O fenômeno da masculinidade tóxica na internet e seu impacto sobre jovens
A propagação da masculinidade tóxica por influenciadores digitais tem ganhado força nos últimos anos, impulsionada pelo crescimento da ideologia de extrema direita e por uma contraofensiva ao feminismo, segundo especialistas.
Um caso recente no Reino Unido exemplifica essa realidade: um homem de 26 anos foi preso após assassinar sua ex-namorada, a irmã e a mãe dela com uma besta e uma faca em 2024. Durante o julgamento, descobriu-se que Kyle Clifford havia assistido a vídeos de Andrew Tate, influenciador conhecido por suas posições misóginas, horas antes de cometer os crimes.
Tate, que possui mais de 10 milhões de seguidores no X, é especialmente popular entre o público jovem, compartilhando uma visão violenta da masculinidade. Embora tenha sido banido do Instagram e do TikTok por seu conteúdo misógino, sua conta no X foi restaurada quando Elon Musk adquiriu a plataforma em 2022.
Atualmente, o influenciador britânico-americano e seu irmão Tristan deixaram a Romênia e estão nos Estados Unidos, especificamente na Flórida, onde enfrentam uma investigação criminal. Isso ocorre apesar de responderem a acusações de estupro e tráfico de pessoas em Bucareste. Ambos são apoiadores declarados do presidente americano Donald Trump.
Jacob Johanssen, professor associado de comunicações da St Mary’s University em Londres, identifica uma “normalização da misoginia, cultura do estupro e violência contra mulheres e meninas”. Segundo ele, o crescimento da “manosfera” — comunidades online que promovem o masculinismo e a misoginia — está “intrinsecamente ligado ao crescimento do populismo de direita em muitas partes do mundo”.
A retórica “anti-woke” ganha terreno com a ofensiva de Trump contra políticas de diversidade e inclusão, posição que é aplaudida por políticos de extrema direita em diversos países. Em janeiro, Mark Zuckerberg, fundador e CEO da Meta, chegou a defender um retorno à “energia masculina”.
Joshua Thorburn, pesquisador da Universidade Monash da Austrália que estuda misoginia online, afirma que estamos presenciando “uma nova dinâmica” com “mais visibilidade” para tais ideias.
Especialistas entrevistados pela AFP apontam para uma crise na masculinidade, em um contexto de instabilidade global. “Vivemos em um mundo instável e precário e os homens, assim como todos os outros, enfrentam muitos problemas hoje. Eles se sentem alienados”, explica Johanssen.
É nesse cenário que a manosfera se estabelece, funcionando como grupos de autoajuda para homens discutirem questões como saúde mental, vulnerabilidade ou solidão. No entanto, esses mesmos espaços abrigam discussões tóxicas sobre misoginia e sexismo.
Thorburn observa que grande parte do conteúdo da manosfera também se relaciona a temas que atraem naturalmente jovens online, como conselhos sobre relacionamentos, fitness e finanças. “Um jovem ou adolescente pode não estar explicitamente procurando por conteúdo misógino quando encontra pela primeira vez o conteúdo de um influenciador da manosfera”, explica.
A AFP conversou com Alistair, um adolescente londrino de 15 anos que aprecia esse tipo de conteúdo. Ele é fã do canal do YouTube e podcast FreshandFit, que se apresenta como dedicado ao “autoaperfeiçoamento masculino”. Além de vídeos sobre condicionamento físico, o canal publica conteúdos questionando “por que as mulheres são tão hipócritas” ou por que homens e mulheres “nunca poderiam ser iguais”. Para o jovem, que também admira Andrew Tate, não há problema nisso: “É sobre esporte e como ter sucesso na vida. Que mal há nisso?”, questionou à AFP.
Recentemente, a série britânica “Adolescence” foi elogiada por abordar o tema através da história de um garoto de 13 anos que assassina uma colega sob influência da misoginia online. Os roteiristas afirmaram que se inspiraram em eventos reais e esperam que o programa ajude o público a compreender como jovens são influenciados pela manosfera.
Em um discurso recente, o ex-técnico da seleção inglesa de futebol Gareth Southgate criticou influenciadores “tóxicos” que “enganam os jovens a acreditar que o sucesso é medido por dinheiro ou domínio… e que o mundo, incluindo as mulheres, está contra eles”.



