Pesquisa indica que vírus Zika cura tumor avançado no sistema nervoso

2015-04-10_190211

O vírus Zika pode ser usado como ferramenta no tratamento de tumores humanos agressivos do sistema nervoso central, segundo um estudo brasileiro publicado no dia 26 de abril na revista Cancer Research. O estudo foi feito pela primeira vez em um modelo vivo. Após injetar pequenas quantidades do vírus Zika no encéfalo de camundongos com estágio avançado de tumores, os cientistas observaram uma redução significativa da massa tumoral e aumento da sobrevida dos animais. Em alguns casos, houve a eliminação completa do tumor e até mesmo de metástases na medula espinal.
“Estamos muito animados com a possibilidade de testar o tratamento em pacientes humanos e já estamos conversando com oncologistas. Também submetemos uma patente com o protocolo terapêutico adotado em roedores”, contou a professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) Mayana Zatz, que também é coordenadora do Centro de Pesquisas do Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL).
Mayana coordenou a investigação ao lado do professor do IB-USP e membro do CEGH-CEL Oswaldo Keith Okamoto. Colaboraram pesquisadores do Instituto Butantan, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Nossos resultados sugerem que o Zika possui uma afinidade ainda maior pelas células tumorais do sistema nervoso central do que pelas células-tronco neurais sadias [principais alvos do vírus no cérebro de fetos expostos durante a gestação]. E, ao infectar a célula tumoral, ele a destrói rapidamente”, disse Okamoto.
Em seu laboratório no IB-USP, o pesquisador tem se dedicado nos últimos anos a estudar um grupo de genes que, quando expressos em tumores malignos, conferem às células tumorais propriedades semelhantes às de células-tronco, tornando-as mais agressivas e resistentes ao tratamento.
Segundo Okamoto, essas células tumorais com características de células-tronco já foram observadas em diversos tipos de tumores sólidos, inclusive aqueles que afetam o sistema nervoso central. Dados da literatura científica sugerem que elas ajudam o câncer a se disseminar pelo organismo e a restaurar o crescimento tumoral após a quase eliminação da doença por tratamentos de quimioterapia e radioterapia.
“Nossos estudos e de outros grupos mostraram que o vírus Zika causa microcefalia porque infecta e destrói as células-tronco neurais do feto, impedindo que novos neurônios sejam formados. Foi então que tivemos a ideia de investigar se o vírus também atacaria as células-tronco tumorais do sistema nervoso central”, disse Okamoto.
De acordo com o professor, os resultados sugerem que vários tipos de tumores agressivos do sistema nervoso central poderiam ser tratados com algum tipo de abordagem envolvendo o Zika, no futuro. “Antes, porém, precisamos investigar melhor quais tipos de tumores respondem a esse efeito oncolítico [que destroi as células cancerosas], quais os benefícios do tratamento e quais os efeitos colaterais da exposição ao patógeno”, disse Okamoto.

Letalidade do vírus
Os pesquisadores também injetaram o vírus em um grupo de roedores imunossuprimidos que não teve o câncer induzido. Nesse caso, o vírus ficou mais tempo circulando pelo organismo e os animais morreram em apenas duas semanas em decorrência da infecção viral. “O animal imunossuprimido é muito sensível a qualquer patógeno, mas tivemos de recorrer a esse modelo porque é o único em que as células tumorais humanas são capazes de se proliferar”, explicou Okamoto.
Ao investigar por que o vírus foi mais letal nos animais sem câncer do que nos doentes, o grupo descobriu que as partículas virais geradas quando o Zika infecta as células tumorais são menos virulentas, ou seja, têm menor capacidade de infectar novas células do que as partículas geradas em células sadias.
Paralelamente ao desenvolvimento da parte teórica em laboratório, afirmou Mayana, o grupo pretende avançar até a fase de ensaios clínicos em humanos. “São tumores para os quais hoje há poucas opções terapêuticas. A ideia seria começar com dois ou três pacientes que não respondem aos tratamentos convencionais e, se a estratégia funcionar, estender para um grupo maior”, disse.