“Viciados” em tecnologia utilizam celulares e aplicativos por horas e desenvolvem distúrbios mentais

2015-04-10_190211

Entre crianças e jovens, as consequências do uso excessivo de eletrônicos se percebem tanto em problemas físicos (tendinites, sobrepeso), como também mentais e emocionais

O uso de dispositivos tecnológicos por crianças e jovens está longe de ser prejudicial. Se bem orientado, pode estimular a criatividade, o raciocínio lógico, a colaboração, a capacidade de pesquisa e outras competências valiosas para o mundo contemporâneo. No entanto, é preciso moderação. O aumento da dependência de eletrônicos tem preocupado pais e educadores do mundo todo.
O fato de que boa parte das tarefas cotidianas envolve cada vez mais tecnologia torna difícil definir esse equilíbrio. É comum que, mesmo entre os adultos, a distinção entre o trabalho e o lazer se faça apenas pela troca de aplicativos: fecham-se o e-mail e os programas do computador, abrem-se as redes sociais.
Da mesma forma, as crianças usam tecnologias na escola e ao fazer os deveres de casa. Depois, vão para os jogos e as mensagens digitais – muitas vezes, sem nem sair do quarto. Passam os dias, uns e outros, plugados em monitores. Até que, em alguns casos, o hábito se transforma em dependência.
Entre crianças e jovens, as consequências do uso excessivo de eletrônicos se percebem tanto em problemas físicos (tendinites, sobrepeso), como também mentais e emocionais (isolamento social, dificuldade de concentração, transtornos do sono), com reflexo também nos resultados escolares.
Como no caso de qualquer outro vício ou compulsão, a questão central é detectar o que está na origem do distúrbio. No caso das crianças e adolescentes, algumas das hipóteses a investigar são:
– Falta de motivação: Por que as outras dimensões da vida não lhe provocam o mesmo interesse e fascínio que um aparelho tecnológico?
– Carência nos relacionamentos: Existem lacunas ligadas à afetividade que os dispositivos eletrônicos estão ajudando a compensar?
– Falta de limites: Como é feita a organização da rotina de estudo e lazer e de que forma a família controla o cumprimento saudável das normas?
– Influências dos amigos: Estar plugado dia e noite, participar de jogos e das redes sociais é sinal de status e até uma necessidade para ser aceito no grupo?
Como prevenção, o exemplo da família é fundamental. Os pais precisam evitar usar os dispositivos para tranquilizar a criança, para que fique quieta por algumas horas, e evitar que as crianças se isolem jogando durante as refeições. Há que dosar a compra de novos jogos, pois o momento em que a criança se cansa de um deles é a oportunidade de alternar com atividades fora da web.
Vale marcar um horário para o uso e garantir que seja respeitado. Uma experiência interessante é a negociação de horas de uso de eletrônicos com outras tarefas, por exemplo: se arrumar o quarto, ganha mais quinze minutos de internet. E o principal, sobretudo com crianças: participar das atividades digitais junto com elas. Não só para monitorar, mas porque o relacionamento com os pais, em atividades desfrutadas em comum, pode ser o melhor dos presentes.

O tratamento para o vício digital
O vício digital é um problema crescente e preocupante. Países como China, Japão e Coreia do Sul já reconhecem a patologia como um problema de saúde pública, como mostra o GloboNews Especial. No Brasil, existem institutos voltados para a desintoxicação digital – necessária quando o uso é abusivo dependente. Ou seja, quando ele gera prejuízo na vida real. O vício em tecnologia requer tratamento com terapia e remédios.
A dependência digital pode levar ao vício em drogas. Os psiquiatras explicam que é muito comum o dependente químico ter uma interação maior com o mundo virtual.
Um estudo realizado por um instituto americano apontou que o número de pessoas viciadas em smartphones cresceu quase 60% entre 2014 e 2015. Se antes eram 176 milhões de viciados, agora são 280 milhões de pessoas.
O programa mostra ainda o desafio de controlar toda uma geração que está crescendo grudada em tablets e celulares. Quem deveria dar limites ainda está aprendendo a lidar com as novas tecnologias. Um projeto de lei em análise na Câmara dos Deputados prevê a proibição do uso dos celulares nas salas de aula de todo o Brasil. Por enquanto, quem dita as regras são os pais e as escolas.
A dependência digital já é considerada um transtorno mental. As pessoas que ficam muito ansiosas ou angustiadas quando estão longe dos celulares podem sofrer de nomofobia, um distúrbio que atrapalha a vida social, o desempenho no trabalho e pode até provocar acidentes graves. O Instituto Delete, no Rio de Janeiro, é o primeiro a tratar pessoas dependentes de internet.
O departamento americano, equivalente ao conselho nacional de trânsito constatou: 1 em cada quatro acidentes no país envolve o uso de celular. A atenção do motorista cai pela metade. E gravar mensagem de áudio em vez de digitar não reduz o perigo.
“Quase 80 % dos jovens checam suas redes sociais antes de dormir. A vida virtual está ocupando um espaço que as relações de carne e osso deveriam ocupar. E isso é muito ruim”, explica o psiquiatra da PUC Cristiano Nabuco. Ele defende que o primeiro contato com o mundo digital não deve acontecer antes dos 2 anos de idade.
O neurologista Luciano Ribeiro, da Associação Brasileira do Sono, destaca que o uso exagerado de smartphones e tablets prejudica a qualidade do sono, o que leva a problemas cardiovasculares, doenças endócrinas, como diabetes e obesidade, além de problemas emocionais, mentais e envelhecimento precoce.

Uso exagerado das redes sociais
Passar horas nas redes sociais faz com que você aprecie em seu feed sobre a viagem do seu amigo para o exterior, idas dele a bons restaurantes e momentos da última festa. Porém, ser exposto a somente essas informações lhe dá a impressão de que a grama do vizinho é mais verde, e isso pode te fazer mal!
A psicóloga do Complexo Hospitalar Edmundo Vasconcelos, Ana Luíza Martins, diz que ver momentos felizes todo o tempo gera sentimentos de frustração, insegurança e pode desencadear depressão, uma vez que a pessoa passa a acreditar que a sua vida é menos interessante que a dos outros.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a doença afeta 4,4% da população mundial. O Brasil é o país com maior prevalência desse distúrbio na América Latina, o qual afeta cerca de 11,5 milhões de indivíduos. Também somos recordistas mundiais em prevalência de transtornos de ansiedade: são 18,6 milhões de pessoas, representando 9,3% da população.
Segundo estudo realizado pela Escola de Medicina da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, que entrevistou 1.787 adultos com idades entre 19 e 32 anos, os usuários que passam grande parte do tempo na internet têm quase três vezes mais chances de sofrer de depressão do que aqueles que conferem suas redes sociais com menos frequência.
Familiares e amigos próximos podem observar sinais de que algo errado está acontecendo! Mudanças em hábitos como comer, beber ou dormir, oscilações de humor, como mais tristeza e/ou mais irritabilidade, forçar um semblante feliz, falar de maneira mais filosófica do que o normal, sentir as coisas de forma mais intensa e ter um ponto de vista menos otimista são alguns sintomas.
Conversar sobre a depressão é o melhor caminho para o tratamento quando ela já está apresentando seus traços. Pequenas ações diárias podem ser consideradas pílulas para a prevenção do chamado mal do século.
Redes sociais são importantes, mas estar rodeado de pessoas que se ama, separar um tempo para si mesmo, praticar exercícios e fazer atividades prazerosas trazem muito mais benefícios.

O que é o vício online
O comportamento compulsivo, seja ele relacionado a comida, sexo, esportes, autodisciplina ou até piadas ruins, faz com que a pessoa perca o controle sobre o quanto algo ocupa de energia e tempo na sua vida, de tal forma que essa atividade atrapalha outras esferas sociais, como a do trabalho e das relações pessoais e familiares, chegando até a ser prejudicial à saúde. Com tecnologia e o meio digital, o quadro não é diferente. No fim de 2017, a OMS (Organização Mundial de Saúde) decidiu incluir a compulsão por jogos eletrônicos como transtorno mental em sua lista referência de doenças. A obsessão por celulares, seja para acessar redes sociais, jogar algo como passatempo ou checar e-mail, não é configurada como doença, mas não deixa de ser percebida como um problema. Em agosto de 2016, a cantora americana Selena Gomez jogou luz sobre a questão ao cancelar sua turnê por motivos de saúde. A jovem celebridade do pop disse estar sofrendo de depressão e ansiedade e apontou seu uso de redes sociais, em especial o Instagram, como responsáveis. “Assim que eu me tornei a pessoa com mais seguidores no Instagram, eu meio que surtei”, disse a cantora em março de 2017 à revista Vogue, após três meses de tratamento.
“Aquilo se tornou algo que me consumia. Eu acordava e dormia para aquilo. Eu era uma viciada. Eu sempre acabava me sentindo uma merda quando olhava para o Instagram. Por isso estou agora meio fora do radar, um pouquinho sumida”. No Brasil, o cantor Tiago Iorc tomou uma decisão semelhante. Em publicação feita no Instagram no dia 7 de janeiro, o músico diz que estava precisando de um descanso e se ausentaria “dessa nossa vida instagrâmica que nos consome”.

Como diagnosticar ‘viciado’
A pessoa com dependência tecnológica geralmente apresenta sinais que apontam para a existência do problema. Irritabilidade, ansiedade, isolamento e angústia por ficar desconectado ou distante do celular, computador ou videogame são alguns deles. Esses sinais, aliás, muito se aproximam dos já conhecidos em casos de dependentes químicos.
A psicóloga Sylvia van Enck, que trabalha no grupo de dependências tecnológicas do Ambulatório Integrado do Controle dos Impulsos (Pro-Amiti), ligado ao Instituto de Psiquiatria da USP no Hospital das Clínicas, diz ao Nexo que é possível encontrar correlação até em sintomas mais graves, como os de alucinação ou fantasia.
“O dependente tecnológico pode sofrer com as ‘chamadas fantasmas’, que é quando ele sente ou ouve o celular tocar ou vibrar, mas nada realmente está acontecendo.” A especialista aponta ainda a busca por uma maior quantidade de estímulo daquilo que lhe dá prazer. “Isso acontece na dependência química e tecnológica. Nesse caso, a pessoa fica mais tempo conectada, se envolvendo com mais grupos online, busca novos jogos. E isso vai alimentando a demanda dela por prazer.”

Quando procurar ajuda profissional
Na dúvida sobre a gravidade da situação de dependência digital, é recomendado buscar ajuda e tratamento profissionais com psicólogos e psiquiatras. Em São Paulo, o ambulatório Pro-Amiti, do Hospital das Clínicas, oferece tratamento gratuito a maiores de 18 anos. O dependente tecnológico passa por uma avaliação e é encaminhado, ou não, a participar de 18 reuniões em grupo, realizadas semanalmente e com duração de 1h30. Em paralelo, os familiares também são convidados a participar de grupos de orientação. Passado esse período, os encontros passam a ser mais espaçados. Se o dependente continuar não apresentando melhora na sua relação com tecnologia, ele é encaminhado para sessões de terapia individual e acompanhamento clínico.
“É mais ou menos como as reuniões dos Alcoólicos Anônimos, a proposta é que o grupo aprenda com as experiências das demais pessoas e se apoie”, explica a Dra. Sylvia van Enck. “Eles são estimulados a identificar o quanto a internet ou os jogos são realmente necessários e o quanto eles precisam disso como fonte de alegria. Assim, também se trabalha formas de a pessoa identificar suas próprias competências e interesses que vão além da internet, dos jogos e do celular.” A psicóloga diz que o objetivo é fazer com que o paciente atinja um ponto em que ele consiga voltar para as atividades do seu dia a dia fora do ambiente virtual (escola, trabalho, interação com amigos e familiares), consciente do uso que faz da tecnologia. “Não dá para viver sem tecnologia, o importante é ter controle sobre o uso que se faz dela.”