Munch
(1863 – 1944)
Célebre pintor norueguês, Munch sofria de depressão e agorafobia, que é o medo de ficar em espaços abertos e com muitas pessoas. Munch também teve colapsos nervosos e sofria de alucinações. Supostamente, esses delírios teriam inspirado o pintor a produzir sua obra prima: “O Grito”, em 1893.

Ernest Hemingway
(1899 – 1961)
Um dos maiores escritores norte-americanos do século passado, Hemingway teve uma vida bastante conturbada. Seu pai se suicidou quando ele tinha 29 anos, fazendo com que o tema do suicídio fosse recorrente em sua obra. Sofrendo de depressão, perda de memória, diabetes e hipertensão, Hemingway se matou com a mesma pistola de seu pai, que sua mãe lhe enviara pelo correio alguns anos antes.

Clarice Lispector
(1920 – 1977)
Ucraniana naturalizada brasileira, Clarice é uma escritora renomada e adorada até hoje. Suas obras incluíam muitas tramas psicológicas em temas cotidianos. Depois de sofrer queimaduras graves no braço e na mão, por ter dormido com um cigarro aceso, Clarice desenvolveu depressão. Ela também teve depressão pós-parto com o nascimento de seu filho Pedro, que viria a desenvolver esquizofrenia.

Sylvia Plath

(1932 – 1963)
Uma das maiores poetas norte-americanas do século passado, Sylvia Plath sofreu de depressão durante toda sua vida. Em 1962, ela escreveu “A Redoma de Vidro”, livro em que detalha sua luta contra a doença. No ano seguinte, aos 30 anos, Sylvia cometeu suicídio por não suportar mais viver deprimida. Teve o cuidado de trancar os filhos pequenos no quarto e deixar a janela aberta, já que iria enfiar a cabeça no forno e ligar o gás. Tragicamente, em 2009, seu filho também cometeu suicídio por não suportar a depressão.