Spray nasal contra depressão?

2015-04-10_190211
Novo tratamento para depressão aprovado nos EUA é um composto chamado “esketamine”, um spray nasal

Novo tratamento que abre espaço para a volta do uso de psicodélicos foi liberado nos EUA neste mês de março

 

O spray nasal Spravato (esketamina) para tratar depressão pode ser considerado o primeiro para desobstruir o caminho para um renascimento dos remédios psicodélicos na psiquiatria.
Há cerca de 12 milhões de pessoas deprimidas no Brasil. No mundo todo, seriam 300 milhões. Estima-se que por volta de um terço desses doentes sofram com a forma resistente do transtorno mental, definida pela situação de pacientes que tentaram dois ou mais medicamentos antidepressivos sem sucesso.
A esketamina é em realidade uma variante molecular espelhada da substância ketamina (ou cetamina), há muito tempo empregada como anestésico. Além de bloquear a dor, ela costuma induzir estados oníricos, alucinações e efeitos dissociativos na mente de quem a recebe.
O efeito se assemelha ao de drogas psicodélicas como LSD, psilocibina (presente em cogumelos Psilocybe cubensis) e DMT (um dos componentes da ayahuasca), todos relacionados com o neurotransmissor serotonina. A ketamina, porém, age sobre receptores no cérebro para outro composto, glutamato.
Já se conhecia seu benefício para deprimidos, o que tem motivado o emprego “off label” (sem prescrição na bula) em algumas clínicas. Ocorre que se trata de uma substância poderosa, como todo psicodélico, e não se recomenda o uso indiscriminado ou descontrolado (muito menos por adolescentes ou por quem tem tendências psicóticas). Daí todo o cuidado com que a FDA cercou a liberação da esketamina.
O spray só poderá ser usado em consultórios ou clínicas médicas, duas vezes por semana de início, e o paciente tem de ser monitorado por pelo menos duas horas. Além disso, a pessoa precisa estar sendo tratada com algum outro antidepressivo tradicional e não pode levar o frasco de esketamina para casa.
Ainda não se conhece em detalhe por que o tipo de viagens propiciadas pela ketamina e por outros psicodélicos ajuda os deprimidos. Apesar disso, há grande expectativa com essa nova classe de medicamentos.
Nova, em verdade, não: uma droga como o LSD causou furor nos anos 1950 e 1960 como fármaco produzido comercialmente pela Sandoz, sob o nome Delysid, e usado, por exemplo, contra dependência de álcool. Isso até entrar na parafernália da contracultura hippie, passar por experimentos desastrosos na CIA e em seguida cair em desgraça, passando para a lista de substâncias proibidas nos EUA e alhures.
Há estudos em curso sobre o potencial de MDMA (base do ecstasy), LSD e psilocibina para tratar uma variedade de transtornos psíquicos, da depressão ao estresse pós-traumático –inclusive no Brasil. A ayahuasca foi testada na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em pacientes com depressão resistente, gerando bons resultados.
Decerto há grande rejeição a essas substâncias (para não dizer preconceito) nos círculos acadêmico e proibicionista, pela má fama que adquiriram como drogas recreativas. A FDA, ao permitir o uso de esketamina em ambiente controlado e sob supervisão médica, estabelece a moldura terapêutica adequada para que possam renascer sem reviver velhos fantasmas.
Há um lado B nessa decisão, contudo. Por que só agora se libera o uso como antidepressivo? O efeito já se encontrava estabelecido para a ketamina, afinal. Mas esse é um composto barato, licenciado pela FDA em 1970, para o qual não cabia patente.
A esketamina, por outro lado, pôde ser objeto de patente. Com isso, a farmacêutica Janssen se tornou capaz de cobrar uma fortuna, até US$ 885 (quase R$ 3.500), por aplicação, ou mais de R$ 27 mil por mês no início do tratamento.
A diferença está em que, agora, com a chancela da FDA, tal custo poderá ser assumido pelas seguradoras de saúde dos EUA. No caso da ketamina, a prescrição “off-label” tinha de ser paga do bolso do próprio doente.
Há mais de uma década esse remédio promissor poderia estar ajudando muita gente a sofrer menos, mas a nova indicação não interessava aos grandes laboratórios. É deprimente, em certo sentido (passe o trocadilho).
O emprego de MDMA contra estresse pós-traumático é a terapia que se acha mais perto de ganhar aprovação da FDA, o que deve acontecer nos próximos anos por iniciativa da Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos (Maps, na sigla em inglês). Veteranos de guerra, policiais, bombeiros, vítimas de violência e todas as pessoas sofrendo com transtornos mentais torcem para que a ressurreição psicodélica não pague tributo tão alto aos deuses do mercado.