‘Qual o machismo que não me atinge?’

2015-04-10_190211
O machismo afeta diretamente as mulheres por uma questão da opressão e tudo que está implicado a isso

“Se uma mulher diz não ser feminista, a necessidade do feminismo não diminui em nada. No máximo, isso nos mostra a extensão do problema, o alcance real do patriarcado. Mostra-nos também que nem todas as mulheres são feministas e nem todos os homens são misóginos”.
Chimamanda Ngozi Adichie

Somente na última semana dois famosos deram o que falar com relação a (des)igualdade de gênero: José Mayer foi denunciado por assédio sexua; e o cantor Victor foi indiciado pela polícia por agressão após um vídeo revelar a violência contra sua mulher Poliana.
Tanto Victor quanto Zé Mayer gozaram de seu privilégio social quando denunciados pelas vítimas: homens, brancos, heterossexuais, classe alta. O topo da pirâmide. O descaso, a dúvida e a ofensa caíram todos sobre as mulheres: “Mas será que é verdade mesmo? Muito estranho esse caso aí…” e por aí vai. Embora seja verdade que casos com celebridades sempre nos choquem e que o princípio constitucional seja de inocência até que se prove ao contrário, isso não basta para explicar a proteção a Zé Mayer e a Victor.
O assédio sexual e a violência contra a mulher são crimes historicamente silenciados no Brasil. Se a violências partir de homens, brancos, heterossexuais, classe alta, como foi o caso desta semana do caso do Cantor Victor e do Ator José Mayer são tão blindados quanto as vítimas são desacreditadas. Denunciar qualquer um desses crimes é sempre um ato de coragem, porque a retaliação e vem em seguida.
Como ator foi parecido. A má fama dele em relação ao assunto é antiga e, mesmo assim, a figurinista foi desacreditada e sua versão questionada. Felizmente, deu repercussão e gerou empatia. As atrizes e demais funcionárias da emissora uniram-se e foram trabalhar vestindo uma camiseta com os dizeres “Mexeu com uma, mexeu com todas #ChegaDeAssédio”. No mesmo dia, o ator divulgou carta aberta admitindo o ocorrido, sua responsabilidade perante o caso e desculpando-se com as mulheres. A emissora dada a repercussão do caso, afastou o ator por tempo indeterminado, numa atitude correta e também surpreendente.

Ficam as lições: acreditem nas denúncias das mulheres. É juntas, e graças a solidariedade que as mulheres conseguem vitórias como essas , ou a carta aberta de desculpas e o afastamento teriam acontecido sem clamor social?
O machismo afeta diretamente as mulheres por uma questão da opressão e tudo que está implicado a isso. Desde questões históricas e culturais, o machismo é perpetuado na sociedade através de pequenos gestos que vão, desde um fiu-fiu na rua, atitude invasiva e abordagens que objetificam e exploram o corpo da mulher, concepções de que a mulher é um ser inferior e subalterno ao homem e que faz com que mulheres que realizam a mesma função no trabalho do que um homem, ganhem menos do que ele, até a um estupro e o feminicídio. Mulheres que são assassinadas pela cultura falocêntrica e patriarcal que impera na sociedade.
Dados recentes da ONU colocam o Brasil no sétimo lugar do ranking da violência contra a mulher. Violência que se expressa de todas as maneiras, social, psicológica, emocional, econômica, sexual e por aí vai. De fato, qual o machismo que não as atinge? Todos são, igualmente, destrutivos.
Quando falamos em machismo facilmente nos vem à mente agressões, estupro, violência doméstica, restrição econômica, submissão e subserviência. Acontece que o machismo é tão impregnado na sociedade por conta do patriarcalismo que não nos atentamos a pequenos gestos e comportamentos que são manifestações machistas e não percebemos. Tão imperceptíveis e automáticos, são assimilados com naturalidade pelas pessoas e por isso se tornam invisíveis.
O Manterrupting é uma junção de man (homem) e interrupting (interrupção) e significa ‘homens que interrompem’. Um comportamento que, além de falta de educação é uma forma de machismo, pois, a mulher não consegue concluir sua frase e raciocínio porque é constantemente interrompida pelos homens ao redor. Quer um exemplo disso?
Em 2009, durante seu discurso de agradecimento pelo prêmio de melhor videoclipe feminino do MTV Music Awards, a cantora Taylor Swift foi interrompida pelo rapper Kanye West. O cantor invadiu de forma agressiva e desrespeitosa o momento que era da cantora. O episódio ficou conhecido pelo gesto inesperado do rapper e tudo ficou em tom de brincadeira, mas que disfarça o ato machista.
Outro exemplo de machismo invisível é o Bropriating, um comportamento muito comum em reuniões. O termo é uma junção de bro (gíria para brother, irmão, mano) e appropriating (apropriação) e se refere a quando um homem se apropria da ideia de uma mulher e leva o crédito por ela.
O bropriating é mais uma das diferenças e injustiças que acontecem no mercado dos negócios sustentado pelo machismo. É o que faz com que muitas mulheres sirvam de trampolim para homens oportunistas crescerem à custa da submissão impostas às mulheres. Injustiça que faz com que as diferenças salariais relacionadas a gênero sejam bem acentuadas. Em um estudo recente realizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mulheres ganham 30% menos do que os homens, mesmo que elas sejam mais instruídas ou capacitadas.
Já no Mansplaining, da junção de man (homem) e explaining (explicar) é a maneira como se explica, didaticamente, determinado assunto, como se a mulher fosse incapaz de compreender num primeiro momento. É quando um homem dedica um tempo para ensinar coisas triviais, simples ou não, mas que subestima a capacidade da mulher.
Outra situação é quando o homem quer explicar sobre algo que a mulher está certa, mas a explicação dele é baseada em dados e informações errôneas e desencontradas, apenas para convencê-la de que está errada. Um desmerecimento e desrespeito ao conhecimento da mulher. É tratá-la com inferioridade e menos capaz intelectualmente. Mulher, repare a maneira exagerada como as pessoas falam com você, elogios insistentes ou até mesmo, aquela mensagem acalorada de dias das mulheres, afinal, vocês merecem ser lembradas apenas no dia 8 de março?
Por fim, mais um exemplo típico de machismo invisível é o Gaslighting. Termo inspirado na peça de teatro ‘Gas Light’ e depois adaptado para o cinema. O enredo diz respeito a um marido que tenta convencer sua esposa e outras pessoas de que ela é louca. Tudo porque o marido quer a fortuna dela e só conseguiria se a esposa fosse internada como doente mental. Interpretando a esposa, a atriz Ingrid Bergman.
Utilizado desde 1960, o termo Gaslighting descreve a manipulação do sentido de realidade de alguém. Uma manipulação emocional e violenta, pois, embora este comportamento afete homens e mulheres, culturalmente, as mulheres sofrem mais pois sempre foram consideradas desajustadas socialmente e emocionalmente desequilibradas.
As famosas frases como: ‘isso é coisa da sua cabeça’, ‘você não sabe brincar’, ‘como você é exagerada’, ‘você está louca’ e ‘não vá chorar’. Isso é gaslighting. Vamos além, percebemos também este comportamento machista quando se diminui a importância da violência e agressão sofrida pela mulher. Uma desqualificação da autonomia e da palavra da mulher.
Um desempoderamento das mulheres e que infelizmente, muitos homens recorrem desta manipulação como recurso para oprimir as companheiras, que muitas vezes, se veem sem direção, abdicam das próprias escolhas e sucumbem à imposição do homem.
Acontece que a frase que escutei esses dias faz cada vez mais sentido, porque, embora seja homem, considero-me feminista e totalmente a favor dele. Devo, principalmente enquanto homem, desconstruir este machismo e este sistema patriarcal, que também é impositivo e violento com os homens. Eu não quero ser este homem que vive atrelado a este machismo.
Admito, sou um homem cansado destas exigências sociais e masculinas, enfadonhas e sem sentido. Que ‘bando’ de homens frágeis que precisam manter o machismo para existir.

Comportamentos que devem parar

Tarefas domésticas
Esse termo ultrapassado é muito usado em famílias. Reunir os parentes em casa e ter que cuidar de todo serviço doméstico enquanto os homens assistem futebol pode parecer normal, mas não é. Homens e mulheres trabalham fora de casa, por que o serviço doméstico deve ser exclusivamente feminino? Já pensou que a criação masculina pode ser diferente? Ensine as crianças a dividir tarefas igualmente, não só pelo gênero.

A culpa não é sua
Nenhuma vítima é responsável pelo assédio que sofre. Não importa o tamanho do seu shorts, uma mulher nunca está pedindo algo. A liberdade de ir e vir é um direito de todos, isso inclui a de não ser atrapalhado no percurso. Cantadas não são bem-vindas em locais públicos, declare seu interesse educadamente e sem constranger ninguém. Chega de fiu fiu!

Direção
Não é preciso nem falar que a expressão “mulher no volante, perigo constante” é machista. Mas a raiz dela consegue ser pior, muitas famílias ensinam os meninos a dirigir desde cedo e não fazem o mesmo com as meninas. É preciso parar de alimentar essa insegurança feminina, até porque no Brasil as mulheres se envolvem em menos acidentes que homens.

Seu local de fala importa
Toda mulher já passou pela situação de começar a falar e ser interrompida por um homem. Isso é uma das coisas que mais as incomodam em discussões. Homens, fiquem quietos quando a mulher está falando. Na sua vez, elas farão o mesmo por você. Local de fala é importante.

Maternidade compulsória
Mulheres não nasceram para ser mães, assim como homens não nasceram para ser pais. A maternidade e a paternidade acontecem, algumas vezes são recebidas de braços abertos, outras não. Nem sempre o sonho de uma mulher é ter um filho, e nem precisa ser. Essa ideia de que uma mulher só é verdadeira se for mãe, é ultrapassada e machista.

Você pode entender de games e tecnologia
Ao contrário do que alguns homens pensam, mulheres entendem tanto de videogame quanto eles. Alimentar essa ideia de que só o homem gosta da cultura geek é uma das coisas mais infantis, hoje em dia muitos jogos são até produzidos por mulheres. Gosto não é questão de gênero.

Você tem um cargo e merece exercê-lo
Se uma empresa contrata dois profissionais da mesma área, por que um deles fica encarregado do “cafezinho”? Uma verdadeira equipe deve ser feita de colaboração indiferente do gênero. Não aceite ser tratada de forma diferente por ser mulher.

Você não precisa de um homem
Você não precisa de ninguém! Você quer um homem porque é uma pessoa inteira e tem desejos como qualquer outra. Não acredite nessa dependência que a sociedade criou a respeito dos homens, uma mulher é perfeitamente capaz de passar sua vida sozinha, se assim o quiser.