Transexual conquista direito de mastectomia em ala masculina de hospital de Carlos Barbosa

2015-04-10_190211
O trans Bernardo Dal Pubel, já conquistou o direito da identidade social masculina e agora comemora o sucesso da mastectomia
Camila Paese Fedrigo, advogada

Bernardo Dal Pubel, de 27 anos, que já possui identidade social como homem, se ressente do tratamanto homofóbico recebido no hospital de Bento Gonçalves e optou pelo procedimento em Carlos Barbosa

O fotógrafo transexual Bernardo Dal Pubel, de 27 anos, lutou e conqustou o direito de cirurgia de mastectomia (remoção completa da mamas) e ser internado em ala masculina em hospital. Foram mais de dois meses de preparação para a cirurgia, que durou pouco mais de três horas.
O procedimento, no entanto, estava autorizado para a internação na ala feminina do hospital. A intervenção da advogada Camila Paese Fedrigo, simpatizante e defensora da causa LGBT, que há dois anos advoga para Dal Pubel, foi fundamental para que o fotógrafo tivesse o direito de já ser tratado com homem no ato da internação.
“Para ele ser tratado como homem no hospital, eu tive que argumentar com base em princípios jurídicos, porque a lei do nome social é válida somente para órgãos públicos e autarquias, e o hospital que ele realizou a cirurgia é público”, explica.
Para Camila o contato com os presidentes de comissões da diversidade sexual da OAB do Brasil, foi fundamental para ter o direito garantido. “Temos um grupo de debates, e com o auxílio deles consegui lapidar melhor a petição”, diz. A advogada é otimista quanto ao posicionamento da população a cerca de questões de gênero e sexualidade.
“Bento Gonçalves é um pouco preconceituosa, mas mesmo o pessoal mais velho tá entendendo. Estou pesquisando alguns estudos que explicam que a homossexualidade e transexualidade, entre outros gêneros, são genéticos, manifestações do ser”, explica.
Para combater o preconceito, e esclarecer questões de gênero para a população, Camila, participa de debates e organiza oficinas para o público LGBTQ. “Precisamos empoderar essa população dando meios de subsistência. Já temos em vista duas oficinas, só estamos esperando definir local e data”, garante.
A luta de Bernardo
“Decidi fazer minha primeira consulta com meu cirurgião plástico, quando descobri que ele aceitava este tipo de procedimento, o que é raro aqui na Serra. Um amigo trans da cidade fez ano passado e me passou tudinho. Eu juntei o valor por 7 meses e meio de trabalho sem nenhum intervalo neste meio tempo, nenhum final de semana de folga”, se emociona Dal Pubel, que não esconde a realização após a mastectomia.
A personalidade forte do fotógrafo é um ponto a ser destacado. Segundo ele, a escolha pela cirurgia ser realizada num hospital público de Carlos Barbosa, foi principalmente pelo fato de Bento Gonçalves ser ainda uma cidade com maior preconceito, na sua opinião. “O procedimento foi muito delicado por eu estar bastante acima do peso, e foi feito em Barbosa por conta do preconceito pesado que sempre sofri nas oportunidades em que fui atendido no hospital Tacchini”, denuncia.
Para Bernardo, foi pelo empenho e dedicação da advogada, que tconseguiu seus direitos respeitados durante toda fase pré e pós da cirurgia. “No dia anterior com auxílio da minha advogada, levamos e protocolamos um pedido do uso do meu nome social, e dos pronomes masculinos. Fomos muito bem atendidos por toda equipe hospitalar”, lembra.
A mágoa do fotógrafo com o hospital Tacchini vai além de um episódio de preconceito envolvendo um anestesista, que segundo Bernardo, em determinada situação, o chamava pelo nome feminino, não respeitando a identidade social já garantida por lei.

Conselho LGBT garante uso do nome social em escolas e instituições
Em março de 2015 o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e promoções dos direitos de lésbicas, gays, travestis e transexuais (CNCD/LGB) estabeleceu parâmetros para a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transexuais nos sistemas e instituições de ensino.
A decisão, publicada no Diário Oficial da União (DOU) formula orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização.
Com a medida deve ser garantido, àquelas e àqueles que o solicitarem, o direito ao tratamento oral exclusivamente pelo nome social, em qualquer circunstância, não cabendo qualquer tipo de objeção de consciência.
A decisão também determina que o campo “nome social” deve ser inserido nos formulários e sistemas de informação utilizados nos procedimentos de seleção, inscrição, matrícula, registro de frequência, avaliação e similares.

Documentação e uso de banheiros
Recomenda-se a utilização do nome civil para a emissão de documentos oficiais, garantindo concomitantemente, com igual ou maior destaque, a referência ao nome social.
A decisão também garante o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito.
As orientações se aplicam, também, aos processos de acesso às instituições e sistemas de ensino, tais como concursos, inscrições, entre outros, tanto para as atividades de ensino regular ofertadas continuamente quanto para atividades eventuais.

A luta da comunidade LGBTQ
A comunidade LGBTQ tem intensificado a luta pelos direitos, e em casos envolvendo procedimentos cirúrgicos, a questão é ainda mais delicada. Há mais de dois anos, um transexual, de 29 anos, entrou na Justiça para conseguir uma cirurgia de mastectomia, pelo plano de saúde. O processo se arrastava desde 2014, mas a juíza Adalgiza Viana de Santana de Araguaína, norte do Tocantins, recentemente reconheceu o direito.
O trans, que pediu para não ter o nome revelado, começou em 2014 o tratamento hormonal para mudança do gênero feminino para o masculino, procedimento coberto pelo plano de saúde. Mas não conseguiu fazer a cirurgia. Para ter o direito, ele precisou procurar a Justiça com a ajuda da Defensoria Pública do Estato.

Outra ação
A vitória nesta ação não foi o fim da luta do transexual. Até porque ele espera, também há mais de dois anos, que a Justiça autorize a alteração do nome no registro de nascimento.
A ação que pede a mudança do nome foi ajuizada em julho de 2014, também pela defensoria. Mas, em janeiro de 2015, o juiz Sérgio Aparecido Paio negou o pedido porque o transexual não tinha feito a cirurgia de mudança de sexo. Para o magistrado, sem o procedimento, a mudança de nome não iria seria condizente com a “realidade naturalística”.
O processo foi para o Tribunal de Justiça e mais uma vez o pleno negou o pedido. Em dezembro do ano passado, a defensoria entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) e aguarda um julgamento.
Para a defensora pública de Classe Especial, Mary de Fátima Ferreira de Paula, o fundamento de condicionar a alteração do nome e do gênero sexual à cirurgia estabelece uma hierarquia entre o corpo e o psicológico.
“Vetar a alteração do prenome do transexual corresponderia a mantê-lo em uma insustentável posição de angústia, incerteza e conflitos, que inegavelmente atinge a dignidade da pessoa humana assegurada pela Constituição Federal”, afirmou.