Coluna | Que lentes você tem usado para seu filho a ver o mundo?

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Sad father and son are sitting on the windowsill of the brick building (Emotions) sad man,sad son,loading dock,homeless,windowsill,brick building

Viviane Tremarin – Psicóloga e Pós-graduanda em Terapia Cognitivo-Comportamental

As frases que a criança ouve e as experiências que tem com os pais podem dizer muito sobre o tipo de adulto que ela se tornará.

Quando o assunto é a criação dos filhos não existe uma receita pronta. Seria tão bom se pudéssemos apenas seguir um manual que nos ensina como dar uma educação adequada, e apesar de ser possível encontrar vários livros de orientação a pais, cada ser é um ser, e nem sempre esses livros genéricos trazem a solução para os problemas que encontramos na parentalidade.
Apesar disso, sempre podemos escolher fazer o melhor dentro do possível para auxiliar no desenvolvimento das nossas crianças, afinal, isso refletirá no adulto que elas se tornarão.

Usando um óculos com a lente embaçada
Na minha prática clínica, trabalho principalmente com as crenças. Não aquela que a avó dizia sobre não fazer careta no vento porque isso iria congelar o rosto daquela forma. As crenças que trabalhamos dizem respeito a forma como a pessoa se vê e como vê o mundo. O que ela acredita sobre si e sobre os outros. Todos temos nossas crenças, e elas são como óculos que usamos para interpretar a vida. Algumas funcionam muito bem e nos levam adiante.

Mas algumas delas funcionam como óculos que estão com o grau alto demais ou estão sem lente. Às vezes nossas interpretações são incoerentes por conta dessa forma aprendida de ver o mundo. Essas crenças podem envolver por exemplo, uma certeza muito forte de que se é incompetente e nunca terá sucesso em nada, pois a pessoa está fadada ao fracasso. A afirmação, que a pessoa faz a si mesma, que não é digna de amor e, portanto, rejeição fará parte da sua vida. E a convicção de que ninguém a aceita, tornando-a alguém sem valor. Elas podem ser vistas em falas como “eu não sou boa o suficiente”, “eu sou incompetente”, “eu não sou amada e não tenho nada de bom a oferecer”, “eu vou ficar sozinho para sempre”, “eu não sou nada, sou um lixo”.

Mas o que isso tem a ver com a criação dos filhos que eu mencionei no início? É ali que a maioria dessas crenças surgem. Quando eu pergunto ao paciente algo como “você se lembra da primeira vez em que se sentiu insuficiente?” normalmente essa memória vem da infância e envolve algum dos pais ou cuidadores. E isso vai de encontro a teoria, que nos diz que os anos iniciais são fundamentais para o desenvolvimento pessoal. Fazer o melhor na criação dos filhos inclui o tipo de mensagem que estamos passando a eles enquanto eles crescem.

Às vezes vemos pais dando bronca nos filhos enquanto usam de insultos e rótulos: “você não faz nada direito!”, “que nota é essa? Você é burro!”, “você devia ser mais como seu irmão, ele sim me dá orgulho!”. E quando olhamos para isso de forma isolada, não parece demonstrar um problema tão grande, os pais também se frustram com seus filhos, mas qual o resultado dessa educação a longo prazo?

Vendo o mundo como ele é
Uma criança em desenvolvimento não sabe quem é, são as pessoas ao redor dela que servirão de espelho para que ela se reconheça. Uma criança que passa a infância ouvindo dos pais que é burra, que é feia ou que não tem valor, pode internalizar isso, ou seja, ela pode pegar essas falas para si e se enxergar dessa forma. Não significa que ela seja assim, significa que ela desenvolveu uma crença que faz ela se ver dessa forma. Ela está usando aqueles óculos com lentes alteradas. E a forma como percebemos e interpretamos a realidade diz respeito a como iremos nos comportar no mundo.

Uma pessoa que cresceu ouvindo dos pais que era burra, pode se considerar incompetente na vida adulta e evitar fazer atividades novas, ou buscar um emprego melhor, ou terminar a faculdade, afinal, ela acredita não vai conseguir já que é “burra”. As crenças disfuncionais que aprendemos na infância boicotam nossos passos no futuro. Quando olhamos a longo prazo, os resultados podem ser bem danosos, limitantes e incapacitantes para as pessoas. As crenças disfuncionais vão aparecer em todos os aspectos da vida, no trabalho, nos relacionamentos, no lazer e aonde mais você puder imaginar.

Pode parecer um caminho sem saída, já que crescemos com isso, mas sempre há uma luz no fim do túnel, e a nossa luz brilha no aprendizado. Eu falei várias vezes que essas crenças são aprendidas, né? Felizmente isso significa que podem ser desaprendidas também, e substituídas por uma forma mais saudável e adaptativa de estar no mundo. É isso que a terapia faz.
Não existe um manual, mas fazer o melhor possível na criação das nossas crianças envolve dar a elas uma educação que preza pela sua autoestima, atendendo suas necessidades e emoções, que permita a espontaneidade e a expressão de vulnerabilidade. Uma criação com respeito é o oposto de humilhar e rotular. Respeito é ver o outro como uma pessoa que merece ser bem cuidada, mesmo que seja ainda uma criança. Todos temos crenças, é impossível crescermos sem elas, mas como você quer que seu filho veja o mundo? Qual lente você está ensinando-o a usar? O adulto que ele vai se tornar depende também do afeto de agora.