Transplante de órgãos aumenta mais de 20% em 2017

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Pela primeira vez, desde 2011, o transplante cardíaco deixou de crescer, com queda de 3,6%

Maioria das operações realizadas em Bento Gonçalves foram de córnea, contabilizando 10 apenas este ano

O número de transplantes de órgãos tem aumentado nos últimos anos. De acordo com a enfermeira e coordenadora da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT), Zeni Lazzarini,2017 já supera o número de transplantes do último ano. “Em 2016, foram 8 transplantes de córneas e neste ano, até o momento, foram 10 transplantes de córneas; em relação a enxerto ósseo, foi apenas 1 em 2016 e 1 em 2017. Estes são os tipos de transplantes realizados no Hospital”, afirma.
Todos os órgãos captados são distribuídos através da Central de Transplantes, em Porto Alegre, que controla e regula a fila de espera no Estado. Segundo Zeni as córneas são encaminhadas ao Banco de Olhos do Hospital Geral, em Caxias do Sul e o tecido músculo esquelético vai para o Banco de Ossos do Hospital São Vicente de Paulo, em Passo Fundo.
A enfermeira lamenta ainda o fato de ainda haver resistência quanto a doação de órgãos. “O que mais impede a doação de órgãos é justamente o fato das pessoas não se manifestarem em vida quanto ao tema. Uns simplesmente não falam nada, enquanto outro não querem ser doadores. As famílias optam por respeitar a decisão”, explica.
Ainda segundo Zeni, uma pesquisa realizada pela CIHDOTT junto às famílias, mostra que o percentual de rejeição chega a 44,6%. 30,8% a família opta por deixar o corpo íntegro. 21,5% dizem desconhecer o desejo do doador. 3,1% obedecem as convicções religiosas do paciente.
Embora dificuldades existam, a CIHDOTT fechou o mês de setembro com a realização de 3 doações de múltiplos órgãos, sendo possível captar um fígado, 6 rins e 12 córneas. Neste ano já foram 5 doações múltiplas, além de 53 doadores de córneas, totalizando então 106 unidades.
Desde a sua implantação em 2002, a comissão já captou mais de 1.200 órgãos e mais 240 transplantes de córneas. Neste ano, até o momento, sete famílias foram entrevistadas para doação de múltiplos órgãos, sendo que cinco aceitaram e três não. Além disso, houve duas entrevistas para doação de tecido musculoesquelético, sendo que apenas uma das famílias aceitou.
No quesito doação de córneas, foram entrevistadas 101 famílias, sendo que 53 aceitaram (106 córneas doadas) e 48 não. Podem ser doados órgãos e tecidos como córneas, ossos e pele, além de pulmão, coração, fígado, rins e pâncreas.

A pesquisa realizada pela CIHDOTT junto às famílias
– 44,6% dos entrevistados afirmam que o ente querido não teria se manifestado positiva ou negativamente quanto à doação de órgãos;
– 30,8% das famílias optam por ter o corpo de seu ente querido de forma íntegra;
– 21,5% dizem desconhecer o desejo do potencial doador;
– 3,1% dizem respeitar as convicções religiosas do doador;

Na espera por um fígado
A prestadora de serviços Suzane Ferreira (que declarou ser doadora de órgãos) vive com 10% do fígado e está há mais de oito meses na fila de espera para o transplante, mas mesmo sem perspectiva de um doador, diz estar tranquila. “Quando entrei na fila havia 5 mil pessoas aguardando um transplante, e no meu caso é ainda mais demorado porque só posso receber o órgão de uma pessoa morta. Mesmo com essa demora estou tranquila aguardando”, afirma. Na espera de um doador, Suzane faz um tratamento com medicamentos.
“Todos os dias eu tomo pelo menos um remédio para tratar o fígado, além de cuidar com a alimentação. Eu peço todos os dias que se houver alguém que precise mais que eu desse transplante, que consiga. Na hora certa vou conseguir”, acredita. Ainda de acordo com Suzane, ser doador é um exercício de compaixão. “As pessoas não podem desistir. É preciso ser doador, mesmo para quem espera por uma doação, pois temos que pensar no próximo também”, se emociona.

Doadores de vida
Em julho de 2010, Bárbara Damiani perdeu o irmão Vinícius Damiani, de apenas 18 anos. A dor da despedida e a surpresa da morte, no entanto, logo foi substituída pelo reconforto da oportunidade de ajudar outras pessoas. Bárbara afirma que a família, até então, nunca havia conversado sobre isso, e nem pensavam na possibilidade. “Quando tudo aconteceu, após sabermos do falecimento, os médicos informaram que alguns órgãos estavam funcionando muito bem e que poderiam ser doados, e pediram se tínhamos interesse. Logo conversamos e já decidimos que sim. Foi uma decisão bem rápida”, conta.
De acordo com Bárbara, a família foi avisada das pessoas que receberam os órgãos do irmão. “Sabemos que as pessoas receberam os órgãos, logo após as operações ligaram para nós e nos informaram quais órgãos haviam sido doados e qual era o sexo da pessoa”, recorda.
A estudante se declara doadora de órgãos e acredita que a melhor opção é possibilitar que outras pessoas tenham a oportunidade de uma nova chance na vida. “Já que uma pessoa partiu, e é algo que não tem mais volta, é importante dar vida a outras milhares de pessoas que estão precisando, anos e anos esperando, é uma decisão muito importante e que deve ser pensada por todos. A sensação de doar é muito boa, apesar de tudo (e se pudéssemos escolher, que ele estivesse entre nós) a sensação é de conforto e felicidade em sabermos que pessoas estão bem e felizes pela nossa doação”, se emociona.

O sonho do transplante
Janaína Severo esperou mais de um ano para realizar o transplante de rim. Em setembro de 2016, conseguiu o rim de uma senhora de 65 anos, que morreu após complicações numa cirurgia. “Eu fiquei fazendo diálise por mais de um ano, até conseguir o rim. Fiz tudo pelo SUS, no hospital da Santa Casa, em Porto Alegre e tenho que elogiar o atendimento. Alguns meses antes tive um preparo com nutricionista, assistente social. Depois do transplante também tive um atendimento muito bom”, comemora.
Janaína se diz feliz e saudável, mas lembra que é preciso ter uma alimentação regrada e tomar os remédios corretamente. “Eu emagreci 15kg porque cuido da alimentação e faço exercícios, caminho todos os dias se eu puder. Às vezes a vida nos dá um susto para mudar. Não tive contato com os familiares da doadora, até queria muito e pedi ao hospital para agradece-los, mas o hospital disse que não deixam ter contato”, lamenta. Janaína é favorável a doação de órgãos. “Antes mesmo do transplante eu já era doadora, sou totalmente a favor”, afirma.

O transplante no Rio Grande do Sul
A Central de Transplantes do Rio Grande do Sul comemora um dado histórico no ano de 2016: o número de doadores de órgãos chegou a 284, o que significa quase 40 a mais do que em 2015, quando houve 245 doadores. A elevação é a mais alta da história e, assim, o Estado é o maior em número de transplantes, proporcional à população, perdendo apenas para o Distrito Federal. No Brasil, foram 3 mil doadores no ano passado.
O que impede este número de crescer ainda mais é que, conforme os dados de 2016, 43% das famílias do RS rejeitaram a doação depois que foram informadas sobre a morte cerebral do parente.
Cada doador doa, em média, três órgãos. Em 2016, foram 786 órgãos transplantados, entre doadores vivos e mortos.
Já a fila de espera no RS segue em torno de 1,4 mil pessoas, que aguardam por órgãos ou tecidos. O número é pequeno se comparado aos número do Brasil: no país, 40 mil aguardam a doação.

Média nacional de doações aumenta 15%
O número de transplante de órgãos no Brasil aumentou em 15,7% no primeiro semestre de 2017, se comparado com o mesmo período do ano passado. Com essa porcentagem, o país se mantém em um nível intermediário em um ranking de doações no mundo.

Órgãos e doações
Dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) ainda mostram que houve crescimento nos transplantes de rim (5,8%), fígado (7,4%) e córneas (7,6%) e diminuição nos transplantes de coração (3,6%), pulmão (6,5%) e pâncreas (6,0%). Pela primeira vez, desde 2011, o transplante cardíaco deixou de crescer, com queda de 3,6%, mas espera-se recuperação do índice no próximo semestre. O transplante pulmonar também diminuiu (6,5%) e é realizado em apenas três Estados no Brasil (RS, SP e CE).

O recorde na doação de órgãos
Em 2016, o Brasil registrou o maior número de doadores efetivos da história: foram 2.983 doadores. O número representa uma taxa de 14,6 PMP (por milhão da população), 5% maior em comparação a 2015.
Além disso, registrou-se crescimento de 103% no número de potenciais doadores entre 2010 e 2016, passando de 4.997 para 10.158. Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (9) pelo ministro da Saúde, Ricardo Barros.
Outro recorde ocorreu em relação aos transplantes de coração. Em 2016, foram 357 procedimentos, crescimento de 13% em relação ao ano anterior.
O decreto nº 8.783, assinado pelo presidente Michel Temer, em junho de 2016, viabilizou o aumento de 13% dos transplantes de coração, passando de 5, em 2015, para 46 órgãos transportados somente pela Força Aérea Brasileira (FAB).

Sistema
O Brasil possui o maior sistema público de transplantes no mundo. Em 2016, mais de 90% dos transplantes realizados no Brasil foram financiados pelo SUS. Os pacientes possuem assistência integral e gratuita, incluindo exames preparatórios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos pós-transplante.
O Ministério da Saúde mais que dobrou o orçamento na área de transplantes desde 2008, passando de R$ 453,3 milhões para R$ 942,2 milhões. Com os investimentos em imunossupressores (medicamentos usados para evitar a rejeição do órgão transplantado), o orçamento foi de R$ 2,2 bilhões em 2016.
O SUS também possui acordo de cooperação voluntária e solidária com todas as companhias de aviação brasileiras e a Força Aérea Brasileira (FAB) para transporte de órgãos, tecidos e/ou equipes de retirada ou de transplante. Em caso de necessidade, o Ministério da Saúde ainda pode requisitar aviões adicionais à Força Aérea.