44 casos de estupro são registrados em Bento em 2016

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Profissionais da educação revelam números preocupantes, em que mais de 90% dos casos, o abusador pertence à família da vítima, que na maioria deles são meninas com idades entre zero e oito anos

Por: Rodrigo De Marco

Na última semana um caso de estupro reacendeu o debate sobre os cuidados para evitar este crime. Uma menina de 9 anos foi vítima de um casal de molestadores, em um dos episódios mais violentos dos últimos anos, gerando revolta e perplexidade. Segundo o conselheiro tutelar, Leonides Lavinick, no último ano, 44 casos foram denunciados no conselho tutelar. Nos dois primeiros meses deste ano já foram cinco casos, dois registrados em janeiro e três na primeira semana de fevereiro.
Na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), os números revelados assustam, e conforme relata a delegada, Deise Brancher, o combate à esses crimes é ferrenho. “Até dezembro de 2016 cumprimos 54 mandados de busca com 940 inquéritos instaurados, 1102 remetidos e 628 ocorrências registradas no DEAM e 751 na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA)”, revela.

Delegada do Deam, Deise Brancher

Segundo a delegada, existem 60 inquéritos em andamento envolvendo crimes contra a dignidade sexual, e destes, 23 inquéritos investigam estupro contra vulneráveis. Nas palavras de Deise, o DEAM não poupa esforços para atender a sociedade da melhor forma possível.
“Mesmo com todas as dificuldades que enfrentamos, estamos atendendo a população da melhor maneira possível. Em 2016, iniciamos o ano com cerca de 943 inquéritos policiais tramitando. Neste ano de 2017, iniciamos com um passivo de 676 procedimentos (esse número envolve os crimes de violência sexual e de violência doméstica)”,ressalta.
Ainda de acordo com Deise, as investigações de crimes de violência contra mulher exigem um cuidado especial, respeitando o sigilo das investigações, conforme determina a legislação em vigor, de modo a não expor a intimidade das partes. “Os casos de violência sexual contra vulneráveis e os delitos que atentam contra a vida sempre geram mais comoção, inclusive entre nós policiais. Afinal de contas, somos seres humanos. No entanto, precisamos manter o foco na investigação para darmos respostas às vítimas e à sociedade”, afirma.

O alerta da psicóloga
No entender da psicóloga, Cláudia Guarnieri, especialista em avaliação psicológica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), existe uma distorção por parte da sociedade em relação ao assunto, em que, “a mulher muitas vezes é classificada como sendo a principal culpada”. De acordo com a psicóloga, nem sempre o abuso sexual deve ser tratado como uma patologia.
“O agressor quando comete a violência sexual não necessariamente quer o ato sexual, ele quer degradar a figura feminina, se sentindo mais poderosso em relação a mulher. Existe uma questão cultural bastante forte em relação a isso”, explica.

Psicóloga Cláudia Guarnieri

O perigo, de acordo com ela pode estar mais próximo do que os pais imaginam. “O abusador, geralmente está no círculo familiar e tem uma relação de afeto com a criança. A vítima quando começa a ser aliciada, não necessariamente entende que está sofrendo abuso. Depois disso ele faz uma vinculação de segredo, oferecendo presentes, aliciando de outras formas. O criminoso amedronta a vítima, e pode até mesmo ameaçar pessoas queridas da família da criança”, explica.
É comum, e cada vez mais frequente abusadores agirem na internet, se escondendo atrás de uma identidade falsa. Para evitar que as crianças sejam vítimas dessas ações, Cláudia diz ser indispensável pai e filhos terem uma relação próxima e armoniosa.
“Existem abusos acontecendo através do WhatsApp e Facebook, por isso os pais precisam estar atentos ao sinais: se a criança tem medo de ir dormir, ou não quer sair de casa, se manifesta comportamento de agressividade, agressão diária. Algo pode estar acontecendo com a vítima, que não consegue falar por medo ou culpa”, alerta.

O trabalho do Creas
O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) atendeu 30 casos de estupro em 2016, número inferior a 2015, que chegou a 40 denúncias. Atualmente 12 pessoas trabalham na entidade, entre elas, a Assistente Social e Coordenadora do Creas, Silvana Maria Romagna. De acordo com ela, 99% dos casos analisados são de violência sexual dentro do círculo familiar, e todos entre crianças e adolescentes.
“Atendemos 15 meninas com idades entre zero e 8 anos, e oito meninas entre 13 e 17 anos. Em relação aos meninos, foram, seis menores entre zero e 12 anos e um menino entre 13 e 17”, afirma.
O trabalho na entidade consiste em acompanhamento familiar, reforçando os laços afetivos entre pais e filhos. “Nós temos três psicólogos que atendem essas famílias que sofrem com casos de abuso sexual. Nós conversamos com os pais, às vezes com a criança vítima e em alguns casos também com o abusador”, revela.
Silvana acredita que os casos de abuso sexual sejam maiores, e que por receio, a grande maioriafica apenas entre os familiares. “Acreditamos que tenha um número maior de vítimas, mais ainda na adolescência, principalmente entre os meninos, que ficam bastante constrangidos em revelar”, diz.
No dia 18 de maio é o Dia Nacional de Combate a Exploração Sexual de Crianças, e segundo Silvana haverá durante todo o mês uma programação especial para lembrar a data.

O feminismo
A educadora e feminista, Bruna Lleticia é uma das integrantes do coletivo “Criadoras Negras”, grupo criado em 2016 que visa diretamente a construção e a afirmação da identidade negra, como forma de combater o racismo, o sexismo e todas as formas de discriminação que atingem as mulheres negras. De acordo com ela, o tema “estupro” é comum ao movimento feminista.
“Sempre que penso em estupro me vem a cabeça as atitudes cotidianas de desrespeito à mulher, pricipalmente sobre o direito de andar na rua e não ser assediada”, diz. No entender de Bruna, o problema do estupro está intrínseco em questões culturais da sociedade.
“Não quer dizer que todo homem que assedia mulher na rua pode ser um estuprador, mas a atitude mostra que ele sente que tem direito de fazer isso. É necessário uma mudança de cultura. Os homem precisam nos ver de uma outra forma, respeitando o nosso corpo, que não é objeto sexual”, protesta.

Estupros no RS
Entre os números da violência no Rio Grande do Sul apresentados pela Secretaria da Segurança Pública no dia 26 de janeiro, um é particularmente assustador: acontecem quase 1,5 mil estupros por ano no estado. Em 2015 foram denunciadas 1.426 ocorrências do tipo. No ano passado, o número foi de 1.425.
Nos últimos dois anos, a polícia registrou 2.851 estupros. É uma média de 3,9 casos por dia. E um a cada seis horas, durante dois anos seguidos. Os números são oficiais, mas nem sempre representam a realidade. Isso porque a maioria das vítimas ainda têm medo de denunciar.
Dentro de cada um dos inquéritos abertos na Delegacia de Polícia de Porto Alegre, algumas histórias geram revolta.
“A vítima foi estuprada por diversas vezes pelo acusado, seu pai biológico”, diz o trecho de um deles. “O acusado agarrou a vítima e tentou beijá-la a força”, consta em outro documento.
“Aos 13 anos, o pai lhe levou para um hotel e lá teve a primeira relação sexual. O pai lhe falava que era normal os pais terem relações sexuais com as filhas”, está escrito em mais um deles.