Trabalho dinamarquês encontrou risco 40% maior de desenvolver a doença entre usuários de dispositivos que liberam o hormônio levonorgestrel, embora o risco geral permaneça baixo
A pesquisa analisou 78.595 mulheres na Dinamarca com idades entre 15 e 49 anos que usavam DIUs do hormônio levonorgestrel, conhecidas como DIU Mirena, e comparadas com outras 78.595 mulheres com perfis semelhantes, mas que não usavam os dispositivos.
Ao final, os cientistas do Instituto do Câncer Dinamarquês concluíram que aqueles que usavam DIUs de levonorgestrel tiveram uma chance 40% maior de desenvolver câncer de mama em relação a outros. É aproximadamente o mesmo aumento que já foi administrado com as pílulas anticoncepcionais orais.
No entanto, Ilza Maria, presidente da comissão de anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), avalia que esse risco não é considerado significativo estatisticamente e que há fatores difíceis de serem incluídos no estudo que pode influenciá-lo:
— Percebemos que os estudos com esse DIU apresentam risco aumentado, mas o grupo de mulheres que usa esse DIU muitas vezes já é de maior risco, como mulheres que não tiveram filhos, ou seja, não têm o fator protetor da amamentação, mulheres que têm O sangramento intrauterino aumentou, que costuma apresentar outros fatores de risco para câncer de mama, como obesidade e síndrome metabólica. Então é difícil concluirmos uma ligação causal entre o DIU e os casos de câncer observados. E o risco apontado sempre é baixo.
Isso porque, mesmo com o aumento do risco, o câncer de mama continua raro em mulheres com menos de 50 anos e extremamente raro em mulheres com menos de 30 anos. Para comparação, aqueles na faixa dos 30 anos nos Estados Unidos têm hoje um risco de 1 em 204 para a doença – o que seria elevado com o DIU de levonorgestrel para cerca de 1,4 em 204.
O presidente do departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Mayo Clinic, nos EUA, Daniel Breitkopf, reforça a importância de deixar claro o risco geral ao falar sobre possíveis efeitos dos contraceptivos hormonais: Disser que vou dobrar suas chances de ganhar na loteria, você ainda assim não vai sair e comprar um bilhete, porque as chances de ganhar ainda serão muito, muito baixas.
O especialista enfatiza que mesmo para pacientes com risco médio de câncer de mama, muitas vezes os benefícios dos contraceptivos superam os riscos. Ilza Maria, da Febrasgo, lembra ainda que há uma proteção para outros tipos de tumores decorrentes do DIU, o que não é levado em consideração no estudo:
— Os dispositivos são considerados muito seguros, não existe nenhuma associação clara de aumento significativa para dizer o contrário. E você tem uma proteção contra casos de câncer de colo de útero, de endométrio e até mesmo de ovário, que é um câncer extremamente letal. A lista de benefícios é longa. Então uma mensagem é que as mulheres podem ficar tranquilas.
Porém, para casos de risco de alto câncer de mama, os resultados do novo estudo podem sim ser algo importante a ser levado em consideração, avalia a ginecologista e obstetra Marianne Pinotti, doutora em Obstetrícia e Ginecologia pela Universidade de São Paulo (USP) e cirurgiã do Grupo de Oncologia mamária e pélvica da Beneficência Portuguesa de São Paulo:
— Nós relacionamos o uso da progesterona com esse discreto aumento no risco há muitos anos, tanto que em mulheres com risco familiar, aumentamos, para câncer de mama nós evitamos e usamos outros métodos. O DIU é uma forma que tem menos progesterona de todos eles, então imaginávamos que fosse 100% seguro. Nesse sentido, o estudo acendeu uma luzinha de alerta para termos cuidado com essas mulheres de alto risco. Mas para a população geral é um risco muito pequeno, não envolve indicação.
Os DIUs hormonais, que se tornaram cada vez mais populares nos últimos anos, evitam uma gestação indesejada por fornecerem pequenas quantidades de hormônios dentro do útero, bloqueando a ovulação. Na Dinamarca, onde o estudo foi contínuo, são a principal forma de contracepção entre mulheres que já têm filhos, diz Lina Morch, chefe da equipe de pesquisa do Instituto do Câncer Dinamarquês e principal autora do novo estudo.
Há muito tempo existe uma ligação entre outros tipos de contraceptivos hormonais e o risco elevado de câncer de mama, com trabalhos anteriores mostrando que as mulheres que tomam pílulas anticoncepcionais têm um risco de 20% a 60% maior.
Um estudo realizado em 2010 com mais de 100 mil enfermeiras descobriu que as pílulas que usavam levonorgestrel sugerem ser responsáveis pela maior parte do risco excessivo associado aos anticoncepcionais orais. O trabalho, juntamente com outros, sugeriu que esse aumento diminui quando o uso é interrompido.
No ano passado, um grande estudo do Reino Unido também constatou que os contraceptivos com progestinas (hormônios sintéticos que imitam os efeitos da progesterona) estavam associados a um aumento de aproximadamente 20% a 30% no risco de câncer de mama, sendo eles tomados na forma de pílulas, injetadas ou administradas por DIU. O levonorgestrel é um tipo de progestina.
Já o novo artigo no JAMA analisa especificamente as mulheres que não receberam nenhum outro contraceptivo hormonal até cinco anos antes do início do estudo, o que possibilitou relacionar mais estreitamente seus resultados ao DIU de levonorgestrel.
Os pesquisadores combinaram os usuários de DIU com os não usuários que tinham um histórico semelhante de uso de contraceptivos hormonais antes desse período e que compartilhavam outras características, incluindo idade, número de gestações e níveis de escolaridade. A idade média das mulheres no estudo foi de 38,3 anos.
No grupo de usuárias do DIU, houve um acréscimo de 14 casos de câncer de mama por 10.000 mulheres em cinco anos em relação às outras. O número de casos adicionais aumentou entre aqueles que obtiveram os dispositivos por mais de cinco anos, mas não houve um número suficiente a longo prazo para realizar tarefas estatisticamente significativas, explica Morch.
Uma possível limitação do estudo é que ele não levou em conta a frequência com que as mulheres fizeram exames para detecção de câncer de mama, pondera Christopher Li, epidemiologista especializado em doenças do Centro de Câncer Fred Hutch, nos EUA, que não participou da pesquisa . As mulheres com DIU podem ter maior probabilidade de acessar o serviço de saúde e fazer o exame, o que leva a taxas mais altas de detecção de câncer, avalia Li.
Porém, a Dinamarca tem acesso universal à assistência médica, diz Morch, portanto os pesquisadores responsáveis pelo estudo não esperam que tenham ocorrido diferenças no rastreamento entre usuários e não usuários de DIU. A cientista acrescenta que o trabalho controlou os níveis de escolaridade, o que poderia representar as diferenças no conhecimento das pessoas e a frequência com que elas usam o sistema de saúde.
Entre as limitações, o estudo também não discriminou como o risco de câncer de mama associado ao uso do DIU variava de acordo com a idade, o que é importante porque ele geralmente cresce com o passar do tempo.
Breitkopf, da Mayo Clinic, defende que, embora os DIUs apresentem riscos, que também incluam coágulos sanguíneos e maior probabilidade de depressão, eles podem prevenir a gravidez na vasta maioria dos casos com segurança e eficácia e reduzir significativamente o sangramento menstrual intenso.
— Para muitas pessoas, essa é uma melhoria que altera a vida — afirma. Ele diz ainda que não recomendaria o anticoncepcional para pacientes com forte histórico familiar ou risco genético de câncer de mama, mas “para a maioria das pessoas com risco médio de câncer de mama, ainda é uma boa opção”.