‘Déficit de natureza’ o novo problema das cidades

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Atualmente, as crianças não brincam mais, nem na rua e nem em casa. Tablets, televisões, celulares, tudo isso que existe hoje acaba deixando as crianças paradas e catatônicas em frente dessas tecnologias, além do fato de: todo mundo prefere morar em prédios do que em casa na cidade. Com isso, o contato da criança com a natureza está diminuindo muito.
Para o americano Richard Louv, autor do livro A Última Criança na Natureza, essa constatação nada tem a ver com um saudosismo barato. Mas, sim, com os impactos negativos causados pelo o que ele chama de Transtorno de Deficit de Natureza.
Em visita a São Paulo para o lançamento de seu livro, Louv contou que ele começou a se interessar pelo tema no início dos anos 90, quando fazia pesquisas para seu livro Childhood’s Future (“O Futuro da Infância”, em tradução livre).
“Entrevistei mais de 3 mil pais e professores. Queria saber deles sobre como o cenário da infância estava mudando. E uma constante nos depoimentos foram pais reclamando de que não conseguiam tirar seus filhos de casa. Mesmo se morassem perto de áreas verdes “, disse.
“Somente há menos de 10 anos surgiram as primeiras pesquisas sobre isso – e todas apontam para a mesma direção: a falta de contato das crianças com a natureza causa problemas físicos, como a obesidade, e mentais, como depressão, hiperatividade e deficit de atenção.”
Louv também aponta medidas simples que pais, educadores, médicos e o poder público podem adotar para evitar o “deficit de natureza” até mesmo em grandes metrópoles. Foram feitas algumas perguntas para o escritor, segue abaixo:

Ainda há esperança para as crianças que vivem em cidades como São Paulo ou outras do estilo “selva de pedra”?
Richard Louv – (Risos). Sim, é claro que há esperança! Vi experiências muito interessantes em cidades na China e também em Atlanta, Chicago e em outras metrópoles americanas que podem ser comparadas com as brasileiras. São escolas e associações que estão usando hortinhas, caminhadas em bosques e outras soluções simples para combater uma série de novos problemas que atingem muitas das crianças de hoje, por estarem tão afastadas da natureza.

Quais exatamente são esses novos problemas? São físicos ou mentais?
Richard – Os dois. Na parte física temos, por exemplo, a obesidade infantil, que hoje é epidemia em vários países mundo afora, inclusive, até onde eu sei, no Brasil. (47% das crianças brasileiras têm excesso de peso ou são obesas). As crianças hoje passam menos horas ao ar livre e, consequentemente, mais tempo confinadas em casa, vendo TV ou jogando videogame. Essa é uma das grandes causas da obesidade infantil. Meninos e meninas que ficam na frente de telinhas são menos ativos do que os que correm no parque, sobem em árvores…
E os transtornos psicológicos?
Richard – São muitos e são novos. Porque até a poucos anos atrás, era raro os pediatras atenderem crianças bem novas com sintomas de depressão. Também posso citar transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH), além de problemas cognitivos.

Como a natureza pode amenizar esses problemas?
Richard – Hoje, há muitos estudos mostrando que o contato com a natureza – ainda que pequeno e por pouco tempo – pode reduzir os sintomas desses distúrbios.
Uma pesquisa de um grupo na Universidade de Chicago que estuda distúrbios de atenção entre crianças comprovou que meninos e meninas de 5 anos tiveram uma melhora significativa com caminhadas curtas em parques.
Pesquisadores da Universidade de Essex também mostraram impactos psicológicos mensuráveis em adultos depois de apenas cinco minutos andando entre árvores. Porque adultos, obviamente, também se beneficiam do contato com a natureza.

Você acha que conviver com a natureza é mais eficiente do que receitar remédios?
Richard – Veja, não estou dizendo que remédios como a Ritalina (usado para o tratamento de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, por exemplo) são ruins. Eles podem ser muito úteis para alguns casos. Mas quando há escolas nos EUA em que 30% dos meninos tomam Ritalina, sabemos que algo não está certo. E os pediatras sabem disso. (O Brasil é o segundo maior consumidor do medicamento no mundo, com cerca de 2 milhões de caixas vendidas em 2010 – um aumento de 775% na última década, segundo a Anvisa.)

E o que acontece com essas crianças que são taxadas de hiperativas quando elas passam mais tempo em áreas verdes?
Richard – Essa mudança costuma ser visível e rápida. Vou dar um bom exemplo. Recebo muitos comentários de professores que passaram a incluir mais passeios ao ar livre em suas turmas. E, juro, perdi a conta de quantos professores me falaram exatamente a mesma coisa, com praticamente as mesmas palavras: “Richard, é impressionante. Meu aluno que é encrenqueiro na classe se transforma no líder quando estamos no parque”. E o que estamos fazendo com essas crianças? Dando Ritalina.

Isso também mostra como o papel da escola é importante, não?
Richard – Com certeza. Eu diria inclusive que, as escolas devem liderar o caminho de resgate do convívio das crianças com a natureza, já que as áreas verdes são poucas e a vida dos pais é corrida.
E há estudos mostrando que uma educação baseada no meio ambiente melhora o aprendizado não somente em áreas ligadas à ciências da terra, por exemplo, mas também em idiomas, matemática, história.
Mas como isso acontece?
Richard – Há muitos exemplos. São alunos aprendendo a somar ou dividir na beira de lagos. São escolas que exploram as áreas verdes não só em suas dependências, mas também no bairro.
Há dados impressionantes mostrando como alunos de escolas baseadas no meio ambiente se saem melhor em testes tradicionais e também desenvolvem melhor a capacidade de ter um pensamento crítico, de solucionar problemas, de tomar decisões, entre outras características cognitivas.

E esses impactos positivos se dão sempre que a criança tem mais contato com a natureza, seja na escola ou não?
Richard – Exato. Pegue os exemplos dos parquinhos. Há dois tipos: os com brinquedos estruturados (escorregador, balanço, etc) e os chamados “playgrounds de aventuras”, em que em vez dos pisos de cimentos, temos terra, areia, grama; e não tem brinquedos prontos, e sim tocos de madeiras, morros e afins.
Pesquisas mostraram que crianças brincando nesse playground natural tinham uma propensão muito maior de inventar seus próprios jogos, de convidar outras crianças para a brincadeira, inclusive crianças de outras idades e outros gêneros, e de brincar de uma maneira mais cooperativa. É isso que a natureza proporciona para as crianças.

Para uma criança mais velha, com 10 ou 11 anos por exemplo, é tarde demais para reconquistar esse convívio com o ambiente natural?
Richard – De jeito nenhum. Nunca é tarde demais. É claro que o ideal seria começar isso desde de bebê até os 3 anos. Mas o nosso cérebro tem o que se chama de plasticidade. E graças a ela abrem-se janelas para mudar o caminhos neurológicos que usamos para aprender ou perceber coisas novas em qualquer idade.

Qual o papel dos pais nessa retomada de contato das crianças com a natureza?
Richard – Como em tudo, os pais precisam ser exemplos. Precisam também usufruir da natureza – mesmo porque isso é benéfico para todas as idades. Precisam proporcionar passeios ao ar livre para as crianças, mostrar a importância desse contato…

E será que os pais que vivem dias corridos nas cidades dão conta disso também?
Richard – É importante é deixar claro que não é preciso ir acampar toda a semana, fazer trilhas na mata todo dia. O convívio com a natureza se dá também em atos simples, compatíveis com o dia a dia corrido das famílias atuais.
É ter uma hortinha em casa ou até na varanda do apartamento, é aproveitar áreas ao ar livre como quadras esportivas, quando não houver um super parque perto de casa. E até mesmo ler Tom Sawyer ou outros livros que despertem o encantamento das crianças com a natureza.