Pesquisas na Embrapa focam no resíduo da indústria vinícola

2015-04-10_190211
A partir do aproveitamento integral, pesquisadores desenvolveram insumos de alto valor agregado para os ramos alimentício, farmacêutico, de cosmética e setor mobiliário

O aproveitamento é integral em relação aos resíduos das indústrias de vinho, onde cientistas puderam desenvolver técnicas utilizando insumos de alto valor agregado para ramos alimentícios, farmacêuticos, cosméticos e até mobiliários. Os ingredientes são funcionas, com corantes naturais e nanocristais de celulose, alguns foram criados pelos pesquisadores da Embrapa, que há mais de oito anos estudam soluções para um dos mais nobres resíduos industriais, o bagaço da uva.
A partir do aproveitamento integral de resíduos da indústria de vinho, pesquisadores desenvolveram insumos de alto valor agregado para os ramos alimentício, farmacêutico, de cosmética e de mobiliário. Ingredientes funcionais, corantes naturais e nanocristais de celulose são alguns dos produtos criados por pesquisadores da Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ), que há mais de oito anos estudam soluções para um dos mais nobres resíduos industriais: o bagaço da uva. O processo inclui em sua primeira etapa a extração de compostos antioxidantes da casca da uva, sem as sementes. Como a presença destes insumos é abundante, o processo resulta em ingredientes funcionais e corantes de alta qualidade. Um segundo processo permite realizar a extração aquosa de fibras alimentares, que ainda carregam antioxidantes em sua estrutura criando um ingrediente rico em fibras antioxidantes.

Semente de uva vira óleo cosmético
A semente da uva contém um óleo que quando extraído tem grande poder cosmético, rico em lignina e embora possua teor de fibras pode ser submetida a uma extração de extratos ricos em fibras alimentares nobres com compostos fenólicos. A equipe de pesquisa da Embrapa realizou diversas análises para garantir a segurança do consumo dos bagaços de uva e seus coprodutos. A produção resulta em toneladas de materiais vegetais processados, que impactam o meio ambiente. Dados estimados indicam que somente 3% do resíduo da indústria vinícola passam por um processo de aproveitamento onde o bagaço é o principal resíduo, representando certa de 30% do peso de toda a uva. É um subproduto importante, rico em fibras alimentares e com uma relevante concentração de compostos antioxidantes, que combatem os radicais livres do organismo, prevenindo o envelhecimento e o surgimento de inúmeras doenças crônicas e degenerativas.
O bagaço da uva ainda é tratado como um produto de baixo valor econômico, sendo utilizado normalmente como adubo nas plantações, como ração animal ou então incinerado. “O nosso maior desafio é convencer o empresário a utilizar os resíduos da indústria vinícola para um fim mais nobre, ou seja, aproveitar seus valiosos compostos bioativos para obter produtos de maior valor agregado”, afirma Renata Tonon, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos e líder de um projeto que busca o aproveitamento dos resíduos das indústrias vinícolas do Vale do Rio São Francisco, para obtenção de ingredientes e alimentos com alto valor agregado.
O Brasil está atualmente em 17º lugar na produção de vinho no mundo, com a produção estimada em mais de um milhão de toneladas por ano. A produção brasileira de uva se concentra majoritariamente no Sul do País, principalmente no Rio Grande do Sul.
Desde 2010, a Embrapa Agroindústria de Alimentos busca soluções para o aproveitamento dos resíduos da indústria vinícola, em parceria com as Unidades de Pesquisa da Embrapa: Uva e Vinho (RS) e Semiárido (PE). Composta por uma equipe de mais 15 pesquisadores e técnicos da Empresa, a pesquisa vem aprofundando a análise das características desses resíduos agroindustriais, proveniente de diversas uvas produzidas no País.

Aditivos naturais substituem sintéticos
“Existe atualmente uma tendência de uso de aditivos naturais, uma vez que os sintéticos vêm apresentando restrições devido a possíveis efeitos tóxicos prejudiciais à saúde, o que tem incentivado as pesquisas voltadas à obtenção de corantes e antioxidantes naturais. Algumas indústrias de ingredientes já comercializam corantes à base de antocianinas, obtidos a partir de matérias-primas vegetais”, conta Renata Tonon.
“Em uma fase mais recente da pesquisa, a equipe verificou que, além de rico em compostos antioxidantes, o bagaço de uva fornece fibras solúveis funcionais em grande quantidade”, conta Caroline Mellinger, pesquisadora do Laboratório de Bioquímica da Embrapa Agroindústria de Alimentos.
Os benefícios para a saúde relacionados ao consumo de fibras já são conhecidos: redução de doença cardiovascular, prevenção de diabetes, redução da absorção de glicose, regulação do trânsito gastrointestinal e redução do colesterol sanguíneo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um consumo diário entre 27 e 40 gramas para um adulto. Uma forma de aumentar o consumo da população seria utilizar as fibras como ingrediente ou insumo na indústria de alimentos ou como suplemento alimentar.

Dez vezes mais fibras que as farinhas atuais
O processo desenvolvido na Embrapa consegue disponibilizar um ingrediente de alta qualidade, com uma quantidade dez vezes maior de fibras alimentares que as farinhas de uva encontradas no mercado. Testes realizados no Laboratório de Bioacessibilidade da Embrapa Agroindústria de Alimentos em um modelo estático de digestão mostraram que a farinha bruta, obtida das cascas de uva, pode ser usada como um suplemento destinado ao público que deseja obter os benefícios das fibras insolúveis. “As fibras solúveis não são muito desprendidas do produto no trato gastrointestinal. Já as fibras antioxidantes, quando recuperadas do bagaço, são 100% desprendidas do alimento e podem atuar como fibras solúveis, que são consideradas mais nobres por terem impacto na redução de risco de doenças metabólicas”, explica Mellinger.
Para complementar o estudo, já foram iniciados estudos pré-clínicos no Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), liderados pela professora Maria Fernanda Werner. O teste in vivo pretende investigar os mecanismos digestivos acionados com a ingestão da farinha integral e do ingrediente, rico em fibras antioxidantes, e orientar quanto ao seu consumo.

Alto valor de mercado
Além do aspecto nutricional, há que se considerar a importância comercial desse produto. Os suplementos à base de fibras alimentares são vendidos no varejo a um preço elevado, chegando a custar 350 reais o quilo. As matérias-primas para a produção desses suplementos são majoritariamente produzidas no exterior e processadas por grandes empresas. “Desenvolver e viabilizar insumos nacionais de alta qualidade e a baixo custo representa uma inovação no mercado, que pode contribuir para ampliar o acesso da população a esse tipo produto”, afirma Mellinger.
Esse ingrediente funcional já foi submetido à avaliação de consumidores. Teste de aceitação de um iogurte natural adicionado do extrato rico em fibras foi realizado com 130 consumidores no Laboratório de Análises Sensoriais e Instrumentais da Embrapa Agroindústria de Alimentos. “O produto foi considerado ótimo ou bom por 90% dos participantes da pesquisa, sendo que 93% indicaram achar uma boa ou ótima ideia adicionar fibras antioxidantes a um produto”, afirma a bióloga Carolina Beres, que realizou a pesquisa como parte de seu doutoramento na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com a Embrapa.