Pesquisador avalia primeira semana de frio intenso para a agricultura

2015-04-10_190211

Ao analisar as previsões matemáticas da MetSul Meteorologia para a queda drástica na temperatura nesta primeira semana de julho, o Pesquisador de Fisiologia Vegetal da Embrapa Uva e Vinho, Henrique Pessoa dos Santos, reforça que “as temperaturas baixas serão muito expressivas nesta primeira semana de julho, atingindo valores negativos (temperaturas congelantes). Nestas condições, está previsto a ocorrência de fortes geadas e até neve (dependendo da umidade) nos pontos mais altos da Serra Gaúcha, a partir de quinta-feira”.
Lembrando que o inverno adequado nem sempre é aquele que apresenta uma soma expressiva de frio, mas aquele que expõe uma condição de frio constante e sem dias quentes intercalados, o pesquisador avalia que “o ideal é que não ocorram ondas de frio tardio na primavera (geralmente em setembro), pois esse é um dos fatores de maior impacto negativo na produção de uva na região sul do Brasil. A restrição de frio não é muito problema, pois já se dispõe de indutores químicos para estimular a brotação da videira e contornar esse problema, o que tem possibilitado o cultivo da videira em regiões com ausência total de frio, como no nordeste brasileiro.”
Henrique Pessoa dos Santos coletou dados e revela que até o dia primeiro deste mês de julho foram registradas 29 horas de frio (HF, horas com temperatura menor ou igual a 7,2°C) na estação meteorológica situada na Embrapa, em Bento Gonçalves-RS. Esse frio foi acumulado somente em três dias de junho (20/06, 26/06 e 27/06) e se confrontarmos esta realidade com as condições normais na região, até essa data o registro deveria ser próximo de 155 HF.
“Portanto- analisa o pesquisador – estes 29 HF que ocorreram neste outono/inverno está caracterizando uma condição muito quente, pois atingiu apenas 18% do frio que normalmente ocorre até o momento. Nos próximos dias está previsto a chegada de uma nova frente fria, com quedas mais expressivas na temperatura e possivelmente se aproximando mais da realidade de temperaturas desta época do ano. Contudo, para compensar a falta de frio até o momento e se aproximar das condições normais de soma de frio da região, no mês de julho deveríamos dispor de uma total de 251 HF, o que corresponderia a 8,4 HF por dia (uma realidade impossível de ocorrer na região). Ou seja, destaca-se com estes dados que a condição anormal que ocorreu neste período é a restrição de frio até o final de junho e qualquer condição de frio que ocorra em julho será benéfica para a fruticultura de clima temperado. No levantamento de dados de temperatura nos últimos 10 anos (2009 a 2019), nunca havia ocorrido uma condição tão quente de outono/inverno, como a registrada até o final de junho/2019.”

Pesquisador de Fisiologia Vegetal da Embrapa Uva e Vinho, Henrique Pessoa dos Santos

Temperaturas baixas x influencia na agricultura
Segundo o pesquisador, para a maioria das espécies frutíferas de clima temperado, como videira, macieira, pereira, pessegueiro, etc, considera-se frio quando a temperatura está igual ou inferior a 7,2°C. Essa é uma referência teórica, pois equivale a 45° F (escala Fahrenheit, utilizada para temperatura em alguns países, como EUA), mas se aproxima das condições de frio para a maioria das espécies.”
“No caso da videira, esclarece Pessoa dos Santos, na literatura alguns trabalhos também consideram frio quando a temperatura está igual ou abaixo de 10°C. O estado de dormência das gemas nestas espécies frutíferas é ativado pela redução do comprimento do dia, ao longo do outono, e é aprofundado pelos primeiros dias frios (dias que apresentam algumas horas com temperaturas inferiores à 7,2 °C). Ou seja, essas espécies de clima temperado ativam o estado de dormência para suportar o frio congelante do inverno. Na sequência, a ocorrência de dias frios é considerado pelas plantas para sair do estado de dormência, permitindo a brotação apenas na primavera quando as temperaturas permitem o crescimento, sem o risco de temperaturas congelantes que todos os tecidos verdes (ex.: folhas) não toleram.
O total de horas de frio para indução e superação é denominado “exigência de frio”, sendo variável entre as cultivares. Nas uvas finas (cultivares Vitis vinifera), a exigência de frio é proporcional a época de brotação. As cultivares mais precoces (ex.: Chardonnay) apresentam, em média, uma exigência de 150HF, enquanto as cultivares de brotação intermediária (ex.: Merlot) e tardia (ex.: Cabernet Sauvignon) apresentam 300HF e 400HF, respectivamente. As cultivares de uva comum (ex.: Bordô, Isabel, Niágara) apresentam uma exigência próxima de 100 HF, mas exigem maior soma de calor para brotarem. Diante destas exigências, salienta-se que a ocorrência de no mínimo 300HF já garantiria uma condição adequada para a maioria das cultivares que são cultivadas na região da Serra Gaúcha. A condição normal (média de 30 anos) é de 409 HF na Serra Gaúcha, mas já ocorreram grandes oscilações nos últimos anos, tais como nos invernos de 2015 (total de 145 HF) e 2016 (total de 536 HF).
Em resumo, quando as horas de frio do ambiente corresponde as exigências da cultura, as plantas ativam fisiologicamente a superação da dormência e podem atingir a brotação plena na primavera. Por isso, o maior problema para espécies frutíferas é quando o inverno apresenta ondas de frio intercaladas com muitos dias quentes, permitindo a brotação antecipada (no meio do inverno) antes de dias com temperaturas congelantes. Ou seja, o ideal é que ocorram invernos com dias frios constantes, sem a ocorrência de frios tardios (após data de brotação).
Neste momento (início de julho) todas as espécies frutíferas já entraram no estado de dormência e ainda não atingiram as exigências mínimas de HF. Nesta condição fisiológica, as espécies frutíferas de clima temperado são capazes de tolerar temperaturas de -15 a -28 °C sem danos fisiológicos. Esses limites de temperatura negativa nunca ocorreram (e certamente não ocorrerão) aqui no Sul do Brasil. Portanto, qualquer temperatura baixa que ocorrer neste mês só trará benefícios para as culturas, auxiliando para superação do estado de dormência e garantindo uma brotação mais uniforme na próxima primavera.