Audiência pública para redução de 30 para 25% o investimento em educação: para prefeitura, educação é essencial às vezes!

2015-04-10_190211

Depois do péssimo desempenho na audiência pública, projeto da prefeitura que prevê redução de investimentos na educação pode ser tirado da pauta

Na noite da última terça-feira (08), a Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves promoveu audiência pública para tratar da Proposta de Emenda à Lei Orgânica 01/2021, que prevê a redução de 30% para 25% do percentual mínimo de investimentos em Educação no município. Em maioria esmagadora, vereadores e população se manifestaram contra o projeto. A audiência foi presidida pela Comissão de Infraestrutura, Desenvolvimento e Bem Estar Social da casa legislativa municipal.

O texto do Projeto de Emenda à Lei Orgânica 01/2021, protocolado no dia 1º de abril, não apresenta corpo da proposta ou uma justificativa plausível, apenas cita a alta na arrecadação e a nova lei do Fundeb, menção ao percentual atual (30%) e ao novo (25%): “Art. 1°: Fica alterado o art. 128, da Lei Orgânica Municipal, que passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 128: O Município aplicará em educação, anualmente, no mínimo o valor definido na Constituição Federal, apresentando os gastos em audiência pública quadrimestralmente”, redigido ao projeto.

Participaram da audiência as secretárias de Educação, Adriane Zorzi, de Finanças, Elisiane Schenato e da Saúde, Tatiane Misturini Fiorio, além do secretário de Governo, Henrique Nuncio. Representantes do Governo Municipal tentaram justificar a demanda do projeto, em tramitação na Câmara. Houve ainda a explanação, com apresentação de dados e números sobre investimentos em educação, do contador da secretaria de Finanças, Alissandro Fontoura. Vereadores, sindicato, professores e população em geral também tiveram a oportunidade de se manifestar durante a audiência.

Após o desempenho considerado desfavorável, o poder público municipal estuda ainda se manterá a tramitação do projeto, ou, se retirará da pauta legislativa. A assessoria de imprensa da Prefeitura Municipal alegou não ter, ainda, um posicionamento do atual prefeito, Diogo Siqueira sobre o assunto.

O inglório fardo de justificar o injustificável

Apesar dos esforços, argumentos para mudar Lei Orgânica não foram suficientes

Desde 1994, Bento Gonçalves estabeleceu seu índice de aplicação de recursos na Educação de 30%, que é maior que o previsto na Constituição Federal, de 25%. Dois argumentos embasam a justificativa do poder público. Um deles diz respeito a nova regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que já neste ano resultará em um aporte maior que saltará de 9% a 13%, com estimativa de subir ainda mais pelos próximos cinco anos. O segundo, se refere a crescente nos números arrecadatórios, verificada nas contas municipais, mesmo com os impactos da pandemia.

Para a secretária de Finanças, Elisiane Schenatto, o projeto é apenas uma adequação. “O investimento será cada vez maior. A adequação é apenas para fins de ficar na mesma prerrogativa constitucional, como já é na saúde”, afirma. Ela esclareceu ainda que este projeto não foi solicitado pela atual gestão municipal, mas já está sendo estudado há cerca de dois anos.
Para este ano, a projeção de aplicação de verbas na Educação, conforme as Finanças, é de 40,47%. Em valores absolutos, esse montante chegaria a R$ 121.399.613,47. De 2016 para cá, os dados divulgados mostram que 2019 foi o ano com o menor percentual de investimento, mesmo assim fechando em 35,57%.

O contador Alissandro Fontoura, avaliou que não há riscos para a manutenção e expansão de investimentos nas atividades educacionais. Segundo ele, a metodologia de cálculo realizada no processo utilizou vários cenários possíveis, entre eles, o pior valor de arrecadação possível, queda de arrecadação estimada. “Dessa forma, mesmo que a arrecadação caia pela metade, hipoteticamente, ainda assim estariam garantidos os gastos em Educação e Saúde, justamente pela obrigatoriedade constitucional”, aponta.

O Poder Público garantiu que não haverá redução de investimentos no setor com a modificação na Lei Orgânica, mas sim, promete um aumento na destinação de recursos à área. Segundo a secretária de Educação, Adriane Zorzi, precisamos debater e escolher os melhores caminhos. “A gente sabe que educação é o caminho. É através da educação que vamos fazer a diferença no nosso município e na vida de todas as pessoas”, afirma.

A secretária aproveitou para dar um panorama das ações da secretaria para esse ano e os próximos. “Construção, reforma e ampliação de escolas. Estamos fazendo visitas semanais nas escolas para ter um levantamento das necessidades dos ambientes. Estamos estudando a possibilidade da municipalização de escolas, até o final do ano esse processo será concluído na localidade de São Valentim”, comenta. A secretária revelou que várias escolas necessitam de melhorias como rede elétrica nova, ampliação de salas de aula, reformas de telhado. “Esses são quesitos para aproveitarmos a ampliação dos recursos do Fundeb e arrecadação para que possamos auxiliar nessas melhorias”, revela.

Um plano de dois governos opostos

Concluir o, antes criticado, hospital público, criado pelo ex-prefeito Lunelli, é meta a todo custo

A secretária de Saúde, Tatiane Misturini Fiorio, fez uma explicativa apresentação da situação da saúde do município, mesmo que a audiência pública fosse relacionada a Educação. Ela enfatizou o aumento expressivo de gastos na área da saúde e da necessidade de melhorar e aumentar os atendimentos para a população de Bento Gonçalves. “O município recebe recursos do Governo Federal e ele próprio precisa fazer o gerenciamento desses recursos fazendo com que o atendimento à população aconteça”, afirma.

A secretária reclamou que o financiamento e custos da saúde são extremante elevados e falou sobre os baixos valores que o Sistema Único de Saúde (SUS) paga por consultas e exames, alegando que o município precisa realizar constantes aportes para manter os atendimentos na área. Ela ainda relatou a gigantesca fila de espera por cirurgias eletivas na cidade, segundo a secretária são mais de cinco mil pessoas aguardando algum tipo de procedimento.

O ponto principal na fala da secretária girou em torno da implantação do hospital público, um projeto desenhado ainda na gestão Roberto Lunelli (2008-2012), à época batizado de ‘Hospital do Trabalhador’. No último mandato do governo Pasin, a ideia do hospital público retornou com mais força e agora se torna bandeira do atual governo municipal. Porém, no PELO não fica explicitado que o valor de corte na educação seja reencaminhado à saúde.

Posição e oposição

“Se a Secretária afirma que não haverá redução nos valores investidos na educação, não vejo o porquê debater uma diminuição da porcentagem de investimentos na área”

Os vereadores que estavam presentes na audiência também puderam se manifestar. Foram sete legisladores que tomaram o uso da palavra. Desses, Tiago Fabris e Rafael Pasqualotto, ambos do PP, iniciaram a fala alegando que estavam lá para ouvir as justificativas, mas, foram sutis ao defender a proposta de redução nos investimentos da educação.

Eles alegaram que cabe aos vereadores apontar a verba necessária à pasta de educação nas discussões da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA), por isso a aprovação do projeto não teria efeito prático. O que os vereadores não deixaram claro, é que essa possibilidade de redistribuição de verbas, que posteriormente poderia voltar para educação, através da LDO e LOA, não garante que a verba retorne para educação nos mesmos parâmetros que a legislação obriga atualmente, nem mesmo que seja direcionada para tal fim.

Outros quatro vereadores se manifestaram contrários ao projeto, foram eles: Agostinho Petroli (MDB), José Antônio Gava (PDT), Eduardo Pompermayer (Dem) e Idasir dos Santos (MDB). Dentre as manifestações dos vereadores, que se manifestaram contrários ao projeto, alguns pontos são comuns. Eles foram categóricos em alegar que este não é um momento apropriado para aprovar redução de investimentos na educação.

“Se a Secretária afirma que não haverá redução nos valores investidos na educação, não vejo o porquê debater uma diminuição da porcentagem de investimentos na área. Outro ponto é que não podemos depender das verbas federais, através do Fundeb, porque não sabemos o que acontecerá no futuro, visto o clima de instabilidade politica que vivemos hoje”, questionou Petroli.
Por se tratar de uma Emenda à Lei Orgânica, o projeto encara um regime diferenciado de apreciação por parte dos parlamentares. O artigo 36 da LO trata do tema e prevê que haja discussão e votação em dois turnos, com intervalo mínimo de dez dias. Nestas sessões, será exigida a presença de, no mínimo, dois terços dos vereadores (quórum de 12 vereadores) e, para ser aprovada, a proposta deve receber, em ambos os turnos, pelo menos dois terços dos votos do total de membros da Câmara (12 votos). A promulgação, por parte da Mesa Diretora da Câmara, ocorre na sessão seguinte àquela em que se der a aprovação.

Uma essencialidade nem tão essencial chamada Educação

Falta estrutura, falta plano de carreira, falta projeto, mas sobra dinheiro

A participação da população também ocorreu, na noite de terça-feira (08), durante a audiência pública sobre a redução de investimentos na Educação. Sindicato, professores, entidades representativas e população participaram do debate e foram unânimes: o projeto é um retrocesso para Bento Gonçalves. Segundo a representante do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Bento Gonçalves (Sindserp/BG), Taís Helena Riboldi, a área da educação possui demandas de toda ordem. “Na escola municipal onde trabalho chove, torrencialmente, dentro da secretaria. Precisamos cobrir os equipamentos com lonas, colocar baldes e colocar bacias. Não a este retrocesso”, cobrou Taís.

A Professora Juliana Soares destacou que reduzir é retirar investimentos, não há como cortar para aumentar. “O que é retirado de lei não garante mais que isso seja respeitado. Hoje, um professor em início de carreira ganha R$ 1.600,00, plano de carreira não contempla mestres e doutores. Não tivermos aporte para aquisição de tecnologias para dar aulas on-line tivemos que tirar do bolso para comprar computadores e celulares. E agora então fomos surpreendidos com ela possibilidade de diminuição orçamentária para educação. Venho manifestar nossa indignação quanto a esse projeto”, declara.

O presidente do Bento +20, Milton Milan, se disse surpreso com tudo o que ouviu. “É a primeira vez que entro num órgão público em que me dizem que está sobrando dinheiro. Se isso acontece é porque falta gestão de projetos”, disse ele. Milan ressaltou a importância do investimento em Educação e salientou que a prefeitura poderia aproveitar esses recursos para investir em cursos na área da inovação para os alunos que estivessem interessados, formar mão de obra criativa que pense no desenvolvimento da cidade para os próximos anos.

O professor Rafael Martins Costa, da EMEF Professora Maria Margarida Zambon Benini, foi cirúrgico na sua posição. “Vi a preocupação de muitos que me disseram que a área em que eu trabalho é essencial. Educação é um serviço essencial, eu nunca tinha escutado isso antes. Mas, somos essenciais para que? Para que as pessoas possam trabalhar e usem a escola como uma espécie de depósito de crianças? Que essencial é esse?”, questionou o professor.

Já o professor Dejair Bento, da EMEI Primeiros Passos, relatou que projetos poderiam ser mais feitos pela prefeitura. O docente pediu aos secretários que procurem ter uma gestão mais voltada aos interesses da comunidade escolar, utilizando os recursos disponíveis com mais coerência. No total, oito pessoas da sociedade civil se manifestaram sobre o projeto. Tirando a participação do presidente do Núcleo de Coordenação do Conselho Municipal de Saúde, Luiz Fernando Ferreira, que se absteve em opinar sobre o projeto e apenas explanou sobre as condições da área da saúde, os demais foram unânimes em pedir que os vereadores rejeitem o projeto.

Um capítulo a parte foi o silêncio e não participação do Conselho Municipal de Educação. O núcleo, que deveria ser voz responsável na defesa da Educação do município foi apenas citado durante as falas corroborando com o projeto, indo na contramão dos interesses educacionais.