Decisão contra Prefeitura e Câmara cita risco de retrocesso ambiental e questiona proposta de compensação fora do município de Bento Gonçalves
A decisão do desembargador Roberto Carvalho Fraga, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), proferida em abril de 2025, impede que a Prefeitura e a Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves flexibilizem as regras para desmatamento em área urbana para construções e loteamentos. O magistrado declarou inconstitucional o § 4º do artigo 61 da Lei Municipal 4.000/2006, alterado pela Lei 7.005/2023, barrando a possibilidade de autorizar cortes de vegetação nativa mediante um modelo de compensação considerado permissivo.
Fiscalização comprometida
No voto, Fraga critica diretamente a proposta de permitir que a compensação ambiental ocorra em qualquer ponto da bacia hidrográfica do Rio Taquari-Antas, que inclui dezenas de municípios em uma área superior a 26 mil quilômetros quadrados. Para o desembargador, a ideia de dispersar o replantio compromete a fiscalização e pode inviabilizar o controle do cumprimento das obrigações ambientais.
Retrocesso ambiental
O relator aponta que o novo texto representava um retrocesso em relação ao modelo anterior, que previa a recomposição dentro do próprio imóvel afetado e, quando não fosse possível, em áreas de Bento Gonçalves. Na avaliação do Tribunal, ao admitir o replantio “preferencialmente” no município, mas sem obrigatoriedade, a lei fragilizava a proteção ambiental urbana e se afastava do dever constitucional de assegurar um meio ambiente equilibrado às gerações atuais e futuras.
Contexto climático e dever constitucional
O desembargador relaciona sua análise ao cenário recente de eventos climáticos extremos no Estado, afirmando que a tutela ambiental deve ser “inegociável”. Ele destaca que qualquer flexibilização só poderia ocorrer com respaldo técnico robusto, o que não se verificou no caso. O julgamento reforça que municípios podem ser mais protetivos, mas não podem editar normas que reduzam o nível de proteção garantido pela Constituição ou pela legislação federal.
Impacto prático da decisão
Com o julgamento procedente da ação direta de inconstitucionalidade, o TJRS mantém regras mais rígidas para o desmatamento em área urbana em Bento Gonçalves. A decisão impede o Executivo de autorizar cortes de vegetação nativa na zona urbana com a justificativa de compensar o dano por meio de replantio distribuído pela extensa bacia do Taquari-Antas.
Contexto da lei municipal e do pedido
- A ADI ataca o § 4º do art. 61 da Lei Municipal 4.000/2006, na redação dada pela Lei 7.005/2023, que trata do manejo de recursos florestais nativos (Mata Atlântica) em área urbana de Bento Gonçalves.007072024_004.pdf
- Esse dispositivo passou a permitir que a compensação ambiental (replantio) fosse feita “preferencialmente” no Município ou então em qualquer imóvel, público ou privado, no perímetro da bacia do Rio Taquari-Antas, ampliando o prazo de replantio de 1 para 2 anos e afastando a exigência de compensar prioritariamente no próprio imóvel e dentro de Bento. PDF da decisão
Fundamentação constitucional usada para rejeitar a norma
- O relator fundamenta a decisão nos arts. 8º e 251 da Constituição Estadual e no art. 225 da Constituição Federal, que consagram o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e o dever do Poder Público de protegê-lo, ressaltando que tais comandos não admitem medidas legislativas de proteção inferior ou retrocessiva.007072024_004.pdf
- A decisão destaca que os municípios podem legislar sobre meio ambiente apenas para ampliar a proteção, em harmonia com as normas gerais da União e suplementares dos Estados, não para reduzi-la, citando o art. 30, I e II, da Constituição Federal.
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Crítica central à proposta de Bento (retrocesso e flexibilização)
- Fraga assinala que o objetivo concreto do § 4º impugnado é “flexibilizar” a compensação obrigatória do desmatamento urbano, ao autorizar o plantio de mudas fora dos limites de Bento Gonçalves, numa área muito mais ampla (bacia Taquari-Antas, com cerca de 26.430 km² e 118 municípios), o que dificulta ou inviabiliza a fiscalização.007072024_004.pdf
- Para o relator, essa opção normativa enfraquece a proteção ambiental ao permitir a supressão de vegetação nativa no município sem garantia efetiva de reposição em benefício da própria coletividade local, caracterizando retrocesso em relação ao texto original da lei, que exigia compensação dentro do imóvel e, no remanescente, dentro do perímetro municipal.
Vedação ao retrocesso e necessidade de medidas robustas
- A decisão aplica expressamente os princípios da vedação ao retrocesso ambiental, da precaução, da prevenção e da proteção ambiental, afirmando que qualquer redução na proteção só seria admissível se acompanhada de robusta medida compensatória respaldada em estudo técnico sério, o que não ocorreu.007072024_004.pdf
- Fraga enfatiza o “momento crítico” ambiental vivido pelo Estado e menciona que a norma questionada atinge município e região recentemente afetados por catástrofe climática, reforçando que a tutela ambiental “deve ser inegociável” e não pode ser flexibilizada por mera conveniência administrativa.
Limites da competência municipal e precedentes
- O relator rejeita o argumento da Prefeitura de que a lei estaria amparada na Lei Federal 11.428/2006 (Mata Atlântica), sublinhando que o controle em questão é de constitucionalidade (compatibilidade com CF e CE), e que leis municipais devem primeiro respeitar a Constituição, para depois suplementar a legislação federal.007072024_004.pdf
- A decisão cita a ADPF 567 (fogos de artifício em São Paulo) para afirmar que municípios podem, sim, editar normas mais protetivas de meio ambiente e saúde, mas não normas menos protetivas; e menciona precedente do próprio Órgão Especial na ADI de Gramado e na ADI sobre Pelotas, em que leis locais que diminuíam a proteção foram declaradas inconstitucionais por violarem a repartição de competências e a vedação ao retrocesso.007072024_004.pdf
Conclusão da decisão
- Com base nesses fundamentos, Fraga conclui que o § 4º do art. 61 da Lei 4.000/2006, na redação da Lei 7.005/2023, é materialmente inconstitucional por reduzir o grau de proteção ambiental, por fragilizar o regime de compensação do desmatamento urbano e por contrariar os arts. 8º e 251 da Constituição Estadual, bem como os arts. 30, II, e 225 da Constituição Federal.007072024_004.pdf
- A ação direta é julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade do dispositivo e, na prática, rejeitando a proposta da Câmara de Vereadores e da Prefeitura de Bento Gonçalves de legitimar o desmatamento urbano com compensação ampla na bacia Taquari-Antas




