Em 12 anos da Lei Maria da Penha, números de registros de violência sofrida pela mulher é ainda considerado pequeno

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Quando comparada a outras cidades com população entre 100 e 130 mil habitantes, Bento fica equiparado

2017 terminou com 262 casos de registros de agressões. De janeiro a junho deste ano foram registrados 133 casos de lesão corporal

 

Em agosto é lembrado os 12 anos da criação da Lei Maria da Penha, criado em 7 de agosto de 2006. Mesmo com a lei, que tem por objetivo proteger a mulher de agressões, os casos envolvendo ameaças, agressões, estupros e feminicídio apresentam variações de um ano para outro, fazendo novas vítimas a cada mês. Nos últimos seis anos foi registrado em Bento Gonçalves pelo menos 15 casos de tentativa de feminicídio e outros cinco casos consumados de assassinatos de mulheres. Dos últimos anos, 2015 desponta como o mais violento, com o registro de 275 casos de agressões contra a mulher. 2017 terminou com 262 casos de agressões. De janeiro a junho deste ano foram registrados 184 relatos de ameaças, 133 de lesão corporal, além de nove estupros.
Quando comparada a outras cidades com população entre 100 e 130 mil habitantes, Bento fica equiparado. Em Santa Cruz do Sul (cidade com 128 mil habitantes) foram registrados 225 casos de ameaças, 130 de lesão corporal e 11 de estupro. Uruguaiana (com mais de 116 mil habitantes) tem 218 casos de ameaças, 165 envolvendo lesão corporal e 11 estupros. Bagé (com 121 mil habitantes) registrou 257 casos de ameaças, 154 de lesão corporal e nove estupros. Caxias do Sul, com uma população aproximada de 500 mil habitantes, desponta como a mais violenta. Somente nos seis primeiros meses deste ano foram registrados 597 casos de ameaça contra mulheres, 366 de lesão corporal e 34 casos de estupro.
Para a delegada do Departamento Estadual da Criança e Adolescente (Deca) Adriana Regina da Costa, os dados não refletem a realidade que existe acerca da violência doméstica. Para ela o aumento de registros significa que as mulheres estão perdendo o medo de registrar casos de agressões. “Bento e Bagé são duas cidades que tem a Deam, então as mulheres ficam mais a vontade para registrar. Tem um trabalho de prevenção bem importante, que as vezes não tem e outras cidades, que é o trabalho com o homem. É um trabalho importante”, afirma.

Números do Estado e do país
De janeiro a junho deste ano, 38 mil ocorrências de violência contra a mulher foram registradas no Rio Grande do Sul. No ano de 2016, foram assassinadas 4.645 mulheres no país, o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras. O aumento em dez anos foi de 6,4% – em 2006, foram mortas 4.030 mulheres no Brasil e a taxa de homicídio feminino ficou em 4,2 por grupo de 100 mil.
Os dados fazem parte do estudo Atlas da Violência 2018, apresentados no início de junho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
A situação se agrava quando consideradas apenas as negras, que inclui as mulheres pretas e pardas. Enquanto entre as mulheres negras a taxa de homicídio ficou em 5,3 por grupo de 100 mil em 2016, entre as não negras, englobando brancas, amarelas e indígenas, a taxa foi de 3,1, uma diferença de 71%.
“Nos últimos 10 anos a taxa de homicídios de mulheres não negras diminuiu 8% e no mesmo período a taxa de homicídio de mulheres negras aumentou 15%. Ou seja, é necessário que haja uma focalização das ações do Poder Público, no sentido de reverter esse cenário trágico que a gente pode ver a partir do Atlas”, destacou o pesquisador do FBSP David Marques.
Em 12 estados, o aumento da taxa de homicídio de mulheres negras foi maior do que 50%, sendo dois deles superior a 100%, Amazonas e Rio Grande do Norte. Em Roraima o aumento de assassinatos de mulheres negras em 10 anos foi de 214%. Goiás apresenta a maior taxa de homicídio de negras, com taxa de 8,5 por grupo de 100 mil. No Pará foram assassinadas, em 2016, 8,3 mulheres negras para cada grupo de 100 mil e em Pernambuco a taxa ficou em 7,2. São Paulo, Paraná e Piauí tem as menores taxas de homicídio de mulheres negras do país, com 2,4, 2,5 e 3,4 por 100 mil, respectivamente. Em sete estados houve redução da taxa no período, entre 12% e 37%.
Entre as mulheres brancas, houve crescimento no número de assassinatos superior a 50% em seis estados. No Tocantins o crescimento, entre 2006 e 2016, chegou a 131,5%, na Bahia 148,4% e no Maranhão houve aumento de 246,9% na taxa de homicídio de mulheres não negras. O estado mais violento para esse grupo é Roraima, onde 21,9 mulheres não negras são assassinadas a cada grupo de 100 mil, seguido de Rondônia, com taxa de 6,6, e Tocantins, com 5,7. Os estados que menos matam mulheres não negras são o Piauí, com 0,8 por 100 mil, Ceará, com 1, e Alagoas, com 1,3. Excluindo Roraima, nenhum estado tem taxa de homicídio de não negras superior a 7 por 100 mil, enquanto entre as mulheres negras apenas sete estados tem taxas abaixo de 5.

Feminicídio
Segundo a publicação, a base de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade não traz indicação sobre a motivação dos homicídios, portanto não é possível identificar o crime de feminicídio. No entanto, os pesquisadores apontam que a mulher assassinada muitas vezes já foi vítima de outras violências de gênero, como violência psicológica, patrimonial, física ou sexual e que, portanto, o desfecho fatal poderia ter sido evitado em muitos casos se as mulheres tivessem tido apoio para sair de um ciclo de violência.
A publicação traz uma análise sobre as possibilidades para estimar o número de feminicídio no país e cita metodologias desenvolvidos por pesquisadores. Uma delas busca separar os assassinatos motivados pelo fato de a vítima ser mulher em três categorias, de acordo com os indícios prévios do contexto social e doméstico da vítima: feminicídio reprodutivo, feminicídio doméstico e feminicídio sexual.
Nessa abordagem, o feminicídio reprodutivo inclui casos de morte após aborto voluntário, já que decorre de “políticas de controle do corpo feminino e de supressão da liberdade e de direitos”. O feminicídio sexual inclui os casos de agressão sexual por meio de força física, o que é tipificado no código penal como estupro seguido de morte. E o feminicídio doméstico pode ser estimado pelo local de ocorrência.

Alteração da Lei Maria da Penha
No último dia 14 o plenário da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que altera a Lei Maria da Penha para que delegados e policiais possam conceder medidas protetivas. Hoje a autorização é judicial. Proposta similar foi vetada pelo presidente Michel Temer em novembro de 2017.
De acordo com o PL, se houver risco à vida ou à integridade física da mulher ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado de casa por delegado de polícia, quando o município não for sede de comarca ou por policial, quando não for sede de comarca e não houver delegacia disponível no momento da denúncia.
Nesses casos, a concessão de medida protetiva deverá ser comunicada em até 24 horas ao juiz, que decidirá em igual prazo sobre a manutenção ou não da decisão. Hoje, o prazo é de 48 horas para a polícia comunicar o juiz sobre as agressões, para que então ele decida.
O texto estabelece também que medidas protetivas de urgência serão registradas em banco de dados mantido e regulamentado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que poderá ser acessado pelo Ministério Público, Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social.